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terça-feira, 10 de maio de 2011

10.- Fez-se vingança, não justiça

Porto Alegre * Ano 5 # 1741

Como já se escreveu recentemente aqui, há velocidade de envelhecimento diferente de certas notícias. Nas discussões, que abrem usualmente minhas aulas, ontem, mesmo que a decisão do STF acerca do reconhecimento das relações homoafetivas era algo atrativo para pauta, o assassinato de Bin Laden era, ainda, muito presente. Como nas reflexões trazidas há uma semana, recém o Planeta se impactava com a notícia, ontem, tanto alunas e alunos de Conhecimento, Linguagem e Ação Comunicativa como os da Universidade do Adulto Maior estavam mais posicionados (mesmo que de maneiras diferentes).

Primeiro houve o reconhecimento que há uma semana, mesmo desprovidos de detalhes de agora (morte de um indefeso, diante de familiares, localizado a partir de notícias obtidas com tortura...) já tínhamos certo consenso como importunidade de se festejar a morte de um adversário.

Claro que há posturas divergentes e isso enriquece uma aula. Na diversidade de artigos trazidos pela imprensa queria repartir com meus leitores um texto do teólogo Leonardo Boff. Este respeitado pensador, que dispensa apresentação, já esteve neste blogue em mais de uma oportunidade e é com admiração que entrego a meus leitores esta densa reflexão.

Fez-se vingança, não justiça Alguém precisa ser inimigo de si mesmo e contrário aos valores humanitários mínimos se aprovasse o nefasto crime do terrorismo da Al Qaeda do 11 de novembro de 2001 em Nova Iorque. Mas é por todos os títulos inaceitável que um Estado, militarmente o mais poderoso do mundo, para responder ao terrorismo se tenha transformado ele mesmo num Estado terrorista. Foi o que fez Bush, limitando a democracia e suspendendo a vigência incondicional de alguns direitos, que eram apanágio do país. Fez mais, conduziu duas guerras, contra o Afeganistão e contra o Irã, onde devastou uma das culturas mais antigas da humanidade nas qual foram mortos mais de cem mil pessoas e mais de um milhão de deslocados.

Cabe renovar a pergunta que quase a ninguém interessa colocar: por que se produziram tais atos terroristas? O bispo Robert Bowman de Melbourne Beach da Flórida que fora anteriormente piloto de caças militares durante a guerra do Vietnã respondeu, claramente, no National Catholic Reporter, numa carta aberta ao Presidente: "Somos alvo de terroristas porque, em boa parte no mundo, nosso Governo defende a ditadura, a escravidão e a exploração humana. Somos alvos de terroristas porque nos odeiam. E nos odeiam porque nosso Governo faz coisas odiosas".

Não disse outra coisa Richard Clarke, responsável contra o terrorismo da Casa Branca numa entrevista a Jorge Pontual emitida pela Globonews de 28/02/2010 e repetida no dia 03/05/2011. Havia advertido à CIA e ao Presidente Bush que um ataque da Al Qaeda era iminente em Nova York. Não lhe deram ouvidos. Logo em seguida ocorreu, o que o encheu de raiva. Essa raiva aumentou contra o Governo quando viu que com mentiras e falsidades Bush, por pura vontade imperial de manter a hegemonia mundial, decretou uma guerra contra o Iraque que não tinha conexão nenhuma com o 11 de setembro. A raiva chegou a um ponto que por saúde e decência se demitiu do cargo.

Mais contundente foi Chalmers Johnson, um dos principais analistas da CIA também numa entrevista ao mesmo jornalista no dia 2 de maio do corrente ano na Globonews. Conheceu por dentro os malefícios que as mais de 800 bases militares norte-americanas produzem, espalhadas pelo mundo todo, pois evocam raiva e revolta nas populações, caldo para o terrorismo. Cita o livro de Eduardo Galeano "As veias abertas da A.Latina" para ilustrar as barbaridades que os órgãos de Inteligência norte-americanos por aqui fizeram. Denuncia o caráter imperial dos Governos, fundado no uso da inteligiência que recomenda golpes de Estado, organiza assassinato de líderes e ensina a torturar. Em protesto, se demitiu e foi ser professor de história na Universidade da Califórnia. Escreveu três tomos "Blowback" (retaliação) onde previa, por poucos meses de antecedência, as retaliações contra a prepotência norte-americana no mundo. Foi tido como o profeta de 11 de setembro. Este é o pano de fundo para entendermos a atual situação que culminou com a execução criminosa de Osama Bin Laden.

Os órgãos de inteligência norte-americanos são uns fracassados. Por dez anos vasculharam o mundo para caçar Bin Laden. Nada conseguiram. Só usando um método imoral, a tortura de um mensageiro de Bin Laden, conseguiram chegar ao seu esconderijo. Portanto, não tiveram mérito próprio nenhum.

Tudo nessa caçada está sob o signo da imoralidade, da vergonha e do crime. Primeiramente, o Presidente Barak Obama, como se fosse um "deus" determinou a execução/matança de Bin Laden. Isso vai contra o princípio ético universal de "não matar" e dos acordos internacionais que prescrevem a prisão, o julgamento e a punição do acusado. Assim se fez com Hussein do Iraque, com os criminosos nazistas em Nuremberg, com Eichmann em Israel e com outros acusados. Com Bin Laden se preferiu a execução intencionada, crime pelo qual Barak Obama deverá um dia responder. Depois se invadiu território do Paquistão, sem qualquer aviso prévio da operação. Em seguida, se sequestrou o cadáver e o lançaram ao mar, crime contra a piedade familiar, direito que cada família tem de enterrar seus mortos, criminosos ou não, pois por piores que sejam, nunca deixam de ser humanos.

