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sexta-feira, 22 de março de 2019

22.-Ainda no celebrar de uma história




ANO
 13
AGENDA 2 0 1 9
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EDIÇÃO
3398
Como anunciado na edição do dia 8, esta blogada é a última do tríduo formado por três blogadas comemorativas a um aniversário que para mim é muito significativo. No dia 13 de março de 1961 eu dei a minha primeira aula. Desde então celebro nesse dia o meu aniversário de ser professor. Assim, completei 58 anos de professor, iniciei então a 59ª volta ao redor do sol enquanto professor, isto é, desde  o dia 13 de março vivo o meu 59º ano letivo e por tal o terceiro excerto do primeiro capítulo do Memórias de um professor: hologramas desde um trem misto.
1961 (parte três) Em Montenegro procurei sem sucesso algum emprego em escritório de alguma empresa. Em qualquer lugar era descartado por falta de experiência. Minha busca de emprego se dava em uma área que eu, há três anos, rejeitara. Deixara, então, a cidade porque as duas únicas opções depois de se terminar o ginásio eram curso de magistério, há época exclusivamente feminino; e, técnico em contabilidade, que não estava no horizonte de quem sonhava voar mais alto. Agora o reprovado no vestibular buscava emprego em algum escritório. Imaginem-se quantos técnicos em contabilidade deveria haver disponíveis. Quem empregaria alguém que tinha feito o curso científico?
Minha mãe, sempre muito pragmática no comando de sete filhos, teve então uma ideia audaciosa. Por que tu não vais ao Colégio Jacob Renner? Lá podem estar precisando de professor. Havia na proposta de minha mãe duas fabulosas ousadias: a mais significativa, ela muito católica recomendar-me uma escola mantida pela Igreja Episcopal; é preciso recordar que o Concílio Vaticano II só começaria no ano seguinte, e o vigário católico da cidade negava a eucaristia aos pais que colocassem os filhos no Jacob Renner, que era uma escola gratuita. Professores católicos certamente mereceriam a excomunhão. A outra, o crédito que ela tinha no seu filho, admitindo que esse tivesse requisitos de ser professor. Mãe é mãe!
Na manhã de 13 de março fui ao Jacob Renner, sendo entrevistado pelo diretor Reverendo Ernst Bernhoeft, alma-mater do Colégio. Não me lembro o que ele me perguntou, mas sai da escola com emprego. Lecionaria matemática nas duas 1ªs e duas 2ªs series do curso ginasial. O curso ginasial era até a reforma do ensino imposta pela Lei 5692, de agosto de 1971, formado por quatro anos. O ginasial sucedia aos cinco anos do curso primário e era acessado mediante exame de admissão ao ginásio. As séries que me foram destinadas corresponderiam no sistema de hoje a 6ª e 7ª do ensino fundamental. Era uma segunda-feira. As aulas começariam na quarta-feira. Programei-me para ir a Porto Alegre no dia seguinte buscar meus livros, pois não trouxera ainda minha mudança, e preparar-me para a grande estreia. Todavia naquele mesmo dia ainda aconteceria algo inusitado.
No começo da tarde, batem na casa de meus pais, para onde eu retornara depois de meus fracassos no vestibular, – e perguntam pelo ‘Professor Attico!’. Eu, não sem alta dose de atrapalhação, pois nunca fora assim antes chamado, respondo que era eu. ‘O Reverendo mandou este livro para o senhor preparar uma aula para hoje à noite, pois o professor do 3º científico vai faltar!’. Engoli em seco e recebi o livro de Matemática do 3º ano colegial, do Ary Quintella. Ainda tenho o livro de capa verde, com um desenho de uma função derivada na capa. Quem se preparava nervosamente para a estreia daí a dois dias, pariria a fórceps seu debute no magistério ainda aquela noite.
Lembro-me que parti da João Pessoa, 1884 e desci a Oswaldo Aranha, até perto da Estação da Viação Férrea, onde ficava o Jacob Renner, numa quase noite. Pelo caminho repeti várias vezes a aula sobre ‘números complexos’ que preparara para alunos da mesma série que eu frequentara no ano anterior. Só fazia aos céus um pedido: que ninguém me perguntasse nada. Não recordo muito da aula, a não ser que sentia o suor pingar na minha espinha. Lembro do grupo. Eram talvez 10 alunos, dos quais mais de um, no verão seguinte preparou o vestibular comigo. A história da falta do professor era blefe. Tornei-me, depois deste teste, professor da turma.
As aulas de matemática no ginásio eram mais difíceis do que aquelas do científico. Das aulas da noite para as da manhã havia uma diferença de seis anos de escolarização e eu fazia com muitas dificuldades essa transição. Ensinava álgebra no ginásio, mas eu não sabia fazer as abstrações exigidas. Tinha que ensinar o algoritmo da raiz quadrada (que hoje não sei mais fazer!) e imaginar problemas para contextualizar o assunto.
 Logo na primeira semana a colega Maristela Lampert, por ter muitas aulas no colégio, passou-me as suas aulas de Ciências nas turmas de 3ª e 4ª séries do Ginásio, assim ministrava aulas nas quatro séries do ginasial. Lembro que nessas aulas de Ciências tinha que ensinar o aparelho reprodutor humano masculino e feminino para um bando de adolescentes inquietos. Logo em seguida, assumi as aulas de Ciências da turma do 1º ano de magistério, onde havia talvez umas 20 moças e um rapaz e eu era quase vaiado quando me referia às alunas e não aos alunos; referir-se, como agora, a alunas e alunos, então, não era usual. Só viemos aprender isso com Paulo Freire muito depois.
 Lecionava em uma das quatro séries do Ginásio e nas três do Científico [no capítulo seguinte conto como o ‘acaso’ me fez professor de Química e quanto isso foi decisivo na escolha de fazer vestibular para outro curso], mais uma série do Curso de magistério. O Reverendo me dizia que meu salário era bem maior que o dele. Só lamento muito que então, não tivesse como hoje ‘meu diário’ manuscrito; este só começou em 1985 e será muito útil quando na segunda metade desta história.
Tenho ainda muito a contar deste ano 1 de minha história, mas a proposta do tamanho dos capítulos não pode ser fraudada logo no primeiro. Assim, 1961 há de voltar aqui já no capítulo seguinte.

Um comentário:

  1. Graças a esse livro, consegui valiosas informações para o escrito, a caminho de sua conclusão, sobre a Biblioteca de Alexandria. Também foi por esse livro, que fiz contato com Chassot, com a recompensa de entrevistá-lo sobre a Grande Biblioteca. Então, só posso agradecer ao meu bom amigo, autor e professor, pela disposição em compartilhar seus saberes, suas letras e sua vida. Obrigado, Mestre!

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