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quinta-feira, 24 de março de 2011

24.- No coração da matéria – grande final

Porto Alegre * Ano 5 # 1694

Esta postagem ocorre quase partindo para o aeroporto. Esta tarde profiro a aula inaugural (a quinta de seis nesta abertura de ano letivo) “A ciência como instrumento de leitura para explicar as transformações da natureza” no Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências (PPEC) dos departamentos de Física e de Química da UFMS em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul.

Os anjos que cuidam de nossas agendas, às vezes são camaradas: a Gelsa está em uma banca de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação da mesma Universidade. Mas a generosidade dos gestores de agendas tem limite. Não viajaremos juntos. Saímos no mesmo horário de Porto Alegre. Ela vai direto. Eu vou por São Paulo, com três horas de espera em Guarulhos. Não é a primeira vez que parecemos casal de magnata ou de família real que não viajam juntos para não deixar trono ou fortunas duplamente órfãos. Em 2009 partimos de Bogotá rumo a Porto Alegre no mesmo horário, em voos separados.

Dentro das evocações do centenário da descoberta do núcleo atômico, que viemos recordando aqui desde a segunda-feira, hoje ocorre a última das quatro edições segmentadas do texto No coração da matéria escrito por Cássio Leite Vieira, publicado na edição dominical da Folha de S. Paulo de 20 de março. Devo anunciar que a poluída formatação em CAIXA ALTA não é produção deste editor. Na torcida de que o segmento de hoje – com lances emocionantes – seja fruído, adito meus votos de uma muito boa quinta-feira. Amanhã nos lemos, provavelmente de Campo Grande.

O ALQUIMISTA Em 1919, Rutherford publicou os resultados que o tornariam o primeiro alquimista da história – feito tão impressionante quanto o núcleo atômico. No experimento, bombardeou átomos de nitrogênio com partículas alfa, produzindo oxigênio e, de quebra, o próton, partícula de carga positiva de cuja existência ele já desconfiava desde o núcleo atômico.
A transmutação de nitrogênio em oxigênio foi seguida, no entanto, de queda significativa de resultados importantes no Laboratório Cavendish, que, desde 1919, após Thomson, estava sob a liderança de Rutherford. A essa altura, Rutherford - que não tinha a física teórica em grande estima- percebeu que precisaria de ajuda para projetar experimentos na área da teoria quântica, que lida com os fenômenos do mundo atômico e subatômico e que ganhou grande impulso na década de 1920. Contratou Ralph Fowler, que, em 1921, casou-se com sua única filha, Eileen Mary Rutherford (1901-1930).

Se tanto fez Rutherford, então por que não recebeu um segundo Nobel? A hipótese mais provável é a de Campbell: o comitê estava certo de que mais um prêmio não acrescentaria nada a sua fama.

A historiografia da ciência vê em Rutherford as origens da "Big Science", o tipo de ciência (principalmente física) feita depois da Segunda Guerra, com enormes volumes de dinheiro, grande quantidade de pesquisadores, laboratórios nacionais, temas por vezes ligados a questões militares. Badash enxerga Rutherford como precursor na formação de equipes de pesquisa, nos laboratórios com numerosos integrantes, no grande fluxo de publicações, na internacionalização dos resultados, nos esforços de especialização, nos meios de disseminação da informação, e na competição – todos eles moeda corrente na ciência atual.

A tese de Badash – apesar de bem argumentada– causa espanto para aquele que conheceu o Cavendish nos tempos heroicos, nos quais um aluno que precisasse de um cano de aço para um experimento recebia uma serra e uma bicicleta velha, da qual devia extrair o que desejava. Era a era romântica da física experimental, com experimentos feitos em prédios úmidos, empoeirados, cheio de fios e equipamentos dispostos sem ordem aparente, empestados pela fumaça dos charutos do chefe, que fazia, para o temor dos estudantes, a ronda diária. Época de físicos com mãos e roupas sujas de graxa.

