Ano 6 | PORTO ALEGRE | Edição 1895 |
Uma terça-feira que sabe a véspera de feriado. Já imagino como esta noite, nas aulas de Conhecimento, Linguagem e Ação Educativa os alunos estarão mais predispostos a saírem mais cedo do que se manter em sala até às 22h50min. Conforta-me que tenha uma oportuna discussão preparada para as duas turmas de hoje.
A chamada que está no cabeçalho “Tudo muda ao redor do que se conserva” – que parece evocar a lei de Lavoisier: “Na natureza nada se cria, tudo se transforma” – retirei-a do caderno Nosso Mundo Sustentável (que Zero Hora publica às segundas-feiras) de ontem.
À primeira vista, pode parecer um tanto complexo entender as teorias do biólogo Humberto Maturana e de sua parceira, a epistemóloga Ximena Dávila. E foi exatamente para aproximar os estudos dos autores da Biologia do Conhecer e da Biologia do Amar, que o Nosso Mundo Sustentável buscou “traduzir” termos difíceis na entrevista exclusiva que eles concederam desde o Chile. Pareceu-me oportuno oferecer aos meus leitores esta entrevista, até porque Maturana está no topo de discussões transdisciplinares.
Os dois estudiosos desembarcam em Porto Alegre no início desta semana para o seminário As Emoções nas Organizações, promovido pelo Instituto de Estudos em Gestão Empresarial (Iege) de 13 a 15 de outubro. O básico que se pode tirar dos ensinamentos de Ximena e Maturana é que conhecer é viver. Confira trechos da entrevista:
Nosso Mundo Sustentável – O distanciamento entre homem e natureza dificulta a sensibilização com o ambiente?
Ximena Dávila e Humberto Maturana – Definitivamente, sim. Agora, a pergunta é: como e quando surge esse distanciamento com o ambiente? Desde o momento em que a industrialização se transforma na forma central de trabalho. A humanidade visa o progresso, que vem de mãos dadas com a massificação de produtos, e deixa de ver e sentir o ambiente como parte fundamental da coexistência. Assim, foi-se deixando de lado o cuidado com o entorno, que é a fonte de energia que faz possível a nossa existência. Hoje nos encontramos em um período de incertezas, começamos a abandonar nossas verdades tradicionais e a nos encontrar com nossa responsabilidade de gerar um ser humano que nos distancia cada vez mais de nossa condição amorosa entre as pessoas e com a natureza.
Nosso Mundo – Como a cidade se torna parte da natureza para quem vive nela? Como o homem que vive na cidade se difere do que vive no campo? Algum está em vantagem sobre o outro?
Ximena e Maturana – As cidades são o nosso mundo natural porque nascemos nelas e fomos nos transformando com elas. Escutamos com frequência: “a cidade me atrai por ser cosmopolita, por sua rapidez, seu ritmo, pelas oportunidades que oferece” ou “esta cidade é inabitável, demoro duas horas para chegar em casa, me cansa, me esgota”. Essas duas afirmações nos mostram duas formas de viver. Uma dinâmica na qual a pressa da cidade seduz e outra em que atrapalha. Se fazemos uma distinção da vida que uma pessoa vive no campo, escutamos: “é mais relaxada, está em conexão com a terra, não é tão atribulada, é mais livre” ou “ é muito parada, me aborrece, só é boa para as férias”. Cada lugar onde vivemos tem ritmos e formas onde as pessoas se relacionam de maneiras muito diferentes, não é melhor ou pior viver na cidade ou no campo. A minha qualidade de vida sempre dependerá do que eu quero conservar em meu modo de viver.
Nosso Mundo – Existe, hoje, uma redução significativa na convivência entre as pessoas em seus bairros e comunidades. Como retomar essa convivência? Qual a relevância dela para o desenvolvimento da sociedade?
Ximena e Maturana – Claro que existe uma redução preocupante da convivência entre as pessoas e os seus bairros. O nosso modo de viver e conviver em família mudou. Um terceiro integrante, que é a tecnologia, entrou no jogo, a TV está muito mais dinâmica do que antes, a internet é um mundo aberto, há os celulares etc. Eles passaram a fazer parte da dinâmica familiar e são legitimados por ela. Se queremos um desenvolvimento social harmônico, é preciso incorporar o mundo tecnológico sem deixar de lado o encontro de indivíduos, o que sentimos uns pelos outros, saber que nos escutarmos e nos abraçarmos são parte fundamental do bem-estar e da conservação evolutiva da nossa identidade humano-amorosa.
Nosso Mundo – Vocês afirmam que o que importa não é o que queremos mudar, mas o que queremos conservar. Estamos agindo com o foco errado para tentar conservar o planeta como ele é?
