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terça-feira, 12 de maio de 2015

12.- UMA ENCÍCLICA EM ALEMÃO


ANO
 9
EDIÇÃO
 3039
Na última edição deste blogue meus leitores me estranharam falando de encíclicas papais. Então destaquei que só encontrei duas encíclicas que não são escritas em latim: uma em italiano em 1931 “Non abbiamo bisogno” (“Nós Não Precisamos”) sobre o fascismo e outra em 1937, em alemão “Mit brennender Sorge” (“Com profunda preocupação)” sobre o nacional-socialismo e o nazismo.
Estas duas são de autoria do Papa Pio XI (Achille Ratti 1857-1939), papa de 1922-1939. Pio XI que em sua juventude foi destacado alpinista, e antes de ser papa desempenhou diversas missões diplomáticas fora do Vaticano no conturbado período entre as duas guerras. Como papa, além das duas encíclicas vernáculas antes referidas, publicou várias outras em latim, língua que usou em muitas pregações. Enquanto papa, mostrou-se apaixonado pela ciência desde cedo e bom observador do desenvolvimento tecnológico, fundou a Rádio Vaticano, em colaboração com Guglielmo Marconi, modernizou a Biblioteca Vaticana e reconstituiu, em 1936, a Pontifícia Academia das Ciências, admitindo também pessoas não católicas e até mesmo não-crentes.
Mas anunciei que queria dar destaque, nesta edição à importante encíclica Mit Brennender Sorge (Com profunda preocupação) de 14 de março de 1937. Ela condena a ideologia nazista e seu racismo "pagão". Foi a primeira condenação explícita ao nazismo feita por um chefe de Estado e contém o que a maioria dos historiadores considera uma ataque pessoal a Adolf Hitler, referido no texto, como "um profeta louco de arrogância repulsiva”. A encíclica também desperta interesse historiográfico por ser um dos raríssimos documentos oficiais da Santa Sé não escritos em latim. Por tratar-se de uma mensagem destinada especificamente à Igreja na Alemanha, Pio XI optou por redigi-la diretamente em alemão.
Concluída a redação, cópias da encíclica foram enviadas clandestinamente para a Alemanha para não serem apreendida pela Gestapo e reproduzidas por imprensa ligada à Igreja Católica. As cópias foram distribuídas aos bispos e ao clero para serem lidas em todas as paróquias alemãs na homilia das missas do dia 21 de março de 1937, festa de Domingo de Ramos. Acredita-se que a data tenha sido escolhida por ser uma das festas do ano litúrgico em que a presença de fiéis e autoridades costuma ser maior, aumentando o impacto da mensagem. A retórica usada pelo Papa Pio XI no documento é de uma agressividade raramente vista em documentos papais nos tempos modernos.
A reação de Hitler por meio da Gestapo foi violenta e recrudesceu a perseguição aos católicos alemães, ocasionando a prisão de mais 1100 clérigos. Publicada ainda em 1937, época em que Adolf Hitler gozava de certo prestígio na opinião pública ocidental e a guerra parecia uma possibilidade remota, a encíclica surpreendeu pelo tom decisivo e foi alvo de algumas críticas na imprensa secular e de alguns católicos que não compreenderam a atitude do Pontífice.
A Encíclica Mit Brennender Sorge fala de "direitos humanos inalienáveis dados por Deus" e invoca uma "natureza humana" que passa por cima de barreiras nacionais e raciais. No documento, o Papa Pio XI adverte: "Todo aquele que tome a raça, o povo ou o Estado (...) e os divinize em um culto idolátrico, perverte e falsifica a ordem criada e imposta por Deus". O pontífice critica o que chama de "mito de sangue e solo", afirmando a incompatibilidade entre racismo e cristianismo. De modo específico, o documento condena o antissemitismo e reafirma bula papal do século 13 que prevê a excomunhão automática para os perseguidores de judeus. A esse respeito, o texto da encíclica também ressalta o caráter indissolúvel da Aliança entre Deus e o povo israelita e recorda a natureza judaica de Jesus Cristo.
Na época foi uma surpresa geral para os fiéis, as autoridades e a polícia, a leitura da encíclica nas missas, em todos os templos católicos alemães, que eram então mais de 11.000 igrejas. Seu impacto entre as elites dirigentes alemãs foi forte. Em toda a breve história do Terceiro Reich, nunca recebeu este na Alemanha uma contestação de amplitude e gravidade que se aproximasse da que se produziu com a Mit brennender Sorge. No entanto, o controle intensivo que o regime exercia sobre a imprensa e a falta de liberdade de circulação de informações impediu que o impacto fosse maior entre as massas, sendo seu conteúdo prontamente censurado e respondido com uma forte campanha publicitária anticlerical. No dia seguinte a leitura nos púlpitos, paróquias e sede de dioceses alemãs foram visitados por oficiais da Gestapo que apreenderam cópias do documento.
Como era de se esperar, no mesmo dia, o órgão oficial nazista, Völkischer Beobachter, publicou uma primeira réplica à encíclica que foi também a última. O ministro alemão da propaganda, Joseph Goebbels, foi suficientemente perspicaz para perceber a força do documento e entendeu que o mais conveniente era ignorá-lo completamente, fazendo uso do extensivo controle dos meios de comunicação que o Reich já possuía na altura para censurar o conteúdo e qualquer referência a ele.
Após a leitura e publicação da encíclica, as perseguições anticatólicas tiveram lugar, e as relações diplomáticas Berlim-Vaticano ficaram severamente estremecidas. Em maio de 1937, mais de mil padres e religiosos são lançados nas prisões do Reich e 304 sacerdotes católicos são deportados para Dachau em 1938. As organizações católicas são dissolvidas e as escolas confessionais interditadas.
Até a queda do regime nazista, cerca de onze mil sacerdotes católicos (quase metade do clero alemão dessa época) "foi atingido por medidas punitivas, política ou religiosamente motivadas, pelo regime nazista", terminando muitas vezes nos campos de concentração.

2 comentários:

  1. Alguns perceberam a periculosidade do regime, muitos tentaram uma reação, ninguém os deteve, chegou-se no desfecho já conhecido.
    Virão outros? Ou estamos vivenciando com o consumismo que consome os homens e ainda não percebemos?
    Grande abraço, mestre!

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  2. O interessante é que apesar desses fatos ainda há quem diga que a igreja foi omissa diante das atrocidades do nazismo.

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