Ano 6 | PORTO ALEGRE | Edição 1886 |
Estou uma vez mais na Morada dos Afagos, depois de quase oito horas de deixar o hotel, carinhosamente levado ao aeroporto pelos colegas Miriam e Rodnei. Um retorno de uma ‘longa’ ausência e já preparando uma bi-viagem nesta semana envolvendo ficar de quarta-feira a domingo fora. Primeiro um registro acerca do retorno. Tínhamos três hipótese #1) voltar no voo da Gelsa, mais rápido, pois sem troca de aeronave; #2) no meu voo, mais extenso com transbordo em Guarulhos: #3) viajarmos separados. Com torcidas, conseguimos a hipótese dois.
Nestes dois dias letivos em Porto Alegre tenho esperados reencontros hoje o que é o xodó dentre os meus fazeres acadêmicos: a aula na Universidade do Adulto Maior. Amanhã, as aulas com as turmas de Conhecimento, Linguagem e Ação Educativa para as quais tenho um bem bolado trabalho.
Ao chegar à porta se acumulavam jornais. Dediquei-me com prazer a reinserir-me nas notícias e artigos em suporte papel. O artigo Quando a vida não termina, de José J. Camargo, cirurgião e membro titular da Academia Nacional de Medicina, publicado na p. 2, do caderno Vida de Zero Hora, no sábado dia 01 de outubro, pareceu-me oportuno para repartir com meus leitores, na abertura do primeiro ‘dia útil de outubro. Ele, por sua densa profundidade, diz também: “uma segunda-feira a cada uma e cada um!”.
Ortotanásia: (orto- + [eu]tanásia) s. f. Morte natural e sem sofrimento.
Quando a vida não termina Treinados a lutar pela vida, parece que fomos perdendo a naturalidade do convívio com a morte, a ponto de prorrogá-la sem sentido, e às vezes, claramente, sem compaixão. As escolas médicas nos ensinam a usar toda a tecnologia moderna para sustentar um fiapo miserável de sobrevivência, mesmo que depois desse embate não haja no horizonte nenhum resquício de vida digna.
E os leigos, impressionados com os relatos dos milagres da sofisticada terapia intensiva, pressionam os médicos inexperientes a transferiram os seus familiares para a UTI como se esse fosse um lugar para se morrer. E mais do que isso, consideram que a morte fora dela, é sinônimo de subatendimento médico, com direito à culpa no futuro.
No desespero pela iminência da perda, ignoram que muitas vezes a supressão de tratamentos fúteis, a chamada ortotanásia, é apenas um gesto final de profunda generosidade. A disciplina de cuidados paliativos, ainda carente na maioria das nossas faculdades de Medicina, deve nos fazer compreender os limites entre o que é possível e o que é razoável.
Muitas vezes, diante do sofrimento sem sentido, simplesmente não sabemos o que fazer. Ouvir a família, nesses casos, pode ser a melhor solução. O Armando agonizava de sua fibrose pulmonar, e anunciei que pretendíamos sedá-lo para que não sofresse nos instantes finais. Mariana, sua companheira de 55 anos, me pediu que não, porque eles tinham muito que conversar.
Quando deixei o quarto, eles estavam de mãos dadas e ele me sorriu agradecido. Voltei ao amanhecer, e ele acabara de morrer. Ainda segurando aquela mão enrugada, com uma serenidade pungente, ela me agradeceu:
– Ele me disse coisas tão lindas! Obrigado, doutor, por ter nos dado a segunda melhor noite das nossas vidas! E a melhor parte dele vai continuar viva em mim.
Ficamos abraçados por um tempo e comprimido contra o peito era possível sentir a delicadeza do palpitar daquele coração, de paredes tão finas, que quase permitia ouvir do outro lado. Compungido, saí para o corredor, arrasado pela perda, mas com um pouco de inveja de quem se fizera amar tanto, e por tanto tempo.
Caro Chassot,
ResponderExcluirBelíssima história com "final feliz" como deviam ser histórias de amor. Aqui em casa estão todos avisados que não pretendo tornar-me um vegetal, ou seja, se for desenganado e me encontrar na UTI, não desejo o prolongamento artificial da minha vida. Grosso modo, podem desligar os tubos. Abraços, bem vindo ao sul e boa semana, JAIR.
Caro Chassot,
ResponderExcluiresse é um tema cada vez mais atual na ética. As opiniões se dividem porque sempre há quem torça pelo outro lado, como se fosse uma descarga de consciência. Ainda é necessário considerar os interesses empresariais de clínicas e hospitais. De qualquer forma, esse é um assunto atual que a sociedade precisa se debruçar com maior dedicação.
Um abraço,
Garin
Mestre, uma questão muito delicada.
ResponderExcluirA ciência cria meios que permitem manter as funções orgânicas mesmo quando a natureza não o faria.
Quando interferimos demais no curso natural das coisas, podemos ficar neste dilema: para que prolongar o sofrimento de alguém sem nenhuma perspectiva aparente de sobrevivência?
E para que manter um corpo funcionando quando a possibilidade de recobrar a consciência parece nula?
Só para depois podermos dizer a nós mesmos que "fizemos tudo"?
O problema é que, na maioria destes casos, o paciente já não pode se manifestar, ou não lhe dão ouvidos...
A saída é deixar essas coisas claras enquanto são e lúcido, como fez o Jair...
Boa noite!
Muito estimado Jair,
ResponderExcluirdisseste certo: devemos deixar explicito nossos desejos enquanto plenamente lúcidos. Meu desejo está expresso aos meus, mas talvez devêssemos de maneira mais ‘oficial’,
O temo é momentoso e ganha outra dimensão depois das ‘máfias das UTI,”
Obrigado por tua participação,
attico chassot
Meu caro colega Garin,
ResponderExcluirimagino que este é um tema muito presente em tuas aulas de Ética. Nossos antepassados não tinham estes problemas. Morria-se, naturalmente, em casa e não se estendia ‘mercantilmente’ a Vida.
Obrigado por trazeres tua opinião ao assunto,
attico chassot
Muito estimado Leonel,
ResponderExcluirtua afirmação “A ciência cria meios que permitem manter as funções orgânicas mesmo quando a natureza não o faria” é preambular a qualquer discussão. Aceita tua tese, a estender a Vida é violar a natureza.
Aquilo que escrevi ao Garin, que nossos avós não tinham este problema, pois a vida não era mercadoria, para gerar lucro a operadores da morte, está descrito na tua afirmação.
Concordo que a proposta do Jair (que recebe cópia por ser citado) devia ser transformado em norma: saibam todos que eu, fulano de tal, em pleno gozo de minha saúde mental, não desejo ter prolongado, anti-naturalmente, minha vida.
Obrigado por estares aqui,
com estima
attico chassot