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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

24* Partindo para Copenhagen de Niels Bohr

Ålborg Ano 4 # 1301

Temperatura –14ºC

A meteorologia informa que a temperatura em Ålborg é 14 graus abaixo de zero. Estamos deixando o cálido apartamento, ainda noite escura, para tomar um ônibus e ir ao aeroporto. Viajamos esta manhã à Copenhagen, onde está –4ºC . Todo aquele que tenha estudado algo de Química certamente, ao falar de teoria atômica, evoca Niels Bohr. Pois esse blogue é postado quando estou quase partindo para a cidade onde ele nasceu e morreu e nela teve relevância enquanto um dos cientistas mais importantes do século 20.

Assim a edição de hoje é em homenagem a Niels Henrick David Bohr (7 de outubro de 1885 – 18 de novembro de 1962) cujos trabalhos contribuíram decisivamente para a compreensão da estrutura atômica e da física quântica.

Minha homenagem não se pautará na trazida da biografia do eminente cientista, pois relatos de sua vida e seus feitos estão disponíveis, por exemplo, na Wikipédia. Também não tenho condições de trazer aqui comentários de um excelente livro que possuo com cartas que Niels Bohr escreveu para sua noiva enquanto trabalhava com Rutherford. Bohr está na nota de 500 coroas dinamarquesas (cerca de 200 reais) no verso ‘Cavaleiro lutando contra um dragão de Lihme Church’, as demais notas são de 50 DKK, 100 DKK, 200 DKK e 1000 DKK.

Trago hoje, tocado pelo nome da cidade onde estarei quando meus leitores acessarão este blogue comentários acerca da peça Copenhagen, que assisti duas vezes. Em 25 de setembro de 2002, registrei em meu diário: “vi ao mesmo tempo uma das melhores aulas de História e Filosofia da Ciência e de Didática. Ratifiquei isso em 17 de maio de 2005, ao assistir, pela segunda vez a peça na Unisinos, durante o Simpósio Internacional Terra Habitável: um desafio para Humanidade.

A peça Copenhagen trata de momento histórico altamente discutível e do qual pouco se sabe, amealhei algumas informações que reparto aqui. A estreia foi Londres, em 1998. Seu autor é o dramaturgo (também repórter e tradutor) Michael Frayn (Londres, 1933), detentor de muitos prêmios recebido por uma longa lista de produções, especialmente para teatro.

Sem tirar nada do suspense e até da trama envolvente do texto Copenhagen, vale olharmos um pouco o cenário para onde somos transportados pela magia do teatro. Viveremos, então em 1941, em meio aos momentos mais dramáticos da guerra que iniciara em 1939 e ainda se estenderia até 1945. Estamos em Copenhagen, capital da Dinamarca, ocupada pelos nazistas, situação igual à parte significativa de uma Europa dilacerada. As atrocidades bélicas intestinas que hoje vemos em alguns dolorosos conflitos de nossos dias, eram barbarizadas então, com batalhas de nações contra nações.

Em Copenhagen vamos nos encontrar com apenas três personagens, que tiveram histórias excepcionais: o dinamarquês Niels Bohr e o alemão Werner Heisenberg (1901-1976), dois dos maiores físicos do século 20. O primeiro recebeu Prêmio Nobel de Física em 1922, "por seu trabalho na investigação da estrutura do átomo e das radiações emanadas a partir dele" e o segundo, o premio Nobel de Física em 1932 "pela criação da mecânica quântica, e a aplicação da mesma, que entre outras descobertas, levaram a identificação de formas alotrópicas do hidrogênio" Mas há uma terceira personagem: está em cena, com muito destaque Margarethe Bohr (1890-1984), esposa de Niels, numa trama de idas e vindas que passa em revista as diferentes hipóteses (inclusive a do próprio Michael Frayn), sem a pretensão de determinar a suposta versão 'verdadeira' do encontro histórico dos dois eminentes físicos.

Abro um parêntesis para acrescentar que Margarethe Norlund, filha de um farmacêutico, nasceu em uma pequena cidade distante menos de 100km de Copenhague. Casou com Niels em 1912. Enquanto ele trabalhava na Inglaterra houve trocas de lindas cartas entre ambos, onde ele dava detalhes de seus trabalhos que desenvolvia em Cambridge com Rutherford. O casal teve seis filhos, o quarto, Aage Bohr, nasceu no ano que seu pai foi laureado com Nobel de Física, recebeu o mesmo Prêmio que o pai em 1975. Margareth foi, por muitos anos, assistente de Niels, não apenas datilografando seus textos, mas segundo reconhecimento dele e dos filhos, inspiradora de muitas de suas idéias científicas. Niels, mesmo batizado cristão, quando da ocupação nazista na Dinamarca, teve sérios problemas, pois era filho de mãe judia. Em 1943, com recrudescimento das perseguições da Gestapo, a família Bohr fugiu para Suécia.

Bohr e Heisenberg foram, em outros tempos, antigos colaboradores - o físico alemão trabalhara em Copenhagen sob orientação de Bohr nos anos 1920 - mas agora separados pelas circunstâncias estão em lados opostos do conflito, porém com um envolvimento comum: a bomba atômica, que daria ao lado que a detivesse a cartada macabra para vencer a guerra. Heisenberg estava encarregado de desenvolver a bomba atômica alemã; Bohr contribuiu para a confecção da bomba estadunidense, que destruiria, em 1945, as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki e determinaria a rendição do Japão e término da 2ª Guerra Mundial.

