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quarta-feira, 9 de março de 2011

09. – E...agora cinzas

Porto Alegre * Ano 5 # 1679

O carnaval passou. Há quem diga – e isso sempre me pareceu uma tonteria, para usar uma palavra a gosto de meus leitores de fala espanhola – que no Brasil o ano só começa depois do carnaval.

Recordo de celebrações da quarta-feira de cinza quando os fiéis recebiam a imposição de cinzas na testa com padre a pronunciar: “Memento homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris!”. Não sei se hoje ainda se houve a recordação: “Lembra-te homem, que és pó e a pó retornarás!”, Sempre me parecia, que aqueles que então ouviam a dura admoestação não eram os que tinham passado na folia o tríduo momesco.

Convido a fazer Saramago imortal e visitar algo de suas muito severas e ‘ex-comungadas’ ideias numa seleção do jornalista Carlos Pompe. Neste texto, meus votos de uma quarta-feira de cinza e que os exercícios quaresmais – para quem os fizer – sejam frutuosos.

O pensamento vivo de José Saramago Deixou de bater, dia 18 de junho de 2010, o coração do escritor, pensador, jornalista e político (filiado e, por um período, dirigente do Partido Comunista Português) José Saramago.

Grande leitor e admirador da obra de Karl Marx, atuava também como um militante ateísta, combatendo o pensamento religioso. Perseguido pelo governo português e pela Igreja Católica, criticado por sionistas e obscurantistas de toda a sorte, dizia ter a “pele dura” para aguentar – e responder – os ataques que sofria. Um pouco de seu pensamento:

"Eu sou um comunista hormonal, meu corpo contém hormônios que fazem crescer minha barba e outros que me tornam um comunista. Mudar, para quê? Eu ficaria envergonhado, eu não quero me tornar outra pessoa". (ao repórter da BBC Alfonso Daniels, junho de 2009).

“Você sabe, eu nunca escondi minhas convicções. Sou comunista e por isso sou tratado como inimigo da democracia. Pelo contrário, eu quero é salvar a democracia e para isso é preciso criticar esse simulacro de democracia em que vivemos. As democracias ocidentais são fachadas políticas do poder econômico. Fachadas com cores, bandeiras, discursos intermináveis sobre a democracia.” “Foi o poder econômico que enfiou nas consciências que o mercado deve agir de mãos livres e, assim fazendo, levou à conclusão de que o pleno emprego é um obstáculo”. (entrevista a Didier Jacob, Le Nouvel Observateur, novembro de 2006)

"Que Ratzinger tenha a coragem de invocar Deus para reforçar seu neomedievalismo universal, um Deus que ele jamais viu, com o qual nunca se sentou para tomar um café, mostra apenas o absoluto cinismo intelectual desta pessoa."

“Deus não existe fora da cabeça das pessoas que nele creem. Pessoalmente, não tenho nenhuma conta a ajustar com uma entidade que durante a eternidade anterior ao aparecimento do universo nada tinha feito (pelo menos não consta) e que depois decidiu sumir-se não se sabe para onde. O cérebro humano é um grande criador de absurdos. E Deus é o maior deles”.

“Caim (sua última publicação) é um livro escrito contra toda e qualquer religião. Ao longo da História, as religiões, todas elas, sem exceção, fizeram à humanidade mais mal que bem. Todos o sabemos, mas não extraímos daí a conclusão óbvia: acabar com elas. Não será possível, mas ao menos tentêmo-lo. Pela análise, pela crítica implacável. A liberdade do ser humano assim o exige”.

(entrevista a Ubiratan Brasil, O Estado de São Paulo, outubro de 2009)
“O poder de cada um de nós limita-se na esfera política a tirar um governo de que não gosta e colocar outro de que talvez venha a gostar. Mas as grandes decisões são tomadas em outra esfera. E todos sabemos qual é: as grandes relações financeiras internacionais.” (Folha de S. Paulo, 2008)

"Estamos afundados na merda do mundo e não se pode ser otimista. O otimista, ou é estúpido, ou insensível ou milionário". (dezembro de 2008, na apresentação em Madri de "As pequenas memórias").

“Hoje, existe uma espécie de menosprezo por essa coisa tão simples que antes era falar com propriedade. Quando eu era trabalhador, sempre tinhas as ferramentas limpas e em bom estado. Não conheço uma ferramenta mais rica e capaz que o idioma. E isso significa que se deve ser elegante na dicção. Falar bem é um sinal de pensar bem”. (entrevista coletiva no lançamento do As pequenas memórias, 2006)

“Uma vez que foi dito e do dito se fez escrito para valer e dar fé”. (História do cerco de Lisboa, 1989)

“... cada um de nós é, acima de tudo, filho das suas obras, daquilo que vai fazendo durante o tempo que cá anda”. (Crônica Retrato de antepassados, in Os apontamentos, 1976)

“... aos jornais e demais meios de comunicação sociais pela facilidade com que passam dos aplausos do capitólio às precipitações da rocha tarpeia, como se eles não fossem uma parte activa na preparação do desastre”. (Ensaio sobre a lucidez, 2004)

“Eu digo de outra maneira aquilo que a minha avó disse, já devia estar farta de viver, e disse: o mundo é tão bonito e eu tenho tanta pena de morrer”. (frase dita ao cineasta Fernando Meirelles, que adaptou “Ensaio sobre a cegueira” para o cinema)

Fonte: www.vermelho.org.br Vermelho é uma página mantida e gerida pela Associação Vermelho, entidade sem fins lucrativos, em convênio com o Partido Comunista do Brasil - PCdoB.

4 comentários:

  1. Grande José Saramago, mestre da literatura, li dele a obra mestre ensaio sobre a cegueira e fiquei de ler intermitências da morte, mas mesmo assim não conhecia a posição dele como comunista e ateu, o que me alegra ver uma autarquia intelectual tão grande nesse movimento, mas como aquele excelente texto sobre anorexia que acaba por envolver o controle das massas e autoflagelação, as pessoas precisam de religião tanto quanto aquele churraquinho com cerveja, passo aqui para deixar minha opinião grande mestre brasileiro, e meus préstimos a todos após essa semana curtissima pós-carnaval de saude e felicidade.

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  2. Muito estimado Waals
    ~~lamento não ter teu endereço eletrônico pra receberes este comentário~~
    talvez o que mais tenha lamentado quando da morte de Saramago, não foi o escritor que perdemos (ele é imortal no legado literário), mas o pensador corajoso que dizia o que gostaríamos de ter estofo e autoridade para dizer. Foi um pouco a tua, a minha e a voz de muitos que foi silenciada.
    Encantou-me colocares no mesmo balde algumas das necessidades de certos humanos.
    Obrigado pelo prestígio que dás a este blogue.
    É um privilégio telo como leitor.
    attico chassot

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  3. Boa noite, Professor.

    será que o senhor podia escrever algumas linhas sobre este período que inicia, relacionando a festa dos judeus e dos cristãos?

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  4. Querida Marília,
    bela sugestão a tua. A coincidência das celebrações de duas das três religiões abraâmicas se dará pela Pessach/Páscoa. Vou fazer isso, então.
    Tenho para os próximos três dias (sexta-feira, sábado e domingo) algo sobre o 50tenário que se avizinha.
    Uma boa noite com afagos do
    attico chassot

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