Não se fez justiça. Praticou-se a vingança, sempre condenável. "Minha é a vingança" diz o Deus das escrituras das três religiões abraâmicas. Agora estaremos sob o poder de um Imperador sobre quem pesa a acusação de assassinato. E a necrofilia das multidões nos diminui e nos envergonha a todos.

Fonte: http://socialismo.org.br/portal/internacional/38-artigo/2016-fez-se-vinganca-nao-justica

Ao encerrar, relembro o convite que fiz ontem aqui para a palestra: Educação – “Conhecimento prudente para uma vida decente”: um novo paradigma para a educação de qualidade? por Boaventura Sousa dos Santos, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Antecipo que no plenário da Câmara Municipal os lugares estão há muito esgotados. É provável que a TV Câmara de Porto Alegre transmita, para os que detêm televisão por assinatura na região. Como tenho aula nas noites de terças-feiras, vou buscar esta alternativa, até a hora de partir para Centro Universitário Metodista do IPA. Com votos de um muito bom dia, um convite para nos encontrar aqui, amanhã.

10 comentários:

  1. Caro Attico,

    o texto do Boff é simplesmente sensacional. Consegue apresentar um ponto de vista muito interessante e bastante representativo.
    Realmente, se faz dicotômico um país que financia guerras se autodeclarar um país justiceiro - que tem como objetivo manter a ordem do mundo. A ordem em que se estabelece como topo do planeta.
    A morte planejada de bin Laden pode acabar como um tiro que sai pela culatra. Passou longe de ser justiça a vingança agora praticada. Talvez os EUA tenham criado justamente o efeito contrário: ao matar o líder, fez com que o movimento fosse tomado novamente com o espírito da ação e da vingança - que não se acaba. E talvez essa seja a vontade real estadunidense - é difícil manter uma guerra sem inimigos declarados e atuantes.

    Abraços,

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  2. Meu caro Paulo Marcelo,
    há que aderir àqueles que pedem que o belicista Obama devolva o Nobel da Paz, que já criticávamos quando lhe foi outorgado em 2009. Há uma carta do argentino Adolfo Esquivel – também Nobel da Paz, a Obama mostrando o quanto ele macula o Prêmio
    Obrigado pelo teu comentário e desejo que a natureza seja mais clemente com Pernambuco.
    attico chassot

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  3. É, querido Attico, e assim vamos observando qual o modelo tem sido mostrado aos nossos jovens. É ruim? Mata! É diferente? Mata!
    Lamentável, profundamente lamentável que uma sociedade que se diz democrática adote essa postura.
    bj meu,

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  4. Estimada Rejane,
    teu comentário é sintético, mas objetivo e preciso: Mata!
    Obrigado por seres leitora aqui
    attico chassot

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  5. Caro Chassot,
    O prevalece nas relações dos EUA com o resto do Planeta é o "Direito da força" em detrimento da "Força do direito", ou seja, quem pode mais chora menos. Infelizmente há muito vivemos com essa realidade e não vemos luz no fim do túnel. Abraços, JAIR.

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  6. Meu estimado parceiro,
    lamentavelmente devo aderir a tua observação
    Com apreciação
    attico chassot

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  7. seu post de hoje, faz me recordar da reportagem que acabo de ler na internet com o titulo: "E se um comando iraquiano invadisse a mansão de Bush, o matasse e atirasse seu corpo no mar?" -http://mariafro.com.br/wordpress/2011/05/09/chomsky-e-se-um-comando-iraquiano-invadisse-a-mansao-de-bush-o-matasse-e-atirasse-seu-corpo-no-mar/

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  8. Janice querida,
    que bom a tua reaparecida. Estava com saudades. Obrigado pela dica. Vou tarrafear na rede.
    Um afago do
    attico chassot

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  9. Caro Chassot,

    com minha viagem ontem não tive como comentar o teu blogue, o que faço hoje. Para não ser repetitivo, apenas quero adicionar o pensamento que nossa amiga comum, Rejane Almeida me enviou por e-mail (que ela não sabe quem é o autor): "Na última semana beatificamos um papa, casamos um príncipe, fizemos uma cruzada e matamos um mouro. Bem-vindos à Idade Média!"

    Acho que tem matéria para a gente pensar!

    Um abraço,

    Garin

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  10. Meu caríssimo colega Garin,
    muito bom sabe-lo de volta. Recebi e me encantei com a ‘suma hebdomadária’ trazida pela Rejane (que recebe cópia desta mensagem). Afortunadamente o Brasil, no período com 10 x 0 no STF fez, diferentemente de Obama (que ratificou não merecer ser laureado com o Nobel da Paz) fez Justiça no reconhecimento das relações homo afetivas.
    Ontem a noite em aula no Centro Universitário Metodista do IPA discutíamos as benesses de por aqui soprar outros ventos;
    Obrigado por trazeres a frase da Rejane
    attico chassot

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