Ximena e Maturana – Tudo muda ao redor do que se conserva e precisamos entender que somos responsáveis em relação ao que desejamos conservar. Hoje, o planeta não é como desejaríamos que fosse, pois nós mesmos colaboramos para a sua deterioração. O pensar e o conversar sobre o que queremos conservar nos leva a buscar uma ação adequada para manter o que nos resta do planeta. Se não temos uma ação adequada onde vivemos, o planeta continuará se deteriorando, pois coisas que vemos hoje, como o aquecimento global, a escassez de água, a morte de seres humanos por fome e a morte de espécies são consequências de uma longa história de cegueira sobre nossa forma de viver.
Eu adito: realmente a cidade é nosso mundo natural, hoje. Mas, provavelmente não foi para os avós ou os bisavós da maioria dos leitores deste blogue. Nossos ancestrais não sabiam o que era imobilidade urbana, talvez o mais angustiante estressantes dos dias atuais. A internet, que deu a variável tempo uma dimensão oposta da imobilidade urbana (nela o tempo dá passadas de cágado enquanto naquela o tempo voa) também não existia em antanho. Logo, estamos em tempo de adaptação.
Depois destas reflexões, o bom é convidar a cada uma e cada um curtir o feriado que advém, mas primeiro viver plenamente a terça-feira.
Caro Chassot!
ResponderExcluirTenho dúvidas de que um dia consigamos modificar nosso comportamento em relaçao ao futuro de nosso Planeta. Sou deveras pessimista em relação a essa mudança. O ser humano possui uma lógica perversa do crescimento contínuo, cujo doutrinamento parece estar tão impregnado que creio impossível reverter. E como dizem Ximena e Maturana: "Tudo isso que aí se vê são consequencias de uma longa historia de cegueira sobre nossa forma de viver". É isso mesmo, estamos totalmente cegos em relação ao que nos reserva o futuro, caso persistamos neste comportamento egoísta e megalomaníaco. JB
Meu caro Jairo,
ResponderExcluirprimeiro celebro teu comentário na madrugada. O Planeta sofre a ação daqueles que desperdiçam. Tu mostraste isso na tua dissertação. Sabemos onde está o furo. Agora tu, eu e muitos outros estamos tentando consertar isso. Vamos conseguir, Isso é também uma das razões de nossas blogares,
Estamos em tempo de adaptação. A internet, que deu a variável tempo uma dimensão oposta a da imobilidade urbana (nela o tempo dá passadas de cágado enquanto naquela o tempo voa) também não existia em antanho
Com renovadas expectativas,
attico chassot
Caro Chassot,
ResponderExcluirEm adição ao que está sendo discutido, acrescento que o homem urbano não "escolheu" a vida na cidade, a própria sociedade como está estruturada foçou a urbanização de modo que, para nós, não há opção, somos obrigados a viver em cidades. Dou exemplos: Tua vida profissional teria sido possível com você vivendo nos cafundós do Rio Grande do Sul? Será que eu teria uma profissão de aeronauta sem ter saído de Palmeira, cidade rural do interior do Paraná? Pois é, me parece que esses dois exemplos ilustram bem o fato que a civilização nos "empurra" para as cidades. Gostaria que fosse diferente, mas não é. Abraços e bom feriado, JAIR.
Meu caro Jair,
ResponderExcluirrealmente a tua Palmeira nem se compara com Cafundó onde nas, hoje transformada em vila quase assombrada. Não podemos negar tu e eu que as cidades, ou melhor, as capitais acolheram bem os guris que nelas se aquerenciaram. Mas falta ainda a terra para pisar. Não é semrazão que tenho jardins suspensos no oitavo andar. Meu ser rurícola se reabastece ali. As tuas orquídea passaram a florir na selva de pedra (e ainda ontem mostraste a rudeza da outra selva) para matar saudades da tua Palmeira.
Obrigado pelo prestígio e um convite para ver porque amanhã é feriado.
attico chassot
Caro Chassot,
ResponderExcluira tua aula de hoje, sobre “Tudo muda ao redor do que se conserva” faz-me lembrar antigos filósofos às voltas com a mutação/permanência do ser. Um bom diálogo entre Heráclito e Heidegger, se isso fosse possível.
Um abraço,
Garin
Muito estimado colega Garin,
ResponderExcluirmais tardiamente, mas com alegria., agradeço teu pertinente comentário.
attico chassot
Caro Mestre Chassot
ResponderExcluirComplementando a tudo que já foi dito, penso que as cidades são feitas por homens e refletem problemas construidos por homens, a sustentabilidade esta desde a utilização dos recursos naturais, bem como a convivencia social inclusiva no mundo urbano.
Atualmente, 50% da população vive nas cidades, e até 2050, seremos mais de 75%, esta evidente que os problemas serão maiores.
É necessário mudança de habitos urgentemente, ou o sistema entrara em colapso, nossa cultura de consumo esta nos levando ao uso ilimitado de recursos naturais limitados.
Forte abraço.
Meu muito estimado Adão,
ResponderExcluirdepois de teu curtido avonar com filosofares no feriado com teu neto, aditas aqui um sábio alerta: ‘cuidados com as cidades’. Obrigado pela tua presença aqui, sempre enriquecendo as edições que visitas.
Com admiração e saudade do tempo que nossas aulas nos unia.
attico chassot