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sexta-feira, 24 de abril de 2015

24.- GARANTO QUE EU VI


ANO
 9
EDIÇÃO
 3032

Ontem foi dia 23 de abril / dia de São Jorge / dia de Shakespeare / dia de Cervantes / dia do Inca Garcilaso de la Vega (talvez, o primeiro escritor das Américas) / Dia de Jorge Bergoglio, dito Papa Francisco / Dia nacional do Chorinho / Dia de Pixinguinha e, muito especialmente, Dia internacional do Livro. Dentre as pluri-comemorações elejo para homenagear o livro. Faço isso com texto que segue.
Era um sábado. Não sei como estava lá fora. Estava num útero que mesmo sendo um conector para um espaço imenso se fecha quase em si mesmo. Meu mundo era o imponente aeroporto de Brasília. Ou, mais corretamente, o aeroporto internacional Juscelino Kubitschek. Ele engolia centenas de pessoas. A maioria parecia ser, como eu, passageiros em trânsito. Certamente, quase todos sequiosos por chegar a casa.
Eu já fizera 3 mil dos 5 mil programado para aquela madrugada+manhã. O dia de chegar a casa é no entardecer de sexta-feira. Assim, manhã de sábado não é momento de estar no aeroporto. Eu tinha ali um tempo quase igual às cinco horas de voo: Rio Branco / Brasília /Porto Alegre.
Tinha um largo e vagaroso tempo para olhar esse livro de antropologia que são pessoas fazendo tempo para prosseguir viagem. Como as pessoas faziam/matavam tempo? Um número expressivo, muito mais que a metade, operava smartphones. Li no jornal, no dia seguinte que “Os internautas brasileiros já gastam aproximadamente cinco horas por dia conectados na internet — a maioria desse tempo postando no Facebook, LinkedIn, Twitter, conversando no Whatsapp etc.” (Zero Hora, 19/abril/2015, p. 26).
Vi um casal, que pelas sacolas que portava, devia estar voltando do exterior. Ela e ele teclavam arritmicamente seus celulares, talvez avisando aos netos que já estavam no Brasil. Uma jovem teclava com frenesi com uma rapidez inenarrável (que inveja tenho da velocidade dos jovens ao teclar!) e fazia selfs, com jeito apaixonado e sedutor, certamente para preparar achegada aos braços do amado. Havia uma família (tipo propaganda de margarina: pai e mãe louros de porte atlético, com filhos, um rapaz e uma menina) cada um com seu smartphone. Tinha, mais afastadas de mim, duas moças que se beijavam com discrição e se fotografavam com seus celulares.
Havia ainda muito mais gente. Havia um senhor com jeito de padre, com uma grande cruz de couro em um colar, que lia, provavelmente a bíblia, num tablete. Havia uma meia dúzia de crianças que jogavam cada uma com seus tabletes.
Eis que de repente vejo algo esdrúxulo. Uma moça que parecia uma alienígena. Talvez, aguardasse um disco-voador, pois não parecia uma terráquea. O que a distinguia dos demais passageiros? Provavelmente, alguns não me crerão. A jovem, de cerca de 20 anos, lia um livro em suporte papel. Era um livro grosso, ela lia atentamente. Algo muito raro de ser ver nos dias atuais. Ela lia saborosamente. Ela tinha jeito de leitora contumaz.
Eu passara ter uma meta. Ver que livro esse exótico espécimen humano lia. Minha missão era fácil. Sem parecer indiscreto, pois em sua concentração não me aperceberia. Levantei-me para levar um papel de bala ao lixo. Vi que ela lia “O ladrão do fim do mundo”. Não sabia nada deste livro.
Volto ao meu canto, onde já passara 4/5 de meu tempo de Brasília. Tomo meu smartphone. Pergunto ao professor Google acerca do livro. Surpresa. O livro conta uma história que eu ouvira na tarde anterior na Biblioteca dos Povos da Floresta em Rio Branco. É a narrativa de como o inglês Henry Wickham, um homem comum e sem dinheiro, contrabandeou 70 mil sementes de seringueiras da Floresta Amazônica para a Inglaterra no século 19 foi o primeiro caso de biopirataria massiva na era moderna.
Vi que a exótica leitora de livro (de verdade) atende ao mesmo voo para o qual sou chamado. Só tenho uma torcida. Que ela sente ao meu lado para conversar sobre o ladrão de sementes. A primeira rodada deu certo. Ela está sentada no avião ao meu lado. Ensaio como ser simpático para manter uma conversa. Perdi. Minhas duas ou três perguntas são respondidas com muxoxos monossilábicos. Ela me trocou por um ladrão do fim do mundo.

