Porto Alegre * Ano 5 # 1683
Porto Alegre * Ano 5 # 1683
Um fiapo de história. Em dezembro de 1960 terminei curso científico; fiz em janeiro de 1961, vestibular na UFRGS para Engenharia. Fui reprovado em desenho. Não consegui desenhar uma parábola, como o exigido, com tinta nanquim. Fiquei muito frustrado. Não sabia o que fazer. Vi que não havia sentido ficar em Porto Alegre, pois meu emprego servia para pagar o aluguel de um quarto que compartia com um colega que fora aprovado na Medicina.
Em Montenegro procurei sem sucesso algum emprego em escritório de alguma empresa. Em qualquer lugar era descartado por falta de experiência. Quem empregaria alguém que tinha feito o curso científico quando a cidade formava técnicos em contabilidade?
Minha mãe, sempre muito pragmática, teve então uma ideia audaciosa. Por que tu não vais ao Colégio Jacob Renner? Lá podem estar precisando de professor. Havia na proposta de minha mãe duas fabulosas ousadias: a mais significativa, ela muito católica recomendar-me uma escola mantida pela Igreja Episcopal; é preciso recordar que o Concílio Vaticano II só começaria no ano seguinte, e o vigário católico da cidade negava a eucaristia aos pais que colocassem os filhos no Jacob Renner, que era uma escola gratuita. A outra, o crédito que ela tinha no seu filho, admitindo que esse tivesse requisitos de ser professor. Mãe é mãe!
Na manhã de 13 de março fui ao Jacob Renner, sendo entrevistado pelo diretor Reverendo Ernst Bernhoeft, alma-mater do Colégio. Não me lembro me foi perguntado, mas sai da escola com emprego. Lecionaria matemática nas duas 1ªs e duas 2ªs series do curso ginasial. Era uma segunda-feira. As aulas começariam na quarta-feira. Programei-me para ir a Porto Alegre no dia seguinte buscar meus livros, pois não trouxera ainda minha mudança, e preparar-me para a grande estreia. Todavia naquele mesmo dia ainda aconteceria algo inusitado.
No começo da tarde, batem na casa de meus pais, para onde eu retornara depois de meus fracassos no vestibular, – e perguntam pelo ‘Professor Attico!’. Eu, não sem alta dose de atrapalhação, pois nunca fora assim antes chamado, respondo que era eu. ‘O Reverendo mandou este livro para o senhor preparar uma aula para hoje à noite, pois o professor do 3º científico vai faltar!’. Engoli em seco e recebi o livro de Matemática do 3º ano colegial, do Ary Quintella. Ainda tenho o livro de capa verde, com um desenho de uma função derivada na capa. Quem se preparava nervosamente para a estreia daí a dois dias, pariria a fórceps o debute no magistério ainda aquela noite.
Lembro-me que parti da João Pessoa, 1884 e desci a Oswaldo Aranha, até perto da Estação da Viação Férrea, onde ficava o Jacob Renner, numa quase noite. Pelo caminho repeti várias vezes a aula sobre ‘números complexos’ que preparava para alunos da mesma série que eu frequentara no ano anterior. Só fazia aos céus um pedido: que ninguém me perguntasse nada. Não recordo muito da aula, a não ser que sentia o suor pingar na minha espinha. Lembro do grupo. A história da falta do professor era um pretexto. Tornei-me, depois deste teste, professor da turma. E ainda março tinha num total de 10 turmas de Matemática e Ciências. E em agosto mais 3 turmas de Química. Esta é pouco das muitas histórias que conto no livro que anuncio no prelúdio.
E... ¿seu eu tivesse passado no vestibular de Engenharia?
Sexta-feira e ontem trouxe as duas primeiras partes do prelúdio do livro que manhã encaminho à Editora. Agora a terceira e última parte do prelúdio. Na alegria de poder partilhar esta data com cada uma e cada um de meus leitores desejo um muito bom domingo.
Dúvidas persistem quanto ao nome. Há que contornar divergências. Nesta hora advêm teóricos. Que tal: Memórias de um professor: das heterotopias às utopias?
