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sexta-feira, 9 de março de 2018

09.-Para celebrar março mais um pouco



ANO
 12
Livraria virtual
Www.professorchassot.pro.br
EDIÇÃO
3345


A edição semanal do blogue hoje é publicada a poucos minutos de começar o segundo shabath deste março. Estou na linda (e atribulada) Rio de Janeiro. Ontem,8 quinta-feira proferi a aula inaugural do Curso de Licenciatura em Química e do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências (PROPEC) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro IFRJ Campus de Nilópolis e, por ser o dia internacional da Mulher, o tema da palestra parece ter sido muito bem proposto pelo Prof. Dr. Jorge Messeder coordenador do evento. Estar mais uma vez em Nilópolis e receber os acarinhamentos de meus colegas e dos alunos do IFRJ e sempre muito bom.
Na edição passada dizia que entre muitos eventos que fazem março festejado estava no meu calendário o 13 março de 1961, dia de celebração do acaso que me fez professor. Assim neste março festejo a alegria de ser há 57 anos professor.  Vou estar na data na Universidade Federal do Amazonas, no Departamento de Biologia, a convite da Professora Dra. Irlane Maia de Oliveira, de quem fui orientador no mestrado.
Para marcar esta celebração transcrevo um excerto do 1º capítulo Memórias de um professor: holograma desde um trem misto (Editora Unijui, 2012, 507 p.) onde dou destaque para como tudo como começou.
Terminado os três anos de científico, fiz em janeiro, vestibular na UFRGS para Engenharia. Então se fazia vestibular unificado para a Escola de Engenharia e a opção por uma modalidade (Civil, Minas, Química...) acontecia durante o 1º ano. Fui reprovado em desenho. Não consegui desenhar uma parábola, como o exigido, com tinta nanquim. Em fevereiro, na segunda chamada, se repetiu o meu insucesso, pela mesma razão. Fiquei muito frustrado. Não sabia o que fazer. Vi que não havia sentido ficar em Porto Alegre, pois meu emprego servia para pagar o aluguel de um quarto de um apartamento que ficava na avenida Getúlio Vargas, que eu compartia com o colega de Julinho Omilton Bonotto, que fora aprovado na Medicina.
Em Montenegro procurei sem sucesso algum emprego em escritório de alguma empresa. Em qualquer lugar era descartado por falta de experiência. Minha busca de emprego se dava em uma área que eu, há três anos, rejeitara. Deixara, então, a cidade porque as duas únicas opções depois de se terminar o ginásio eram curso de magistério, há época exclusivamente feminino; e, técnico em contabilidade, que não estava no horizonte de quem sonhava voar mais alto. Agora o reprovado no vestibular buscava emprego em algum escritório. Imaginem-se quantos técnicos em contabilidade deveria haver disponíveis. Quem empregaria alguém que tinha feito o curso científico?
Minha mãe, sempre muito pragmática no comando de sete filhos, teve então uma idéia audaciosa. Por que tu não vais ao Colégio Jacob Renner? Lá podem estar precisando de professor. Havia na proposta de minha mãe duas fabulosas ousadias: a mais significativa, ela muito católica recomendar-me uma escola mantida pela Igreja Episcopal; é preciso recordar que o Concílio Vaticano II só começaria no ano seguinte, e o vigário católico da cidade negava a eucaristia aos pais que colocassem os filhos no Jacob Renner, que era uma escola gratuita. Professores católicos certamente mereceriam a excomunhão. A outra, o crédito que ela tinha no seu filho, admitindo que esse tivesse requisitos de ser professor. Mãe é mãe!
Na manhã de 13 de março fui ao Jacob Renner, sendo entrevistado pelo diretor Reverendo Ernst Bernhoeft, alma-mater do Colégio. Não me lembro o que ele me perguntou, mas sai da escola com emprego. Lecionaria matemática nas duas 1ªs e duas 2ªs series do curso ginasial. O curso ginasial era até a reforma do ensino imposta pela Lei 5692, de agosto de 1971, formado por quatro anos. O ginasial sucedia aos cinco anos do curso primário e era acessado mediante exame de admissão ao ginásio. As séries que me foram destinadas corresponderiam no sistema de hoje a 6ª e 7ª do ensino fundamental. Era uma segunda-feira. As aulas começariam na quarta-feira. Programei-me para ir a Porto Alegre no dia seguinte buscar meus livros, pois não trouxera ainda minha mudança, e preparar-me para a grande estreia. Todavia naquele mesmo dia ainda aconteceria algo inusitado.
No começo da tarde, batem na casa de meus pais, para onde eu retornara depois de meus fracassos no vestibular, – e perguntam pelo ‘Professor Attico!’. Eu, não sem alta dose de atrapalhação, pois nunca fora assim antes chamado, respondo que era eu. ‘O Reverendo mandou este livro para o senhor preparar uma aula para hoje à noite, pois o professor do 3º científico vai faltar!’. Engoli em seco e recebi o livro de Matemática do 3º ano colegial, do Ary Quintella. Ainda tenho o livro de capa verde, com um desenho de uma função derivada na capa. Quem se preparava nervosamente para a estreia daí a dois dias, pariria a fórceps seu debute no magistério ainda aquela noite.
Lembro-me que parti da João Pessoa, 1884 e desci a Oswaldo Aranha, até perto da Estação da Viação Férrea, onde ficava o Jacob Renner, numa quase noite. Pelo caminho repeti várias vezes a aula sobre ‘números complexos’ que preparava para alunos da mesma série que eu frequentara no ano anterior. Só fazia aos céus um pedido: que ninguém me perguntasse nada. Não recordo muito da aula, a não ser que sentia o suor pingar na minha espinha. Lembro do grupo. Eram talvez 10 alunos, dos quais mais de um no verão seguinte preparou o vestibular comigo. A história da falta do professor era blefe. Tornei-me, depois deste teste, professor da turma.
As aulas de matemática no ginásio eram mais difíceis do que aquelas do científico. Das aulas da noite para as da manhã havia uma diferença de seis anos de escolarização e eu fazia com muitas dificuldades essa transição. Ensinava álgebra no ginásio, mas eu não sabia fazer as abstrações exigidas. Tinha que ensinar o algoritmo da raiz quadrada (que hoje não sei mais fazer!) e imaginar problemas para contextualizar o assunto.
 Logo na primeira semana a colega Maristela Lampert, por ter muitas aulas no colégio, passou-me as suas aulas de Ciências nas turmas de 3ª e 4ª séries do Ginásio, assim ministrava aulas nas quatro séries do ginasial. Lembro que nessas aulas de Ciências tinha que ensinar o aparelho reprodutor humano masculino e feminino para um bando de adolescentes inquietos. Logo em seguida, assumi as aulas de Ciências da turma do 1º ano de magistério, onde havia talvez umas 20 moças e um rapaz e eu era quase vaiado quando me referia às alunas e não aos alunos; referir-se, como agora, a alunas e alunos, então, não era usual. Só viemos aprender isso com Paulo Freire muito depois.
 Lecionava em uma das quatro séries do Ginásio e nas três do Científico [no capítulo seguinte conto como o ‘acaso’ me fez professor de Química e quanto isso foi decisivo na escolha de fazer vestibular para outro curso], mais uma série do Curso de magistério. O Reverendo me dizia que meu salário era bem maior que o dele. Só lamento muito que então, não tivesse como hoje ‘meu diário’ manuscrito; este só começou em 1985 e será muito útil quando na segunda metade desta história.


