Ano 5 | Porto Alegre | Edição 1791 |
Hoje é dia de mais um dos santos juninos: é dia de São Pedro. Mas, desde 2009 o 29 de junho, tem sabor especial: é o natalício do Pedro, meu neto, filho do André e da Tatiana. A celebração de seu 2º aniversário será no próximo sábado.
Mas um texto da imprensa deste fim de semana também me remeteu para 2009, mais precisamente para 11 de outubro. O texto é do médico Dráuzio Varela mais de uma vez presente neste blogue. Antes de trazer o texto, permito-me narrar as evocações que ele catalisou, até para deixar sua beleza, como sobremesa.
Em outubro de 2009 tive o privilégio de fazer em dez dias, seis falas em cinco
universidades da Colômbia (em três cidades: Pasto, Bogotá e Medellín). A viagem foi em companhia da Gelsa, que fez a fala inaugural de evento de Educação Matemática. Num domingo, no recesso de fazeres acadêmicos, fomos de Pasto, capital da província de Nariño, à Basílica Santuário de Nossa Senhora das Lajes no sul da Colômbia. Talvez dos templos mais impressionantes que já visitei. O santuário está situado no cañon do rio Guaítara, no ‘corregimiento’ de Las Lajas. A foto do santuário é da Wikipédia.
Como estávamos quase na fronteira com o Equador, a atravessamos e fomos até Tulcán, capital da província de Carchi que se localiza nos Andes, a 7 km da fronteira Colômbia. Vale observar a latitude: 00º44’ a norte e 77º43’de longitude ocidental, a uma altura de 2.955 msnm (metros sobre o nível do mar). A cidade onde fiz minha única estada no Equador por cerca de três horas tem em cerca de 90 mil habitantes. Como neste país tenho pelo menos uma leitora, talvez uma das mais assíduas dentre aqueles que acessam este blogue no exterior, está evocação de uma já distante viagem, quer ser uma homenagem à Matilde Kalil.
Percorremos na ida e na volta (Pasto/Tulcán/Pasto), duas vezes cerca de 100 km pela Rodovia Pan-americana, onde o singular era nos encantar, e surpreender-nos, com relevo do maciço andino colombiano. Talvez o comentário gélsico de então faça uma melhor síntese: ‘é como se víssemos o movimento do magma de acomodando!’
Agora vejam porque o texto – no qual fiz inserção de duas fotos: uma de Santa Ana de los Cuatro Ríos de Cuenca (a terceira maior cidade do Equador, fundada em 1557) e a outra uma vista dos Andes equatorianos – que segue ressaibo de saudades.
A cordilheira, Dráuzio Varella: Aqui, nas alturas, a visão da cordilheira dos Andes é monumental, assustadora e fascinante.
Cuenca é uma cidade equatoriana que conserva casas com sacadas de madeira dos tempos coloniais; pelas ruas, há mulheres e homens de traços incas, com xales coloridos, chapéus do tipo panamá e roupas que parecem saídas das páginas da “National Geographic”.
A cidade ocupa um pequeno platô cercado de montanhas, a mais de dois mil metros de altitude. Para descer até o litoral, é preciso antes subir a cordilheira por uma estrada com curvas para todos os lados.
A paisagem é assombrosa. A cada volta me defronto com montanhas mais altas do que as anteriores, numa sucessão interminável de volumes monstruosos que tocam as nuvens. Algumas são parcialmente cobertas por vegetações baixas, que preenchem de verde o espaço entre as árvores que conseguem agarrar-se às plataformas e aos sulcos da encosta. Nas áreas mais escarpadas, a rocha aparece nua, ocre, como se feita de tijolos esmigalhados por mãos gigantescas.
Outras, são muralhas exibicionistas que se projetam para o céu com o propósito de encobrir a visão das demais. São como lavas vulcânicas que acabaram de se solidificar sem dar tempo para que a vida fosse semeada em sua superfície. Ao pé delas, a figura humana fica reduzida à mais absoluta insignificância; inclinar a cabeça para trás em busca dos picos nevados dessas torres negras e úmidas faz perder o equilíbrio.
À medida que o carro sobe, aumenta a profundidade dos precipícios. O viajante que consegue chegar à beira deles sem sofrer vertigem, ao olhar morro abaixo percebe que a distância até o rio que corre sinuoso no fundo da garganta angustiada entre as bases dos penhascos é ainda maior do que aquela que vai da estrada até os picos mais elevados.
O ponto culminante da viagem está a 4.200 metros. Nessa altura, a falta de oxigênio acelera a frequência respiratória e agrava a opressão causada pelo desatino de estar pendurado naquele despenhadeiro agorafóbico.
Os Andes não estiveram sempre onde me encontro. Quase todo o norte da América do Sul era uma região de relevo baixo ocupada pela floresta amazônica. Nessa pan-amazônia, os rios da bacia do Amazonas, Orenoco e Magdalena, corriam para desaguar no Pacífico.
Num período que vai de 65 a 33 milhões de anos atrás, ocorreu um rompimento de placas tectônicas às margens do oceano Pacífico, que levantou rochas descomunais e provocou erupções vulcânicas na região que avança para o norte, paralela à costa do Chile.
