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domingo, 23 de junho de 2013

23.-MANIFESTAÇÕES SEM BANDEIRAS


ANO
7
Livraria virtual em
WWW.PROFESSORCHASSOT.PRO.BR
EDIÇÃO
2486

Em meio a esta avalanche de manifestações que vivemos no Brasil, cabem reflexões. Por tal esta edição extra. Só ontem (sábado, dia 22JUN) houve no Rio Grande do Sul cerca de três dúzias de manifestações em diferentes cidades. A estas se acrescenta um continuado vandalizar, para usar um verbo que está na moda e na prática.
O que/quem suscita isso? Talvez, nada mais que o espírito de imitação. Ou é realmente o espirito de indignação?
Algo surpreendente é a rejeição à presença de bandeiras partidárias. Pode haver democracia sem partidos políticos? Estas manifestações parecem ser ‘sem bandeiras’ numa leitura metafórica. Quem responde aqui, com cuidadosa reflexão é o filósofo, professor da Universidade Estadual de Maringá Antonio Ozaí da Silva, com texto que está publicado em http://antoniozai.wordpress.com

Não sou filiado a partido, nem porto bandeiras. Desde que, em 1991, me desfiliei do PT, rompi definitivamente com a política partidária. Não foi uma ruptura fácil, afinal o PT foi uma das minhas universidades de formação política. A experiência militante incorpora subjetividade, vínculos humanos, crença em valores, alegrias e dissabores, realizações e frustrações. Rupturas nos transformam, mas não apagam os registros da memória. Na vida real não temos o neutralizador dos Men in Black. Nem é preciso, pois orgulho-me das minhas raízes e não me arrependo dos anos dedicados à militância petista. A minha geração aprendeu política na igreja (com a Teologia da Libertação), nos sindicatos e movimentos sociais. E tudo isso confluía para o PT!
Saí do PT porque não me reconhecia mais na prática política do partido. Foi, sobretudo, uma ruptura ideológica. Com o tempo, outras experiências e leituras me conduziram na direção oposta à organização partidária, mesmo as de cunho marxista-leninistas, trotskistas e/ou vinculadas à tradição stalinista, maoísta, etc. Mesmo no tempo em que militava no PT não me atraía o tipo de organização vanguardista, o partido de quadros. Não obstante, o discurso anticomunista que grassava na base sindical e popular lulista atiçou a minha curiosidade e, longe de afastar-me desta realidade, aproximei-me a ponto de escrever o História das Tendências no Brasil – o qual expressa uma necessidade militante daquela geração. Também aprendi com eles e, mesmo com as divergências que nos separam, mantive relacionamentos, pautados pelo respeito mútuo, que perduraram.
Sou, portanto, “Sem Partido”. Não me reconheço nos partidos políticos existentes! É uma opção político-ideológica tão legítima quanto a dos que dedicam anos fundamentais das suas vidas aos partidos. Reconheço, porém, a contribuição da militância política partidária. Sou de uma época em que não podiam expressar-se livremente, tinha que viver na clandestinidade. Suas bandeiras não podiam ser desfraldadas, nem mesmo podiam identificar-se por suas indumentárias, etc. Era uma questão de segurança, de sobrevivência, a integridade física e a vida estavam em risco. A ditadura civil-militar perdurava. Quando o PT surgiu, muitos deles aderiram. Com o tempo seriam convidados a sair ou foram sumariamente expulsos. Então, formaram seus próprios partidos. Outros permaneceram sob o biombo do MDB/PMDB. Dentro ou fora do PT, contribuíram para o processo de redemocratização do país.
Hoje, vivemos sob a democracia qualificada por burguesa. Embora críticos da “democracia burguesa”, as forças da esquerda organizadas em partidos também foram os seus construtores e sabem o quanto são importantes os direitos e as liberdades democráticas. Sob esta democracia puderam sair da clandestinidade, assumir ideologias, constituir organizações, disputar eleições e expor publicamente as suas ideias. Enfim, junto aos que lutaram contra a ditadura civil-militar, conquistaram o direito de desfraldar suas bandeiras vermelhas, fazê-las tremular nos ventos que anunciam utopias.
Não é paradoxal que sob a democracia e em nome da democracia sejam impedidos de levantar suas bandeiras? A maioria que se considera antipartidária tem o direito de impor seus sentimentos e valores de rejeição à minoria? É democrático impedir a livre manifestação dos que escolhem outros caminhos? Por outro lado, é preciso levar em conta que o sentimento antipartido é difuso e nem sempre considera as diferenças substanciais entre os diversos partidos, colocando todos sob o mesmo balaio. A ojeriza aos partidos políticos é legítima e salutar, na medida em que questiona a estrutura basilar da democracia representativa. Que os partidos aprendam a lição das ruas!
Os partidos disputam a direção dos movimentos sociais, precisam se fazer presente. Muitas vezes, isto os faz cair na tentação de instrumentalizar as massas, de se arrogarem seus representantes, já que se consideram a vanguarda consciente. Talvez precisem repensar seus métodos. Por outro lado, há também o oportunismo político – como caracterizar, por exemplo, o chamamento dos líderes petistas para que a militância participasse da passeata, após as massas terem colocado em xeque o prefeito da capital paulistana? A rigor, a política petista nos últimos anos também contribuiu para o sentimento antipartido manifestado nas últimas mobilizações populares. Ainda que consideremos oportunismo político é democrático impedi-los de caminhar juntos e desfraldar suas bandeiras e faixas?
A maioria pode ser tirânica, antidemocrática e intolerante; a minoria também. Ideais utópicos antipartidários também podem se revelar extremamente autoritários. Desdenham da democracia em nome do princípio da liberdade. Não veem a incoerência de negá-lo ao outro. Como diria Rosa Luxemburgo, a liberdade é sempre a liberdade de quem pensa diferente. Minorias e/ou maiorias que impeçam a livre manifestação do pensamento divergente contribuem para fortalecer o caldo cultural autoritário – também presente na esquerda marxista. Impedir, em nome da liberdade, é um contrasenso! Justificar com o argumento de que os partidos é que são autoritários, por desejarem desfraldar suas bandeiras perante as massas, é um sofisma! A liberdade de expressão é uma conquista e os militantes tem o direito de portar seus símbolos ideológicos. Talvez a insistência surta mais efeitos negativos do que positivos, mas é uma questão de estratégia política a ser avaliada por eles.
* Fonte da foto : http://noticias.uol.com.br/album/2013/06/20/confira-as-melhores-fotos-dos-protestos-pelo-brasil.htm