Heterotopia é um conceito que descreve lugares e espaços que funcionam em condições não-hegemônicas. Estes são os espaços das alteridades, que não estão nem aqui nem lá, que são simultaneamente físicos e mentais, tais como o espaço de uma chamada telefônica ou o momento quando você se vê no espelho. Uma utopia é uma ideia ou uma imagem que não é verdadeira, mas representa uma versão aperfeiçoada da sociedade, tal como livro de Thomas Morus. Michel Foucault usa o termo heterotopia para descrever espaços que têm mais camadas de significação ou de relações a outros lugares do que imediatamente olho a olho. Penso que o livro, do qual teço, aqui e agora, a ouverture, se construiu vivenciando heterotopias e sonhando com utopias.
Surge mais uma sugestão de forte densidade teórica: “Memórias de um professor: hologramas desde um trem misto”.
Encantam-me, nesta nova sugestão, duas conjunções históricas: o trem misto, já referido, onde havia o vagão-caracol – era uma família levando sua casa – que qual nau de Colombo me levava a um novo mundo. Foi ali que talvez, escrevi minhas primeiras palavras em ‘letras de imprensa’, ao rotular caixas da mudança com a palavra “frágil”, onde a “letra do gato” era muito difícil de fazer. Holograma, que tentava explicar já no final dos anos 1960, nas aulas de Química Geral dos cursos de Física e Química.
Holografia, ensina a Wikipédia, é uma forma de se registrar ou apresentar uma imagem em três dimensões. Foi concebida teoricamente em 1948 pelo húngaro Dennis Gabor, ganhador do Prêmio Nobel de Física em 1971, e somente executada pela primeira vez nos anos 60, após a invenção do laser.
O nome holografia vem do grego holos (todo, inteiro) e graphos (sinal, escrita), pois é um método de registo "integral" com relevo e profundidade. Os hologramas possuem uma característica única: cada parte deles possui a informação do todo. Assim, um pequeno pedaço de um holograma terá informações de toda a imagem do mesmo holograma completo. A comparação pode ser feita com uma janela: se a cobrirmos, deixando um pequeno buraco na cobertura, permitiremos a um espectador continuar a observar a paisagem do outro lado, de um ângulo muito restrito. Mas ele ainda verá toda a paisagem pelo buraco.
Continuo no trem. Reclamo que o maquinista não obedece aos avisos: “Apite, passagem!”. Depois, me dou conta que devo refazer a censura. Estou olhando para trás – mas o maquinista olha para frente e as placas que eu vejo são para os trens que se deslocam em sentido contrário. Por isso as advertências que parecem não cumpridas, pois estão posicionadas depois da passagem. Aprendo que vale olhar para o passado, mas é preciso olhar para frente. É do mesmo trem de 1947 que olhei um pouco de cada ano, de 1961 a 2011. Com os hologramas que vi, olhando o passado e pensando no futuro, fiz este livro.
No meu hemi-feriado momesco, fazia este prelúdio e olhava sugestões de nomes. No blogue e no Facebook tive gostosas parcerias de leitores, alguns dos quais nem conheço. Da carnavalesca Olinda recebo o encantamento pelos armarinhos, acompanhado da sugestão poética de que o nome do livro poderia ser ‘Conversas em uma bodega’. Fiquei seduzido. Fui ao dicionário: ‘Bodega: Comida grosseira e malfeita’. Cevara tanto as escritas que agora se fazem livro. Perdi o encanto com a sugestão.
Penso e repenso, muitas vezes. A Gelsa, que amadrinhou a última sugestão, mostra quanto o nome diz muito do que eu amealhei na construção deste livro. E no Dia Internacional da Mulher de 2011, em sintonia com uma parceria, também intelectual, de quase 24 anos, adiro, entusiasmado, a “Memórias de um professor: hologramas desde um trem misto”.
Agora, só um convite: tome comigo o trem. Ora espie pela fresta que deixa sair a chaminé do fogão. Ora escancare a porta e comigo olhe para trás, mas... para não censurar em vão, olhe muito para frente. Há cinquenta e um hologramas que quero compartilhar. Obrigado por estarmos juntos, envolvidos em um binômio quase mágico e que funciona como abracadabra, como uma das mais usadas e ousadas criação dos humanos: escritaD leitura.