8 comentários:

  1. Uau. Uma leitura para provocar arrepios. História e testemunho vivo. Uma sabedoria produzida com vida, sem aplicativos virtuais/artificiais, sem glamour ou propósitos materiais e com esforço desmedido...
    Grande abraço.

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  2. Querido Chassot,

    Neste momento quem o parabeniza sou eu pelos 57 anos de sala de aula!
    Saiba que você é a inspiração de muitos professores, inclusive eu!

    Permita-me abraçá-lo, mais uma vez, por esses importantes 57 anos!!

    Meus alunos e eu também estamos expectantes!!!

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  3. Querido Professor Chassot,

    nós do IFRJ-Nilópolis ainda estamos enebriados pelos efeitos da sua palestra na nossa aula inaugural.
    Não se pergunta outra coisa: quando ele voltará?
    Espero que muito em breve!
    Muito obrigado querido Mestre!!!

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  4. Muito estimado colega Jorge,
    primeiro obrigado por teu tão generoso comentário no blogue acerca de minha estada no IFRJ Nilópolis. Também evoco as muitas emoções de nossa fabulosa quinta-feira naquele auditório superlotado: a atenção comovente, os intensos e extensos aplausos, placa que espraia no tempo a minha terceira estada em Nilópolis, as dezenas de autógrafos, as muitas fotos...
    Ao lado do publico adito meus agradecimentos pelas flores ofertadas a Gelsa, as refeições saborosas catalisadas pelo gourmet com expertise, o encontro com a Secretária de Educação de Niterói, as viagens com quatro travessias da ponte, o estar na linha Vermelha, na Dutra, enfim as muitas mordomias oferecidas.
    Tomara que ocorra um retorno.
    Minha saudosa gratidão,

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  5. Que saborosa história de longa e larga memória, meu amigo Attico! E lá se vão 57 anos de intensa dedicação! Que o digam aqueles que passaram por tuas aulas e por tua vida. Só quem muito vive tem muito a dizer! Meu abraço de alegria compartilhada com todos os participantes deste blog. Carinhosamente, Élcio.

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  6. Querido Attico,
    parabéns por teus 57 anos de magistério! Muita honra em te ter como amigo é uma admiração enorme por este peregrino da ciência! Grande abraço!

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    1. : Querido Paulo Marcelo muito obrigado por tua homenagem
      O Peregrino da ciência Aeroporto de Porto Alegre rumo à Manaus
      Saudades

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  7. Meu Caro Chassot

    Boa trazida da tua memória de docente. Parabéns pelos 57 anos dedicados à educação.

    Abraço
    Prof. Jairo Brasil

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