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domingo, 27 de fevereiro de 2011

27. –Cisne negro: é (des) recomendável?

Porto Alegre * Ano 5 # 1669



Moacyr Scliar morre aos 73 anos Escritor gaúcho e membro da Academia Brasileira de Letras morreu à 01h da madrugada deste domingo no Hospital de Clínicas de Porto Alegre por falência múltipla de órgãos devido às consequências de um acidente vascular cerebral (AVC). As letras brasileiras estão enlutadas.

O sábado chuviscoso de ontem nos levou ao cinema. Os fortes candidatos a Oscar desta noite seduzem e se pensa que devem ser bons. Fomos assistir ‘O cisne negro’. Uma pergunta que aflora à saída: (des)recomendarias este filme?

As cenas de violência psicológica e física tornam doloridas as lindas cenas da clássica música de Tchaikovsky. Deixa-se a sala de espetáculo zonzo pela violência. Há alguns dias, por ocasião da despedida de Ronaldo, comentaristas mostravam com propriedade que ‘esporte (com exigências de atingir além do máximo) faz mal à saúde. Na mesma dimensão se pode dizer que balé faz mal à saúde.

Mas não tenho expertise em cinema. Dou voz a Fabricio Ataide que publicou em 04FEV2011 em pipocamoderna.mtv.uol.com.br Cisne Negro surpreende, assusta e seduz com arte e pesadelo. É o texto que transcrevo a seguir.

A simples menção do nome Darren Aronofsky faz qualquer cinéfilo tremer de excitação. Com apenas cinco longas no currículo, o diretor americano nascido no Brooklyn já possui uma sólida carreira de prestígio quase incontestável entre público e crítica. Depois de levar o Leão De Ouro por seu trabalho anterior, “O Lutador”, Aronofsky retorna com uma obra que aborda a fragilidade da mente humana e a perturbadora ambição que a move em busca de um sonho. “Cisne Negro”, que já acumula mais de 20 prêmios ao redor do mundo, além de concorrer em cinco categorias no Oscar 2011, é um misto de sonho e realidade que surpreende, assusta e seduz.

Desde o início é possível deduzir no que o filme se tornará no decorrer de sua trama: um pesadelo. Ambientado nos bastidores do prestigiado New York City Ballet, a trama gira em torno de Nina (Natalie Portman, aposta certa para o Oscar de Melhor Atriz), uma bailarina que se vê diante da chance de interpretar o papel principal em uma montagem de “O Lago dos Cisnes”, de Piotr Ilitch Tchaikovsky.

Insegura e sem amigos, Nina vive exclusivamente para a dança, sempre limitada à superproteção de sua mãe (a sumida Barbara Hershey, de “A Última Tentação De Cristo”). Pressionada por seu mentor e coreógrafo Thomas (Vincent Cassel, de “À Deriva”), Nina terá sua competência posta em xeque: sua fragilidade comprometeria a interpretação do papel que almeja, a Rainha dos Cisnes, visto que teria que interpretar simultaneamente o cisne branco (símbolo da pureza e ingenuidade) e o cisne negro (metáfora para a malícia, sensualidade e maldade).

O pesadelo da bailarina toma forma na figura de duas colegas de profissão: a veterana Beth (competente aparição de Winona Ryder), que foi forçada a abandonar a equipe por conta da idade, e a novata sedutora Lily (impressionante atuação de Mila Kunis, da série “That 70′s Show”). Enquanto Beth ilustra passado e futuro, Lily personifica o inimigo interno de Nina no presente.

Na busca pela perfeição e na tentativa de provar a Thomas que é capaz de expor seu lado mais selvagem, Nina é conduzida de tal forma pelo papel que interpreta que não consegue perceber os limites entre sonho e realidade, que começam a definir sua vida. Aos poucos, seu destino se sobrepõe ao enredo de “O Lago Dos Cisnes”. Seu lado negro, exemplificado pela essência de sua feminilidade, aflora e toma conta de sua personalidade sem que ela consiga controlá-lo. Dá-se inicio a uma metamorfose (física, mental, imaginativa, real, ou todas ao mesmo tempo) que conduzirá a protagonista a conflitos que levarão, personagens e plateia, a um destino perturbador.

Natalie Portman, a alma do filme, brilha grandiosamente neste papel que lhe exigiu

esforço intenso em conhecimento, aprimoração e domínio das técnicas de dança. Foram quase 12 meses de preparo para que a atriz conseguisse expor, de maneira plausível, o retrato de uma bailarina devorada pela ambição. A atriz, que já havia sido indicada ao Oscar pelo seu papel coadjuvante em “Closer – Perto Demais”, dificilmente sairá da cerimônia deste ano sem a estatueta de Melhor Atriz em mãos. “Cisne Negro” concorre ainda nas categorias de Melhor Filme, Diretor, Fotografia e Edição – reconhecimento mais que merecido. Lamenta-se apenas a Academia não ter indicado a avassaladora atuação de Mila Kunis como coadjuvante.

