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quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

13* Falando sobre o tempo em outros tempos


Porto Alegre Ano 4 # 1259

A quarta-feira, ainda noite cerrada, inicia toldada pela tragédia no Haiti. São centenas de mortes com o mais pobre dos países do ocidente está arrasado. Em uma hora como esta o significa sermos solidários? Sofremos com nossos irmãos e irmãs haitianos, mas isso é pouco. É preciso fazer mais do que ser empático.

Antes de falar sobre o tempo em outros tempos um registro da muito quente terça-feira que faz suspirar por férias. Tenho ainda nesses três dias que me separam das férias que se iniciam no sábado muitas atividades.

Algo absorvente e maçante que tenho feito nos últimos dias: preencher relatórios do realizado em 2009. A academia é sequiosa de produções. Somos avaliados (as instituições

e nós) por elas. Claro que listar datas, assuntos, instituições de 33 palestras, 7 seminários, 4 mesas-redondas, 5 curso e 6 bancas consome tempo. Mas também a terça-feira, ao lado de relatórios, reuniões e preparar as aulas desta tarde, reservou a alegria de almoçar com minha filha Ana Lúcia que fervilha em lindos planos e vibra com sua família e com suas duas atividades profissionais (cirurgiã-dentista e professora universitária). Aqui uma cena de nosso almoço ontem.

Muito provavelmente, possamos comparar o controle exercido hoje pelo computador, sobre alguns estratos da população, como ao impacto que deve ter representado, no disciplinamento das vidas dos humanos, o relógio, já há mais de 5.000 anos antes do presente, mesmo que seu uso como regulador do sistema de vida seja muito mais recente e coincida com a Revolução industrial.

O mais antigo instrumento para medir a duração do dia do qual se tem registro é o relógio solar. Consistia em um mastro vertical fincado sobre uma base. Com esse dispositivo o tempo é medido de acordo com a sombra projetada pelo mastro, como é o processo com os ainda atuais relógios solares. Há cerca de 2.800 AP esses instrumentos se tornaram mais preciosos, à medida em que marcas foram inscritas na base onde se projetava a sombra. Em tempos que a cultura grega vivia seu apogeu (2500 AP) surgiu o relógio astronômico. Este associou aos relógios solares sistemas de considerável complexidade, nos quais se mediam momentos de posições do Sol, da Lua e das estrelas. Outro marco importante na história da medição do tempo surge com a solução de um problema: como medir o tempo à noite ou em dias que não houvesse sol? A solução, mesmo que engenhosa, é aparentemente simples: em um recipiente cheio de água, com um pequeno furo no fundo, se deixava escorrer o líquido para outro recipiente, marcado com escalas. De acordo com o nível da água, podia-se saber o tempo. No Museu do Cairo existe um relógio assim datado de um período de 3.800 AP, período do faraó Amenófis III. Foi apenas no inicio da era cristã que surgiu o mais conhecido dos medidores de tempo anteriores ao relógio mecânico: a ampulheta. Ela mede o tempo de acordo com a passagem da areia de um recipiente de vidro para outro, através de uma estreita ligação. Nos séculos 16 e 17, havia ampulhetas que marcavam tempos de quinze ou trinta minutos e também de uma hora.

Todavia, não é sem propósito que quando entramos em férias, o primeiro adereço a ser aposentado é o relógio, e como prática salutar também, mesmo ficando em casa, instituímos dias sem-computador. Vejo que esse comentário que havia feito no Sete escritos sobre Educação e Ciência já esta desatualizado, pois com a advento de os telefones celulares serem multiuso os relógios de pulso estão tendo o mesmo destino que tiveram seus antecessores: os de bolso.

Pelo que se pode inferir de relatos históricos ainda na Idade Média, a percepção do tempo era algo naturalizado. Ao inverno seguia-se a primavera, o verão, o outono. Tempos de semear, sucediam-se a tempos de cuidar das plantações, para então vir tempos de colheitas, para então se recomeçar o ciclo. Vale a pena ver como eram os nomes dos meses no Calendário Revolucionário$ surgido com a Revolução Francesa, já no Século das Luzes. Outra sucessão temporal naturalizada era a manhã, que sucedia a madrugada, que por sua vez seguia com o após o meio dia, e depois à noite.

O dia conventual era dividido de acordo com o ritual dos ofícios. Por não haver uma hora oficial, o convento com os seus chamados à oração, determinavam por meio dos sinos a hora da população que vivia em seu entorno, sem que houvesse uma universalização; assim, cada convento tinha sua hora, e cada aldeia vivia seu ritmo.

