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domingo, 6 de março de 2011

06. – Moda, anorexia e bobas da corte

Porto Alegre * Ano 5 # 1676

O sábado carnavalesco teve cinema nacional que faz sucesso de bilheteria e de crítica. Fomos, acompanhados da Liba, ver “Bruna Surfistinha” O enredo é uma adaptação do livro "O Doce Veneno do Escorpião: O Diário de uma Garota de Programa", publicado em 2005. Na biografia, Rachel Pacheco - pseudônimo de Surfistinha - narra sua história e lembra a fase de sua vida em que relatava, num blog da internet, a rotina de fazer sexo por dinheiro. Esperávamos um filme erótico e leve – afinal estávamos ainda ferreteados com o cruento “Cisne Negr”. Ao contrário, mesmo com continuadas cenas de nudez, com Deborah Secco, em atuação excepcional, o filme é de continuada violência física e moral contra a mulher.

Neste domingo, o convidado para o recesso momesco é Jorge Antunes – Professor titular do Departamento de Música da UnB, maestro, compositor, é autor da Sinfonia das Diretas, da Cantata dos Dez Povos e da Ópera Olga. O seu texto, muito polêmico (anorexia deixa de ser vista como doença!), foi publicado no blogue da "Revista Espaço Acadêmico" em 26 de fevereiro.

Com votos de um bom domingo – que começa nublado aqui, afianço que vale ler Moda, anorexia e bobas da corte.

Quem tem poucos neurônios em funcionamento pode aceitar se submeter à atividade, bem remunerada, de divertir a corte. Moças que têm neurônios destruídos, desejam ser modelos. Forma-se, então, o círculo vicioso do mundo da moda. Este exige magreza, que provoca anorexia, que provoca destruição de neurônios, que provoca novas pretendentes à atividade profissional de modelo.

O processo cruel de exploração humana não é novo. Sempre existiu. A cada momento da história da humanidade as classes exploradoras, sempre acobertadas pelo Estado, estiveram inventando métodos e técnicas para colocar seres humanos degradados divertindo os abastados donos do poder.

O romance O Homem que Ri, de Victor Hugo, conta a história de uma criança que no final do século XVII é seqüestrada, por ordem do rei, e é cruelmente desfigurada, tendo a boca rasgada até as orelhas. A criança se tornaria um homem de riso permanente, ótimo para servir como saltimbanco e bobo da corte, para distrair os poderosos.

A ideia geradora do romance de Hugo não tem nada de fictícia. No século XVIII começaram a ser criadas associações de compra-crianças. A atividade desses grupos de empresários consistia em comprar crianças para deformá-las fisicamente. Após terem cortados seus narizes, rasgadas suas bocas, os rostos deformados a ferro em brasa, quebradas suas colunas vertebrais, as crianças eram vendidas às cortes, aos sultões e aos papas, para alimentar as atividades de saltimbancos e bobos da corte.

Ezio Bazzo, em seu livro A Lógica dos Devassos, analisa outros momentos semelhantes da história da humanidade que envergonham o homem de hoje. A crueldade humana desponta em outra atividade no século XVII, quando a igreja proíbe mulheres de participar do coro. A solução é a castração de crianças, para que cresçam homens que farão as vozes agudas da polifonia coral. Para salvar a arte, a castração de crianças era admitida por papas, bispos e regentes daquela época. Os castrati italianos existiram até o século XIX. Ocidente e Oriente, nesse caso, se encontram culturalmente, porque os eunucos, os homens castrados, eram os guardas dos haréns.

Na Índia também existiu a prática. Governantes castravam crianças e as educavam para cuidar dos haréns. Eunucos ainda existem na Índia, muitos deles por opção própria dos que desejam uma identidade mais feminina. São temidos e respeitados, porque muitos acreditam que eles possuem poderes sobrenaturais. Suas atividades profissionais incluem a benção em casamentos, nascimentos e outras celebrações.

