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sábado, 26 de abril de 2014

26. — UM TÊNUE LIMITE ENTRE O SAGRADO E PROFANO


ANO
 8
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EDIÇÃO
 2755

Na semana santa atendi a atencioso pedido da Luciana Dornelles Venquiaruto, que foi minha orientanda de mestrado, para prefaciar o livro Saberes populares fazendo saberes escolares: um estudo envolvendo o pão, o vinho e a cachaça que ela produziu em coautoria com Rogério Marcos Dallago e José Claudio Del Pino originado de sua tese de doutorado.
Parece-me sempre muito prazeroso este ritual de dar a lume. Permitam-me, por ser démodé, traduzir essa bonita ação. “Dar a lume” é tornar notório, público; declarar, manifestar, apresentar. Não me parece sem propósito que escolhi algo que evoca fogões a lenha que marcavam a vida em tempos não tão distantes, nos quais os saberes primevos que os autores evocam no livro eram sabores construídos e compartidos.
Lume é o fogo que se faz útil, por exemplo, para fazer o pão, tão presente na obra anunciada. Nele há produções para o consumo humano que se transubstanciam em mentefatos culturais. É para esses que se convida o leitor para saborear. Sim, saborear saberes.
Agora, pretensiosamente, quero oferecer aos meus leitores na blogada deste último sábado aprilino acepipes do prefácio que produzi. Tratando-se de um livro de saberes e de sabores cabe oferecer acepipes. Esses estão dicionarizados como tipos delicados de alimento, em pequenas porções, servidas como aperitivo. Ou como diz um dicionário de português não brasileiro: simplesmente como guloseima ou pitéu. Assim, aqui e agora, alguns pitéus do prelúdio que compus.
Assim, acedo ao convite de meus amigos para prefaciar a obra que acalentaram e cabe-me preludiar a epifania ou celebrar o aparecimento ou, ainda com mais adequação, ensejar a manifestação reveladora de um novo livro. Esse ritual quase iniciático se faz em regozijos. Talvez porque esse cerimonial tenha marcas quase litúrgicas da epifania cristã de desvelar o escondido. Não sem razão que somos lembrados pelos autores que “... a cozinha é considerada, praticamente, ‘um santuário’. Ali ninguém faz nada, ninguém mexe em nada sem a autorização da matriarca”.
Há, já no título da obra, uma aparente contaminação do sagrado — o pão e o vinho — apresentados junto com a mundana cachaça. Talvez retifique minha afirmação: há uma dessacralização que se faz ainda mais forte, quando componho este prelúdio numa semana que se diz(ia) santa. Passaram os dias de enlutamento religioso, já se canta aleluias. Isto se faz, aqui, pela alegria da parição deste livro.
E, então vemos surpresas: a danada da cachaça, que o sambista roga para que não lhe falte, tem, como o pão e o vinho, histórias que remontam há mais de cinco mil anos. Mesmo que os autores nos levem mais diretamente às terras onde se faz pão, vinho e cachaça na Região Norte do Estado do Rio Grande do Sul — região em que se desenvolveu a pesquisa narrada aqui — e aí percorramos roteiros turísticos, como, por exemplo, o “Caminho dos Parreirais”, em Erechim ou a “Rota da Agricultura Familiar”, em Marcelino Ramos, há para cada um dos três produtos estudados viagens a berços de nossa civilização ocidental.
É dentro desta dimensão que este Saberes populares fazendo saberes escolares: um estudo envolvendo o pão, o vinho e a cachaça pode servir de catalisador, usando as saborosas realidades que estão amealhadas no livro, para alavancar propostas para tecer práticas de pesquisas que envolvam a salutar reestruturação do Ensino Médio. A Luciana, o Rogério e o Del Pino trazem muito bons exemplos. Há agora desafios da prática para que se possa fazer outra alfabetização científica no Ensino Médio.
Estas são utopias quando as folhas dos parreirais, dos trigais e dos canaviais vestem-se de um dourado outonal. Elas podem ser realidades. Tentar é preciso. Para tal, este livro é inspiração.

Um comentário:

  1. Paradoxal mestre!
    Cachaça e vinho, quimicamente similares e, liturgicamente, tão díspare,
    Uma demonizada e outro feito sangue divino.
    Aguardemos o livro da Luciana!

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