02* Uma festa mariana com tradição milenar.

Porto Alegre Ano 4 # 1279

Fevereiro estreou com uma tarde de sensação térmica de 44ºC em Porto Alegre. No entardecer de ontem a Gelsa e fomos ver Avatar. Estávamos indecisos no ficarmos quase

três horas viajando em Pandora. À tarde, assistimos uma entrevista de James Cameron a Oprah Winfrey que foi decisiva. Não sei como sintetizar. A palavra ‘fantástico’ seja a mais expressiva. Lembra um pouco aqueles filmes de faroeste onde os colonos tinham espingardas de tiros intermináveis e os índios, flechas que nunca acabavam. Aliás, se o filme durasse a metade seria de bom tamanho. Na luta entre Davi e Golias é sempre bom torcer para os mais fracos e vê-los vencer. Não sei se recomendo. Mas, não dão para não ver. Só a terceira dimensão já faz o espetáculo. Acredito que tenha aprendido amar mais as árvores no estando em Pandora. À noite, até para voltar ao mundo real, assistimos no Roda Viva ao intelectual Frances Robert Castels. Recordamos quando o assistimos em conferência em Madrid em 2002.

Agora, vou mudar completamente de registro. Este dois de fevereiro é feriado municipal em Porto Alegre e também em vários municípios brasileiros com diferentes homenagens. Aqui a invocação é Nossa Senhora dos Navegantes, uma devoção centenária, considerada como do patrimônio imaterial da Cidade. No imaginário popular a data está ligada a festa das melancias. Há também culto à Iemanjá e seu sincretismo afro-brasileiro, tido como invasor pela religião hegemônica.

Hoje ocorre a 135ª edição. Originalmente constava de uma procissão fluvial, com embarcações que singravam o Rio Guaíba desde o cais do porto, levando a imagem da santa do centro da cidade até a Igreja que é dedicada à santa. Hoje, por determinação impeditiva da Capitania dos Portos, a procissão é terrestre, levando a imagem desde a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, no centro da cidade, até a igreja no bairro que também a homenageia: Navegantes,

Não me cabe discutir valores religiosos da festa, até porque não sou competente para tal. Mas está é uma data plena de significados históricos. Está merece algumas considerações para quem procura entender a história das religiões.

É celebração litúrgica da Apresentação de Jesus / Purificação da Virgem, originou a festa de

Nossa Senhora da Purificação. Vale considerar a data. Hoje é o 40º dia depois do natal. Cumpre-se a quarentena. De acordo com a tradição mosaica, as parturientes, após darem à luz, ficavam impuras, devendo inibir-se de visitar ao Templo até quarenta dias após o parto; nessa data, deviam comparecer diante do sumo-sacerdote no templo, a fim de oferecer o seu sacrifício (um cordeiro e duas pombas ou duas rolas) e assim purificar-se. Desta forma, José e Maria apresentaram-se diante de Simeão para cumprir o seu dever, e este, depois de lhes ter revelado maravilhas acerca do filho que ali lhe traziam, teria-lhes dito: «Agora, Senhor, deixa partir o vosso servo em paz, conforme a Vossa Palavra. Pois os meus olhos viram a Vossa salvação que preparastes diante dos olhos das nações: Luz para aclarar os gentios, e glória de Israel, vosso povo» (Lucas, 2, 29-33).

Do cântico de São Simeão (conhecido pelas suas primeiras palavras em latim: o Nunc dimittis), que promete que Jesus será a luz que irá aclarar os gentios, nasce o culto em torno de Nossa Senhora da Luz/das Candeias/da Candelária, cujas festas eram geralmente celebradas com uma procissão de velas.

Assim a origem da devoção à Senhora da Luz tem os seus começos na festa da apresentação do Menino Jesus no Templo e da purificação de Nossa Senhora, quarenta dias após o seu nascimento, portanto, no dia 2 de fevereiro.

Conto em A Ciência é Masculina (p. 68) algo que parece quase incrível: a tradição cristã incorporou da tradição judaica a idéia de que sangue que acompanhava o parto era considerado mais impuro que o sangue menstrual. Por isso Maria teve, como todas as mulheres que tivessem dado a luz, ir ao templo para purificação. Um exemplo de uma Igreja Cristã anti-sexual e machista é a definição do sínodo de Trier, em 1227, de que as novas mães deveriam se reconciliar com a Igreja e só poderiam freqüentar os templos depois dessa purificação. Chegou-se negar sepultura em cemitério cristão a mulheres que morressem em decorrência do parto, porque antes de morrer não foram purificadas. Em 1632, uma conferência eclesiástica na diocese de Ghent prescreveu que as mulheres que morressem no parto devessem ser enterradas em sigilo.

Tenho nítida lembrança de quando meu irmão José Maria (1948-1996) foi batizado – eu tinha então nove anos recém feitos – que minha mãe recebeu orações e bênçãos especiais para purificar-se das impurezas do parto.

Vibrando que muitos destes dolorosos preconceitos de mulheres tidas como impuras tenham sido superadas, desejo aos que moram em cidades que tenham a proteção de Maria, a Purificada, ou da benfazeja Iemanjá tenham um bom feriados e a todos uma excelente terça-feira. Amanhã aqui mais um ponto de leitura.