Pierre Bourdieu, ao estudar a sociologia do esporte, enveredou numa perspectiva crítica que explica o processo de dominação e domesticação na ordem social vigente. O autor lembra que as classes abastadas praticam preferencialmente esportes individuais onde é destacada a figura do sujeito e que não exigem grande sacrifício corporal, como é o caso do tênis e do golfe. Às classes populares são reservados os esportes caracterizados pelo jogo coletivo e importante quota de agressividade e sacrifício corporal. Valter Bracht vai mais longe nessa análise, observando que o esporte amador é reservado à elite, enquanto o esporte espetáculo é produzido por profissionais para a massa de expectadores. Assim, os fins capitalistas se evidenciam, com as classes altas lucrando com o interesse que o povo tem pelo esporte espetáculo.

Desfiles de moda se enquadram nesse contexto. As magricelas elegantes, verdadeiras garças sensuais, garças cheias de graça, saracoteiam maliciosamente na passarela, vestindo trajes investíveis, mas extremamente divertidos. São obras de arte que flutuam no tempo e no espaço para o deleite de olhos burgueses opressores. Para deleitar os poderosos, as esqueléticas precisam se maquinizarem de modo a não criar problemas. Exigência de altos salários não é problema. Mas têm que sofrer de anorexia para que parem de menstruar, sintam desejo de se isolar da família e se tornem inférteis.

As bobas de corte e costura, enfim, são como os antigos bobos da corte: têm que se degradar, se desfigurarem, se entregando ao aviltamento corporal, para deleite da alta burguesia e das classes dirigentes.

3 comentários:

  1. Marília Müller 7 de março de 2011 às 03:14
    vale ler. o recesso já começa com uma boa indicação de blogue.
    só penso que o autor em sua análise social da anorexia poderia ter enfatizado que a doença pede tratamento e prevenção social, além do doente ser uma vítima tmb

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  2. Muito querida Marília,
    concordo contigo. Faltou considerar a a anorexia uma doença.
    Boa noite de domingo, embalada com um feriado à vista

    attico chassot

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  3. Infláveis & Cia

    Nada contra que pessoas tenham como sonho de consumo ou objetivo de vida tornarem-se mais bonitas, mais “clean”, mais malhadas ou mais atraentes. Ou que, por imposição da mídia e de uma suposta estética pós-moderna globalizada, sejam “obrigadas” a malharem e esfalfarem-se em academias, tantas e tão cansativas horas por dia. Nada contra que essa gente “produza” um físico padrão para se tornar inserida nas tribos supostamente saudáveis que circulam nas danceterias, shoppings e points da moda. Nada contra até, que por motivo de saúde ou estética mesmo, pessoas, - mulheres principalmente – se submetam às, tão na moda, cirurgias, lipos, spas e quetais de última geração, cujos custos econômicos fazem a fortuna dos vendedores de ilusões. Como disse o profeta: “Seu corpo é sua morada”. E ninguém contestará, porquanto na sua casa é você quem manda e poderá pintá-la ou reformá-la como lhe aprouver. O que queremos chamar a atenção é para o exagero. É o culto às formas superabundantes, sem trocadilho. Que grassam em todas as direções que nos voltamos.
    Hoje tornou-se quase impossível olhar para uma beldade na telinha, numa revista ou noutro veículo de comunicação, sem que nos deparemos com seios, traseiros, coxas, lábios, narizes, panturrilhas ou outras partes menos votadas, infladas, moldadas, lipoaspiradas, siliconizadas e transformadas em esculturas grotescas, por demasia, por excesso. Peles esticadas como couro de tamborim fazendo contraponto com olhares envelhecidos e cansados. Seios volumosos sobrantes de roupas exíguas, contrastando com corpos esguios e anoréxicos. Narizes nórdicos em rostos gritantemente morenos-tropicais. Corpos com volumes ou falta deles visivelmente artificiais.
    Quando o que predomina são essas deusas de silicone, não nos resta outra coisa senão sonhar com formas naturais, harmoniosas e não tão perfeitas, mas constituídas de carne e osso, como há pouco eram encontráveis. Quando tudo que existe são esses monumentos fartos e inverossímeis feitos pela mão do homem, ficamos a imaginar se o que as mulheres almejam é tornarem-se objetos sexuais de látex. Se assim é, fica mais fácil e barato adquirir no primeiro sex shopp uma boneca inflável.

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