Porto Alegre Ano 5 # 1617
Porto Alegre Ano 5 # 1617
Hoje é dia de reis. Há culturas que a data marca o ápice das celebrações natalinas com a troca de presentes. No Rio Grande do Sul açoriano há as visitas do terno de reis.
Nas evocações da infância esta data tinha uma marca: desconstruía-se (dizíamos: desmanchava-se) o presépio e pinheiro. As ‘leivas’ (de grama) já estavam amarelecidas e o pinheiro murcho, mesmo que estivesse em uma lata com água onde se adicionava ‘melhoral’, pois se dizia que isso dava um incremento ao verdor da árvore. Não sei se funcionava. Mas depois do dia seis havia muitos pinheirinhos com graus de murchação diferentes depositados nas ruas. Poder-se-ia fazer uma pesquisa domiciliar para saber se receberam ou não acido acetilsalicílico.
A araucária que adorno aqui na Morada dos Afagos, já com quase 2 metros, originada de um pinhão posto a germinar quando a Maria Antônia – minha primeira neta – nasceu em julho de 1999. Hoje o advento de ‘árvores’ artificiais (muitas: made em China) diminuiu o abate de pinheiros naturais.
Está tarde participo da banca de defesa da dissertação: “A imagem corporal em pacientes com amputação bilateral dos membros inferiores" da fisioterapeuta Letícia Britto de Albuquerque, que é orientada pela Profa. Dra. Luciane Carniel Wagner e co-orientada pela Profa. Dra. Luciana Paiva. Participa ainda da banca Profa. Dra. Adriane Vieira, da UFRGS. Da simples leitura do título da dissertação se pode inferir a minha dificuldade em participar desta banca. Sempre vejo – em situação como esta – tendo que dar conta de trazer questionamentos elaborados em alguns dias acerca do que o que o mestrando (ou doutorando) estudaram em dois (ou quatro) anos. Tentarei dar conto do que me é exigido.
Prelibo, também, um almoço com meu colega Jairo Vieira Brasil. Ele ficou seduzido com a propaganda de minhas lentilhas do réveillon e virá aqui ao meio-dia para saboreá-la.
Como prometera ontem, a blogada de hoje vem na esteira do assunto trazido então: a rápida evolução dos ferramentais do processo de escrita.
Há outras alterações com as novas tecnologias da escrita: facilita-se a escrita sinistra. Por exemplo, foi a não existência de canetas de escrever a seco (como as atuais canetas esferográficas) que determinou que muitos adultos, que hoje tem mais de 50 anos, fossem compulsoriamente transformados, quando crianças, em destros, mesmo que tivessem tendência a serem canhotos, pois quem escrevesse com a mão esquerda estava mais sujeito a borrar a tinta molhada recém lançada no papel. Esta foi, pelo menos, uma razão mais prática para desestimular os não manidestros, que nos tempos medievos era acusados de pactários com o diabo, particularmente se fossem mulheres, — razão pela qual, um dos muitos nomes do demônio nas falas populares é: canhoto, que segundo o Dicionário Aurélio Eletrônico, também significa: inábil, desajeitado, desastrado.
Outro sinônimo para canhoto é sinistro que o Dicionário Priberam [www.priberam.pt] ensina vir do latim sinister, -tra, -trum, esquerdo, de bom/mau presságio, mau, funesto com as acepções: adjetivo: 1. Que tem maior habilidade com o lado esquerdo do corpo, em especial com a mão, do que com o lado direito. = canhoto, esquerdino ≠ destro 2. Que tem mau aspecto!. 3. Que ameaça desgraças. 4. Que indica pavor. 5. Funesto; desgraçado. Substantivo masculino 6. Acontecimento muito negativo ou que provoca muitos danos. = acidente, desastre 7. Avaria ou prejuízo grande. = dano 8. Prejuízo sofrido num bem que está no seguro.
Já destro significa dotado de destreza; hábil: ágil, desembaraçado; rápido, por exemplo: nadador destro. Há muitos que tiveram, ainda nos anos 50 (do nosso século 20) em sala de aula, sua mão esquerda amarrada às costas ou ate engessadas para que escrevessem com a direita. Talvez valesse pesquisar quanto os destros foram dominadores exigindo dos canhotos que tivessem habilidades motoras iguais as suas (com a mão direita) desconhecendo os comandos dos hemisférios cerebrais que determinam as funções de lateralidade.
Há pesquisa que mostram que os canhotos, no mundo em que vivemos, têm mais riscos de acidentes, pois a parafernália tecnológica é produzida quase exclusivamente para os destros. Parece não ser por acaso, que uma edição politicamente correta da Bíblia Sagrada que fosse preparada pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, deixe de fazer referências à mão direita de Deus Pai, para não discriminar os canhotos.
Para sinistros e destros votos de um bom dia de reis. Se este blogue for lido em alguma cultura em que nesta data se dá os presentes natalinos, que os regalos sejam dadivosos. E que o embalar dos adornos natalinos sejam promessa de uma gostosa expectativa de estar por aqui em um próximo natal, para mais uma vez ornamentar a árvore. A todos o convite para um provável encontro aqui amanhã.
De: Jose Carneiro [mailto:jqcarneiro@uol.com.br]
ResponderExcluirMeu grande amigo prof. Chassot:
Meus cumprimentos por várias coisas:
1 - pela resposta ao meu texto e pelo uso de "aljofares", gostei muito;
2 - pela abordagem sobre agnóstico e ateu. Eu nunca havia lido algo parecido, ou seja, nunca me ocorreu que alguém tivesse tido essa preocupação, que sempre foi minha;
3 - excelente a abordagem sobre a escrita. Tenho 63 anos e no meu curso primário em Castanhal eu utilizava os tinteiros, as canetas-tinteiros de pena horrorosa e lembro-me de uma das marcas de tinta, que não era a melhor "Tin Goi". E também do mata borrão, muitos eram distribuidos com propagandas comerciais, lembra?
4 - Finalmente sobre a lentilha, que adoro: a Conce sempre prepara no final do ano. Neste que passou comemos com lombo assado e ainda resta uma porção congelada. Presumo que você e Jairo vão desfrutar dessas sobras, tão boas quanto a do dia em que foi preparada, não?
Grande abraço do
José Carneiro
Meu querido José,
ResponderExcluircreia rotular como aljofares as pérolas que me enviaste, foi algo burilado. Sobre ateus e agnósticos o texto do cartaz é a grande síntese: “Todos somos ateus com o(s) deus(es) do outro”.
Quando escrevi o texto acerca da escrita pensei muito o quanto te encontrarias nos meus relatos, pois sei que és cultor da história da escrita, ação que te envolves historicamente. Não recordo de mata-borrão com comerciais. Há aí um assunto para revolver baús.
Sim, a lentilha de hoje são gostosas sobras do réveillon. Quanto ao lombo assado, sabes que quer a tradição que no réveillon deve se comer animais que ponha terra para frente (porco) e não para trás (peru, galinha).
Obrigado por ser meu querido leitor.
Um afago aos belenitas de teu clã.
attico chassot