NÊUTRON A indiferença de Rutherford em relação à mecânica quântica -cuja matemática ia muito além de seus conhecimentos – só foi amenizada com a volta dos grandes resultados do Cavendish. Em 1932, James Chadwick descobriu o nêutron, partícula sem carga elétrica, companheira do próton no núcleo atômico. Chadwick percebeu que aquela partícula, cuspida depois que átomos de berílio eram bombardeados com partículas alfa, não era um raio gama – como foi teorizado à época -, mas algo que seu chefe, Rutherford, já havia proposto em 1920: o nêutron.
Agora, o modelo atômico parecia se completar: prótons, nêutrons e elétrons. Mas a descoberta ou a proposição de novas partículas subatômicas (pósitron, múon, píon) na década de 1930 viriam embaralhar o cardápio dos constituintes básicos da matéria, justamente numa época em que havia muita resistência à aceitação de novos membros nesse clube, cujas portas os físicos sonhavam em fechar. Foi uma época da qual Rutherford desfrutou pouco, assoberbado por palestras, compromissos, cargos e tarefas burocráticas.

AOS PÉS DE NEWTON Aquele neozelandês de olhos claros, voz grave e tenebrosa, que metia medo em seus alunos, exigente e com pouca paciência para experimentos que tardavam a dar resultados foi, no entanto, respeitado e admirado. Sua humildade foi reconhecida: não pôs seu nome em artigos importantes, mesmo que a ideia do experimento tenha partido dele. Não pleiteava nem dinheiro, nem equipamento além do que realmente precisava.

Passou por momentos difíceis. O pior foi a morte de sua filha no parto de seu quarto neto. Lutou pela paz mundial (pediu que aviões não fossem usados para fins bélicos), participou do esforço de guerra para deter o avanço nazista, defendeu a liberdade de imprensa e o direito das mulheres na ciência, concedendo bolsas e oportunidades para físicas.
Até 1930, quase tudo que havia sido feito sobre a estrutura nuclear vinha de Rutherford, escreveu o historiador da física Daniel Kevles. O problema do modelo atômico nuclear -instabilidade, segundo as regras da física clássica- foi corrigido com base na teoria quântica, em 1913, por um de seus ex-alunos em Manchester, o físico dinamarquês Niels Bohr.
Tornou-se sir em 1914 e foi o primeiro barão Rutherford de Nélson em 1931. Em seu brasão, escolheu homenagear seu país natal, com símbolos da Nova Zelândia (um pássaro kiwi e um guerreiro maori). Suas pesquisas em radioatividade e física nuclear hoje levam conforto e saúde a boa parte da população, por meio de usinas nucleares e equipamentos de diagnóstico e tratamento para o câncer, para citar apenas dois casos.

Os restos de Rutherford – que morreu em 19 de outubro de 1937, aos 66 anos, em Cambridge, por postergar a cirurgia de sua hérnia umbilical - estão aos pés do magnífico altar de Isaac Newton, na Abadia de Westminster, em Londres. Assim, aquele que quiser chegar a Newton, para observar o passado, deverá necessariamente passar por Rutherford. Nada mais justo. A foto é o túmulo de Newton. Já tive o privilégio de ver este e também o de Rutherford, do qual não encontrei ilustração.

"Lidei com várias e diferentes transformações em diversos períodos, mas a mais rápida com que me defrontei foi a minha própria transformação de físico em químico", afirmaria Rutherford

"Suas pesquisas hoje levam conforto e saúde a boa parte da população, por meio de usinas nucleares e equipamentos de diagnóstico e tratamento para o câncer"

2 comentários:

  1. É curioso esse artigo vir a terminar na quinta, e não na sexta quando aparentemente seria mais oportuno, nesta data em que comemoro mais um outono, é emocionante ouvir a história de tão célebre homem, e ver o quanto esse tipo de assunto me fascina, amo ciências e todas as formas de conhecimento, a todos um ótimo final de semana,e uma excelente viagem para ti ó grão mestre do conhecimento.

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  2. Meu caro Walls,
    uma vez mais lamento não ter teu endereço para agradecer teu comentário.
    A história de Rutherford é realmente preciosa.
    Obrigado pelos elogios e pelos votos.
    Antecipo calorosos cumprimentos, desde Campo Grande, votos pela data de amanhã;.
    Com admiração
    attico chassot

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