Mestre! É prazeroso ler o blog...ele não falha, muitas vezes os esperados e-mail não chegam, mas o blog está postado. Gostei do titulo do livro " memorias de um professor: hologramas desde um trem".Professor não pode faltar, pois faze-lo por 50 anos é para poucos mortais....com continuada admiração ...Elzira.
ResponderExcluirMeu caro e nobre Attico,
ResponderExcluirNessa manhã que começa a se deslumbrar, acorda também um dia especial a todos nós: a passagem de teu cinquentenário magisterial é uma comemoração que não é - e nunca será - apenas tua. Assim como você, creio num ensino carregado de sentimentos - antiasséptico - e vocacionado para a reflexão de todos os elementos. Tua data solene nos remete ao amor de educar, ao transpor barreiras (expressão sempre ligada ao magistério) e é com alegria que celebro contigo essa passagem.
Que este e muitos cinquentenários possam marcar tua obra, que sabe ser tão presente e atemporal (ou será multitemporal?) simultaneamente, pois trata dos problemas do agora que certamente ainda serão encontrados no futuro.
Que esse dia possa trazer silêncio para teus pensamentos e muito barulho para celebrar a vida e estes anos valiosos de tua carreira. Que os 50 anos possam marcar não um ocaso, mas um resplandecer de algo que sintetizas tão bem, de algo que se confunde com tua própria vida.
Que a Morada dos Afagos hoje torne-se pequena para abrigar todos os sentimentos e histórias que certamente se farão presentes.
Grande abraço, parabéns! Força sempre!
o Paulo traduziu bem o que sentia e lhe desejava ao ler a postagem de hoje.
ResponderExcluire se o senhor tivesse passado..?
eu e mais tantos alunos do sr, agradecemos a parábola reprovada!
Não há saltos quânticos suficientes na explosão de fogos de artifício para simbolizar a importância desta caminhada ímpar no magistério. Meus sinceros parabéns! Emiliano - www.quimica.net/emiliano
ResponderExcluirobs: teria sido uma boa incluir um desenho seu de parábola, heim? quem sabe aqui no blog...
ResponderExcluirEMILIANO escreveu
ResponderExcluirOlá Amigo Chassot!
Quero aqui trazer as felicitações pelos 50 anos de contribuição ao ensino!
Um abraço do
Prof. Emiliano Chemello
[mail] chemelloe@yahoo.com.br
[website] http://www.quimica.net/emiliano
Parabéns Mestre!
ResponderExcluirAmei as associações ao trem, e como as conheço tão bem, pois, só quem conhece Estação Jacuí,(uma minoria óbvio), sabe o que o trem significou para os filhos de ferroviário, como nós.
Parabéns pelos 50 anos de doação de toda esta inteligência ímpar e tão amável.
Obrigada por nos honrar com esta amizade.
Deus te abençõe mais e mais...
Beijos
Luiza Neves
Professor!
ResponderExcluirParabéns pelos cinquenta anos de magistério!!!! Que bom que não conseguiste desenhar a parábola!!!!
Um abraço com votos de um excelente domingo!!!!
Ieda (igiongo@univates.br)
Vou também fazer coro com a Marília: queremos ver a parábola!
ResponderExcluirAmado Professor Chassot!
ResponderExcluirParabéns pelos 50 anos de magistério!!! O que seria do ensino de Ciências sem as suas preciosas contribuições e discussões? Para mim sempre foram e serão desafios compartilhar seus escritos...
Fiquei muito feliz também pelo título do livro, para mim o melhor...
Estarei aguardando o livro para fazer parte de minha biblioteca.
Um forte abraço
Anelise
Professora Vera Lúcia da FURB escreveu
ResponderExcluirBom dia querido MESTRE!!!!!!!
Que a comemoração dos 50 anos que você tem dedicado ao exercício e testemunho de ENSINAR sejam a colheita muitas realizações no caminho de Semeador de Consciências...
PARABÉNS GRANDE JARDINEIRO DE ALMAS!!!!!!!!!