Quais as razões pelas quais Heisenberg procura seu antigo professor para um jantar que acompanhamos intrigado durante as 2,5 horas de espetáculo? Essa pergunta sem resposta é o pivô da peça e é sobre ela que surgem as especulações que envolvem a História da Ciência, a Filosofia da Ciência permeadas por profundas discussões éticas. Aqui é preciso dizer que, com primorosos recursos cênicos, a peça se inicia numa evocação de quando os três personagens estão mortos e se encontram numa bonita quase coreografia vinda do além e comentam as conseqüências das bombas atômicas na história da humanidade.

Esta é a dimensão que ainda hoje traz atualidade as discussões e com razão se faz presente quando se busca fazer uma oposição ao presenteísmo {vinculação exclusiva ao presente, sem enraizamento com o passado e sem perspectivas com o futuro} e ao cientificismo {crença exagerada no poder da Ciência e/ou atribuição à mesma de fazeres apenas benéficos}, ainda tão marcadamente presente nos dias atuais, especialmente em nossas salas de aula, inclusive nas Universidades.

Algumas hipóteses podem ser levantadas sobre o encontro: Heisenberg pretendia extrair de Bohr segredos do programa nuclear dos aliados? Teria ido alertá-lo para o projeto de Hitler de fabricar a bomba? Teria ido se aconselhar com ele? Ou foi a Copenhague para sondar o grau de desenvolvimento do projeto nuclear dos aliados (que começou em 1942)? Será que foi tentar roubar segredos de seu antigo orientador para adiantar a construção da bomba para Hitler? Ou será que foi propor um pacto de paz, onde os cientistas nazistas e aliados se recusariam a construir armas de genocídio?

Michael Frayn traz para o jantar discussões acerca das contribuições dos dois físicos, que são aquelas pelas quais um e outro foram laureados com o Nobel de Física. Bohr a partir da proposta de seu Professor Ernst Rutherford (1871-1937), Prêmio Nobel de Química 1908, de um átomo nuclear define que os elétrons poderiam girar em torno do núcleo em órbitas predeterminadas, e emitiriam ou absorveriam quantidades discretas de energia (quanta). A contribuição de Heisenberg pode ser considerada uma complementação com formulação do princípio da incerteza, segundo o qual seria impossível medir com exatidão a posição e a velocidade de um elétron simultaneamente. É indiscutível que os dois mudaram a Ciência do Século 20. Aqui vale um alerta: essas concepções são trazidas com tal abundância de metáforas que um leigo em física participa da ágape com um saborear especial, catalisado pelas intervenções de quase ardilosas de Margareth. Ela medeia as réplicas e as tréplicas dos dois físicos, tornando os diálogos fascinantes.

É em uma mirada à Ciência como Copenhagen desencadeia que ressurge a continuada discussão acerca de ser a Ciência boa ou má. Primeiro vale repetir que Ciência não um ente. São os homens e as mulheres que fazem Ciência que tem ações que são boas ou são más. Permitam-me uma simplificação. Uma faca sobre o mesmo corpo pode matar ou salvar a vida. Depende de quem a usa.

Oxalá que as discussões que catalisam espetáculos como Copenhagen - nessa associação entre Arte e Ciência, que em muitos momentos pode ser quase simbiôntica - sirvam para que ajudemos o Golem – que parece ser a Ciência – a ser menos tolo e colaborar para que ao fazermos Ciência, o façamos para transformar o mundo para melhor.

Com votos que amanhã possamos nos ler desde a Copenhagen de Bohr, que há muito povoa meu imaginário. Uma muito boa quarta-feira a cada uma e cada um.

4 comentários:

  1. Olá, caríssimo Chassot.

    Creio que já te encontras em Copenhagen.
    Deu-me arrepios ler teu texto sobre a citada peça. Certamente, esse jantar guarda um dos maiores mistérios da história da ciência, do qual tenho a crença de que Heisenberg foi informar Bohr dos planos dos alemães em relação à construção de um artefato nuclear e em relação ao próprio Bohr, que foge em seguida para a Inglaterra (provavelmente avisado por Heisenberg sobre sua procura pelos nazistas) e, de lá, para os Estados Unidos, onde convence cientistas estaduinidenses sobre o projeto alemão e posteriormente se cria o projeto Manhattan.

    Um forte abraço para espantar um pouco o frio da região,

    PAULO MARCELO

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  2. Meu caríssimo Paulo Marcelo,
    estou chegando em Copenhagen marcado pela emoção de estar na cidade/cenário onde ocorreu o jantar que te/me/nos arrepiou.
    Pouco tenho ainda para contar. É muito frio. Viemos de trem do aeroporto. Nosso hotel é muito próximo a CentralStation. Hoje eu muitos habitantes de Aalborg batemos recordes de temperatura.. A recepcionista da Cia. Área disse que ela chegou pela manhã ao aeroporto com -19,5º C.
    Obrigado por teu douto comentário,
    attico chassot

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  3. Mestre Chassot, sou um apreciador do teatro e da dramaturgia, mas confesso que desconhecia a peça Copenhagen. Pelo seu relato, parece-me ser algo maravilhoso, pois une três coisas das quais em gosto muito: história, teatro e ciência.

    Espero ter a oportunidade de assisitr esse peça um dia, quem sabe ao seu lado, para "trocarmos figurinhas" acerca dos acontecimentos históricos e científicos retratados nela.

    Ótimo dia.

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  4. Prezadíssimo Marcos,
    é muito pertinente teu comentário. Não foi sem razão que acerca desta peça tenha escrito em meu diário na primeira vez que assisti: “vi ao mesmo tempo uma das melhores aulas de História e Filosofia da Ciência e de Didática”. Aquilo que trazes acerca de teu gosto cênico “Copenhagen” realmente contém. A expectativa de trocarmos figurinha sobre qual das hipóteses permeou na memorável janta me é agradável.
    Desde a linda Copenhagen a admiração do
    attico chassot

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