7 comentários:

  1. Chassot,
    Além dessa alienação pelo bom e fiel livro suporte papel, ontem foi o dia dele e cometi até uma pequena homenagem na forma de soneto:

    Dia 23 de abril.

    Hoje o livro é saudado mundialmente
    Que sem dúvida esse objeto merece
    Nenhum artefato fez mais pela gente
    Então para ele elevamos uma prece.

    Viva o livro, tão pródigo, tão modesto
    Mesmo que existam outras maneiras
    De informar sobre conquistas e o resto.
    Esse que já foi cremado em fogueiras.

    Meios eletrônicos vieram para ficar
    Porém, livro continua na prateleira
    Pois algo jamais ocupará seu lugar.

    Então, tirem de seu livros a poeira
    Sente-se numa cadeira de espaldar
    Leiam-nos debaixo de uma figueira.

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    1. Muito estimado Jair,
      ~~ o poeta que cultua o livro ~~,
      encanta-me teu versejar acerca deste artefato cultural que até a fogueiras já foi levado.
      Vivo uma campanha de reeducação: ler mais em livros suporte papel.
      Agradecimentos por fazer-me distinguido ao tê-lo como leitor

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    2. Chassot,
      Quanto ao "Ladrão do fim do mundo" já o li e concordo que é um excelente livro. Abraços, JAIR.

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  2. Professor Attico Chassot,
    sempre com seu jeito único de nos tornar leitores. Neste momento, a leitura é realizada em um smartphone. Logo mais será em um livro (de verdade).]
    Obrigada, professor! Super bom dia!

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  3. Escrito ontem:

    Dia do livro

    Já deixei claro muitas vezes que gosto de livros e sou leitor apaixonado. Hoje quero, mais uma vez, fazer apologia da leitura e também lembrar que o livro é uma fórmula mágica de aprendizado, é um pacote compacto de saberes que alguém compilou e publicou. Fernando Sabino contava que ele e alguns amigos escritores, em uma reunião literária, fizeram as seguintes perguntas: O que vale a pena ser lido? Que livros devemos ler e quais não? Pois é, segundo ele, depois de muita discussão chegaram à conclusão que todos os livros devem ser lidos.
    Concordo plenamente com eles, livros bons ou ruins o mais das vezes são como gostar ou não gostar de certas comidas, por exemplo. Há quem goste de comer gafanhotos no oriente, há quem deteste peixe ou não goste de jaca como eu. Então como determinar o que é bom e o que é ruim? Não existe fórmula para gosto por comida nem definição de quando um livro é bom ou ruim, todos merecem ser lidos, uns em algum momento de nossas vidas, outros em outro momento. Livros que achávamos ótimos quando éramos crianças, hoje podem parecer verdadeiros xaropes. Livros que alguns gostam outros acham maçantes, enfadonhos, chatos, e por aí vai.
    Então como ficamos? Ficamos lendo, pois é a maneira mais fácil de aprender e é extremamente gratificante. Hoje é dia do livro, então leiamos!

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  4. Chassot
    Toda vez que trazes novidades literárias neste conteúdo, me colocas curioso da mesma forma que aqui contaste. Agora já estou a escarafunchar em conteudos PDF da rede para ver se miro pelo menos algum trecho do "Ladrão do Fim do Mundo". Tudo isso culpa tua, de nos instigar a leitura continuamente. Abraços do JB e um muito bom final de semana.

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  5. Esta é uma blogada de mestre: ensina, faz pensar e suscita divagações reflexivas. Primeiro, lembro de um ex professor na Filosofia que estava sempre a repetir uma de sua frases-expressões: "Sejam ratos de biblioteca". Segundo, fico pensando sobre a segunda imagem do texto e visualizo muitas clínicas de reabilitação para viciados em internet e...no futuro e agora (matéria já trabalhada aqui em 2013), assim como muitos Psicólogos e Psiquiatras trabalhando para que as pessoas e famílias façam o que faziam no passado: diálogo, conversa, prosa, bate papo face a face... Imagem semelhante já é rotina em muitíssimas salas de aula, principalmente no Ensino Médio e Superior. Ou não? Somos cegos ou não queremos ver?
    Grande abraço.

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