Com certeza você hoje merece o maior presente de todos: A PLENA REALIZAÇÃO e o CORAÇÃO EM PAZ !!!!
Com carinho e reconhecimento,
Vera Lúcia e Cesar.
Renata karine deixou um novo comentário sobre a sua postagem
ResponderExcluirO amor recíproco entre quem aprende e quem ensina é o primeiro e mais importante degrau para se chegar ao conhecimento.(Erasmo)
Parabéns pelos seus 50 anos de magistério.
Parabéns por 50 anos de magistério!
ResponderExcluirem tradução o senhor é incrível!
parabéns!
Muy querido Profesor Chassot,
ResponderExcluirSi hubiese aprobado... ¡nos habríamos perdido de un maravilloso Mestre! que de manera multifacética nos descorre las puertas del pasado, nos interpele con los sucesos del presente y nos abre holográficamente el pensamiento hacia el futuro.
¡Felicitaciones por esta celebración de Oro!!
Un abrazo cariñoso,
Pai
ResponderExcluirParabéns !!!
Uma data muito aguardada !!
Do trio Bernardo , Carla e Maria Antonia
Ave Chassot,
ResponderExcluirparabéns pelo jubileu!
Me emocionei lendo o texto.
Grande abraço,
Guy.
Olá mestre!
ResponderExcluirHá muito não reservava um tempo para passar por aqui, quando ontem, em uma aula com a professora Neusa (mestrado-URI) de História da Ciência voltada ao Ensino, me enchi de culpa...
Não havia me dado em conta da necessidade que tenho de me manter alimentada com suas palavras...
50 anos... o que dizer para uma pessoa que nesse espaço tempo reservou-se a dedicar seus estudos para qualificar a educação. Não sei como posso lhe homenagear a não ser através da multiplicação dos seus escritos, estou aguardando novos pensamentos para que possa alimentar meus conhecimentos.
Desejo poder compartilhar essa forma maravilhosa de amar a educação por muitos e muitos anos.
Abraço carinhoso desta seguidora...
Fabiane Leite
Santa Rosa
ARNALDO CARVALHO desde o Recife escreveu
ResponderExcluirPrezado Chassot
Alertado pelo Paulo Marcelo Pontes, acessei
o "Blog do mestre Chassot" para confirmar
que na agenda de 2011, consta em 13 de
março (hoje) a comemoração do meio-século
de um trabalho admirável em prol da educação
química, realizado por você.
Uma feliz coincidência, a sua festa além
de estar inserida no Ano Internacional da
Química, ocorre também no ano em que se
comemora o centenário da publicação do
trabalho de Rutherford descrevendo a
descoberta do núcleo atômico.
Mestre Chassot, parabéns e obrigado por nos
presentear com mais um motivo para festejar
2011. Aguardo uma oportunidade de cumprimentá-lo
pessoalmente.
Abraços para você e Gelsa.
Arnaldo Carvalho
Meu amado companheiro de vida
ResponderExcluirNeste 13 de março em que tens materializado, naquela caixa de teu lindo gabinete de trabalho, o livro que há muito sonhavas escrever, no qual partilhas tuas memórias de professor, expressas nos hologramas desde o trem misto que somente tua fantástica memória, tua grande disciplina intelectual e imensa sensibilidade poderiam produzir, nesse dia em que juntos estivemos até mesmo tentando fazer um cálculo aproximado do número de alunos que, nesses cinqüenta anos, tiveram o privilégio de te ter como professor, como amigo (e, então, chegamos a não menos de 13 mil!!!), pois neste dia em que tens tanto a celebrar, muito lembrei da Dona Maria, das muitas histórias que dela escutamos, mas, principalmente, fiquei imaginando o orgulho que teria do filho que tanto ama sua profissão.
Um beijo encharcado de carinho e admiração.
Tua Gelsa
Querido mestre Chassot, meus parabéns por seus cinqüenta anos como professor e também pelo seu novo livro que esta por vir !
ResponderExcluirUm abraço com admiração !!
Ass.: Bruno Amaral, acadêmico da cadeira de CLAC(IPA)
Meu caro Bruno,
ResponderExcluirobrigado por tua querida manifestação aqui.
Com estima
attico chassot