6 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Caro Chassot!
    Também acredito que muitas manifestações ocorridas em vários pontos do país, agora se valem mais da "imitação" do que da "indignação". Acredito também num cansaço manifestatório daqui prá frente, principalmente se não houver ações e lideranças que determinem rumos a este movimento acéfalo. Todavia, temos de concordar que a representatividade partidária está em grande crise no país; pois a maioria destes partidos são palcos de negociação de cargos e de interesses pessoais. Quem sabe esse movimento não suscite uma grande reforma partidária, tão necessária e que, por decisão da própria classe, nunca sairia do papel. Abraço do JB

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  3. Napoleão disse uma vez que "A estrada do inferno está pavimentada de boas intenções". Quantas vezes o povo acreditou em mudanças orquestradas por este ou por aquele partido? A revolução Francesa que lutou pelo fim das mordomias foi impelida pela massa da burguesia como um todo, não por um segmento minoritário liderando a maioria. É degradante a situação que a classe política levou a sociedade atual. As maracutaias eclodem a todo momento no noticiário e transformaram a pizza na iguaria mais falada. Assistir ao povo ser preterido, massacrado, ridicularizado e achar que o mesmo ainda tem que aceitar raposas oportunistas em meio aos seus protestos é menosprezar a inteligência de uma raça.São Tomas de Aquino dizia que todo movimento para ser autêntico deve almejar um bem maior, além dele, ao contrário corre risco de se transformar em coisa igual ao que se opõe. Estamos nesse impasse.

    abraços

    Antonio Jorge

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  4. Limerique

    Desabafo contra corrupção era o lema
    Sendo o lábaro estrelado o emblema
    Mas cadê partidos e bandeiras?
    Não será isso grande besteira?
    Amigo, partidos são parte do problema!

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  5. Caro e querido mestre.

    Este é um momento da vida política e social do Brasil que causa perplexidade. Tal como o Professor de Maringá, não me reconheço mais no PT, partido do qual empunhei bandeiras durante muitos anos. Como responder a tua pergunta? Imitação ou indignação? Com meus parcos recursos teóricos de "analista de Bagé", arrisco dizer que há uma mistura de ambas, que não temos como medir. Há na sociedade brasileira um sentimento difuso de indignação contra a corrupção, a violência, os políticos em geral, com seus não sei quantos privilégios, contra a situação precária da saúde pública, contra os caros e precários meios de transporte, etc. E há também um sentimento de estar junto em mega reuniões coletivas, momento para extravasar todos os diabos interiores e sentir-se parte de um todo comunitário, como salienta Michel Maffesoli. Há um pacto emocional, muito mais eficiente que o contrato social, que une as pessoas e qu e as redes sociais sabem celebrar de forma inequívova. Quanto aos atos de vandalismo, tb há uma mistura explosiva: pessoas descontentes e influenciáveis são arrastadas por provocadores pagos que desejam canalizar o movimento para a direita, juntamente com militantes de organizações de extrema direita (que canalizam seu ódio contra militantes de partidos e sindicalistas, além de bandidos comuns que se aproveitam da situação para saquear.
    Some-se a isso as ações intimidatórias das Polícias Militares. No Rio, houve cerco ao IFCS, invasão de um hospital público municipal e disparos de bombas sem nenhum propósito contra pessoas que apenas bebiam e conversavam em bares a mais de 4 km da Prefeitura, cuja suposta invasão a PM agiu para impedir.
    Tudo causa imensa perplexidade, caro amigo e mestre. Deixo aqui minha modesta reflexão

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    Respostas
    1. Muito querido Renato,
      há um tempo desejava ouvir-te. E por tal a provocação. Obrigado.
      Vivemos dias de ‘não respostas’.
      Ouvir as reflexões do químico que se fez filósofo é salutar.
      Muito oportunas tuas trazidas.
      Não sei se ainda sou do PT!
      Estou enojado do mesmo desde o final do primeiro governo do Lula.
      Assim tuas reflexões me confortam. Também, amenizam saudades
      Quanto a meu questionamento: indignação ou imitação, mesmo que tu vejas como ‘assamblage’ a mim parece que nesta combinação predomina a adesão ‘ao ser chic ir às ruas mesmo que saraivadas de balas de borracha e disparo de gases apimentados doam.
      Com espraiada admiração,
      attico chassot

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