Nos conventos e nas igrejas, e isso passava naturalmente a toda a Cristandade, o calendário litúrgico era que definia a vida de homens e mulheres. Assim, o ano começava com Advento, quatro semanas antes do Natal, para depois vir o Natal e Festa de Reis, seguindo a quaresma, inaugurada com a Quarta-feira de Cinzas, antecedida com o adeus à carne (talvez, daí o Carnaval) e encerrada com a Páscoa; ao período pascoal seguia-se o tempo de Pentecostes, para o ano recomeçar no Advento.

Quando escrevo acerca das determinações de ‘começo de ano’ recordo que em um mês março recente envolvido em uma discussão anódina e inócua: o ano para os brasileiros só começa na primeira segunda-feira depois do carnaval. E nem mencionei a ser essa a primeira segunda-feira da quaresma, pois que balizar o tempo presente com marcas religiosas a uma era cada vez mais laica, parece um despropósito. Mas me permito justificar as duas adjetivações dadas à discussão. A primeira anódina, em sentido metafórico, segundo o Houaiss, ‘pouco eficaz; sem importância ou interesse; banal, insignificante, medíocre’, realmente tal discussão não ajuda em nada, serve apenas para reforçar preconceitos inadequados que nos impingem de que somos (os brasileiros) um povo preguiçoso. Nesse ano de 2006 fui convidado a debater o tema em badalado programa radiofônico e me neguei, pois me pareceu a quem já estava então vivendo a terceira semana letiva, era algo realmente anódino. A segunda, também numa das acepções do Houaiss ‘incapaz de produzir o efeito pretendido’ mostra o quanto discutir tal polêmica não vai fazer com que se mude a olhada acerca do real começo do ano diferentemente.

Pretendo na próxima semana completar esse tríduo de blogadas acerca do tempo falando um pouco mais sobre relógios. A blogada de amanhã terá sabor de quase férias.

6 comentários:

  1. Ola Mestre Chassot! Realmente o ocorrido no Haiti nos mostra que as tragedias naturais não escolhem classes sociais e não classificam povos. Um territorio arrasado pela pobreza, em sua grande maioria, e o hotel mais luxuoso, com hospedes internacionais, é um dos prédios a ruir. Tens razão de que somente a empatia não contribui, há que se fazer mais. Abraço JB

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  2. Meu caríssimo colega e amigo Jairo,
    vale recordar todavia que se um terremoto com a mesma intensidade ocorresse no Japão os estragos seriam menores e as condições de socorro às vítimas seria melhores,
    Vamos fazer algo!
    A amizade do
    attico chassot

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  3. Professor Chassot

    Outra catástrofe, num mundo diferente, nos chama a realidade. Temos que fazer algo, nem que seja como "a andorinha que colocava as conchinhas no mar." Adorei a explicação sobre a contagem do tempo, aprendi muito. Vou continuar assiduamente a leitura das blogagens, isso faz a diferença e é uma conchinha devolvida ao mar, isto é, uma voz que se posiciona a respeito da natureza e o que o homem está a fazer com com ela.
    Um grande abraço.
    Eloí

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  4. Estimada Elói,
    é muito bom te ter como leitora e melhor ainda como comentarista aqui.
    Realmente hoje estamos todos muito tristes. Um mundo que se diz globalizado não poderia ter um Haiti impotente para recuperar-se de uma catástrofe tão dolorosa. A noticia da morte de Zilda Arns me fez ter os olhos umedecidos de dor.
    Não foi o Haiti ou o Brasil que há perdeu, O Planeta perdeu uma das mulheres mais valorosas.
    Uma vez mais registro minha satisfação por tê-la como leitora e comentarista,
    e um afago do
    attico chassot

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  5. Mestre Chassot, parece que o tempo se fez temática semanal. Em termos de teoria, convém lembrar como a divisão e o controle do tempo são essencias para o trabalho e para a composição do que Marx definiu como "mais-valia".

    Quanto ao tempo na Idade Média, convém ressaltar, através de uma pregunta simples, o papel dominante da Igreja na sociedade: onde ficavam os grandes relógios? A resposta não poderia ser menos surpreendente: nas torres das igrejas/catedrais.

    Tomara que haja mais tempo para falarmos sobre o tempo.

    Ótimo dia.

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  6. Meu caro Marcos,
    primeiro uma justificativa de só hoje responder ao teu comentário diário. À noite deixei o meu feitor mais cedo para ver na televisão algo daquela que é talvez a maior tragédia que presenciei em minha história.
    Estou consternado.
    Bem posta a tua observação. Era aquela que controla(va) as almas e os corpos que exibia relógios e sinos para regrar o rebanho.
    Agora podemos dizer: ‘É amanhã’ a esperada formatura!’
    Com expectativa para o shabath que inaugurará minhas férias,
    attico chassot

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