A partir de 23 milhões de anos atrás, novas fragmentações de placas seguidas de sucessivas colisões entre elas no subsolo da América do Sul e do Caribe intensificaram a emergência de montanhas e vulcões na parte central e no norte de nosso continente, num movimento para o alto que chegou até a Venezuela. Esses abalos descomunais se repetiram por milhões de anos, até que o maciço dos Andes acabou por barrar a passagem do Amazonas, do rio Negro, do Solimões e dos outros rios que se dirigiam ao Pacífico.
Impedidas de seguir adiante, as águas ficaram represadas formando lagos enormes e florestas alagadas, cujo conjunto recebeu o nome de Sistema Pebas.
Prensadas contra a cordilheira, as águas que chegavam sem dar trégua exerceram pressão suficiente para forçar caminho no sentido oposto. Como consequência, há cerca de 10 milhões de anos, o Amazonas e todos os rios que formam sua bacia finalmente conseguiram chegar até o oceano Atlântico, esvaziando os lagos que constituíam o Sistema Pebas. A Amazônia abandonava o estágio lacustre para voltar a ser fluvial.
Esses fenômenos geológicos que se sucederam no decorrer de dezenas de milhões de anos não foram apenas responsáveis por inverter o curso de nossos maiores rios, mas provocaram alterações no clima e na composição do solo que explicam por que a Amazônia é o ecossistema terrestre com a maior biodiversidade do planeta.
Ofegante, no carro a mais de 4 mil metros de altitude, impossível não pensar no terremoto que acabou de destruir parte do Japão. E na hecatombe que o mais leve abalo na crosta terrestre da região andina seria capaz de provocar naquele instante.
Que este dia de São Pedro e também de São Paulo seja agradável para cada uma e cada um na gostosa curtição de um junho que quase se esvai.
Caro Chassot,
ResponderExcluirlendo esse belo texto do Dr. Varela é mais fácil entender como o universo, e nele, a nossa oikoumene, constitui um sistema vivo em constante evolução (acomodação). Esquecer esse detalhe, muito comum na sociedade voraz de consumo, é planejar, a cada dia, o suicídio global.
Um forte abraço,
Garin
http://norberto-garin.blogspot.com
Muito estimado colega Garin,
ResponderExcluirnosso ‘querido e maltratado’ Planeta nos oferece tanta diversidade de vida e de paisagens. Não sem razão que Dráuzio Varella e também eu tenhamos nos extasiado com as exóticas paisagens dos antes equatorianos. Minha experiência do Equador, não maior que três horas, ainda é impressionante viva. Lembra quando as ilhas Galápagos estiveram na sessão de encerramento de nosso seminário de História e Filosofia da Ciência?
Meu sonho é um dia voltar com mais extensamente ao Equador e conhecer mais de seus deslumbrantes cenários.
Em mais um dia sem sol,
grato ao comentarista de escol.
attico chassot
PS: A rima da despedida saiu como um rol
Caro Chassot,
ResponderExcluirTive oportunidade de trabalhar na Bolívia na década passada e, assim como você e o Dráuzio, fiquei fascinado pela orografia dos Andes. Morei algum tempo em Cochabamba, e, lá, as montanhas, além de impressionantes, assaltam-nos na nossa porta por assim dizer. Os picos nevados estão tão presentes no dia-a-dia que se torna rotina subir naquelas alturas de ar rarefeito nos fins de semana. Gostei do registro da impressão que causou na senhora Gelsa tão fantásticas formações. Boa quinta feira para todos, JAIR.
Meu caro Jair,
ResponderExcluirobrigado por aditares aqui tua experiência acerca da majestade andina, com tua quase mítica metáfora de quem viveu a sensação das montanhas assaltando sua porta.
Para quem hoje é um ilhéu a evocação da vivência andina deve ser algo que cala fundo,
a admiração do
attico chassot
MATILDE ha escrito desde GUAYAQUIL>
ResponderExcluirMuy querido Profesor Chassot,
Gracias por su cariñoso saludo y detalle de incluir un texto sobre los Andes ecuatorianos.
¿Sabe que los famosos sombreros de Panamá son hechos en realidad en un pequeño pueblo costero llamado Montecristi? Aunque son fabricados en Ecuador se los conoce como "Panama hats" porque en la época de construcción del Canal se los comercializaba ahí. Por otra parte, no muy lejos de Cuenca, en los arenales al pie del Chimborazo se pueden encontrar restos de conchas que testimonian que alguna vez esas tierras fueron lechos marinos. Una última curiosidad: fue desde Ecuador que se "descubrió" el Río Amazonas a través del Río Napo, en una expedición que salió desde Quito en 1541 al mando de Francisco de Orellana.
Un abrazo con cariño,
Matilde
Muy estimada Matilde,
ResponderExcluirme he alegrado que has leído la edición de hoy de blog cuando tu andino Ecuador es asunto. Agradezco la manera que has adensado el texto de Drauzio Varella con tus informaciones preciosas.
Gracias por traeres prestigio a ese blogue desde una tierra ahonde he estado de una estancia tan fugaz .
Después de ese texto ha aumentado mi deseo de conocer tu Tierra que parece muy breve estará más prójima por su integración al Mercosur,
attico chassot