Aronofsky arquiteta uma trama de padrões narrativos complexos, cujo ritmo é determinado pela constante mudança entre sonho e realidade, que tornam o filme uma experiência sensorial inebriante. O estilo visual de “Cisne Negro” se molda por cortes rápidos, movimentos vertiginosos de câmera e close-ups espetaculares que promovem uma assombrosa harmonia entre o que se vê, o que se ouve e o que se sente na tela. Enquanto os olhos são paralisados pela beleza da composição cênica (principalmente a cena em que Nina dança e se “transforma” em cisne), os ouvidos são tomados pela penetrante trilha sonora – que utiliza trechos da peça de Tchaikosvky, música eletrônica dos Chemical Brothers e as composições de Clint Mansell, parceiro tradicional de Aronofsky.

É possível sentir na pele cada arranhão, cada sangramento, cada ferida a cicatrizar no corpo da personagem. À medida em que cresce a paranóia de Nina, cresce o interesse do espectador pelo desfecho da trama.

Ao optar por elucidar as artimanhas do roteiro através de imagens e não por palavras, como usualmente acontece em Hollywood, o diretor convida o público a apreciar a loucura e a sensatez de sua protagonista sem propor julgamentos. “Cisne Negro” é construído sobre a ambiguidade e reside aí seu maior atrativo. Darren Aronofsky monta espelhos e materializa ilusões que promovem excitação, curiosidade, medo e angústia a quem se propor imergir completamente em sua história. Cenas que se mostram inofensivas revelam-se brutais e momentos de extremo impacto psicológico acabam por prestar-se inspiradores.

Depois da recepção morna do fantasioso “A Fonte Da Vida” (2006) e de toda a badalação em torno de “O Lutador” (2008), o cineasta adota um estilo narrativo que aproxima “Cisne Negro” de seus primeiros trabalhos: assim como em “Pi” (1998) e “Requiem Para Um Sonho” (2000), o espectador não conseguirá sair indiferente ao final da sessão. Seja pelo impacto do desfecho, seja pela pressão psicológica compartilhada com os personagens, o lado branco ou o lado negro do cisne interior que cada um carrega em si será convidado a se manifestar.

Repito que não tenho status de comentarista de cinema. Persiste uma pergunta: Por que usar um tema de extrema beleza e permeá-lo de cenas de filme de terror? Penso que Cisne negro oferece um espetáculo que provoca sofrimentos exacerbados. Logo eu desrecomendo.

Com votos de um muito bom domingo, um convite para nos lermos amanhã na clausura de fevereiro. Até lá.

4 comentários:

  1. Bom dia, Mestre!

    desconheço o desfecho deste enredo, mas histórias que permitem sentirmos o sofrimento do personagem, sempre atrairam: a tal fábrica de emoções. eu, prefiro as emoções e sofrimentos do lado de cá da tela.^^

    abraços ensolarados!

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  2. Querida Marília,
    no meu imaginário cinema é espetáculo de amena diversão. Por tal minha desrecomendação de ‘O cisne negro’.
    E o domingo ensolarado se anuvia com a crônica de uma morte anunciada: morreu Moacyr Scliar.
    Um bom dia e obrigado pelo sempre aguardado comentário.
    Afagos
    attico chassot

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  3. Meu caríssimo Chassot.

    Todos estamos enlutados pela morte do Moacyr. Sei o quanto estavas apreensivo por sua saúde no último mês. As letras brasileiras amanheceram mais pobres neste domingo - por aqui um domingo nublado, com chuva anunciada, de um triste cinza-chumbo.

    Agora que acabo de ler a notícia, rapidamente minha mente foi te buscar. Devemos sobretudo termos fé que o Moacyr possa sempre viver e nascer dentro de todos os seus leitores e amigos.

    Grande abraço.

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  4. Muito querido Paulo Marcelo,
    voltei há não muito do velório do Scliar. Vim caminhando. Não é uma distancia tão grande – talvez 2,5 km. Vim refletindo. Ele era apenas uns dois anos mais velho que eu.
    Ele realmente será imortal, como são chamados os acadêmicos da ABL, pois como dizes há de poder sempre viver e nascer dentro de todos os seus leitores e amigos.
    Obrigado por teu ser empático,
    a amizade e admiração do
    attico chassot

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