ANO
11 |
EDIÇÃO
3214
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Na última segunda-feira, 03 de outubro, houve mais uma conferência no Fronteiras
do Pensamento. Foi uma atividade da qual se sai grávido interrogações. E mais,
quando depois de uma hora de oitiva nos dizemos: “acerca disso eu nunca havia
pensado!”
O conferencista
de então foi o alemão Peter Sloterdijk, um dos mais conhecidos e lidos
filósofos na contemporaneidade. Considerado um dos renovadores da filosofia
atual, é autor de Crítica da razão cínica,
lançado em 1983 e que se tornou o maior best-seller alemão de filosofia desde a
Segunda Guerra Mundial. Seu título mais recente é O que aconteceu no século XX, sem publicação no Brasil e que traz ensaios
sobre globalização. Sistemas imunológicos, domesticação, selvageria e a cultura
dentro do contexto da teoria da evolução foram os principais temas de sua
conferência no Fronteiras do Pensamento em Porto Alegre.
O
filósofo iniciou sua fala contextualizando que, nos dias atuais, é possível
defender a tese de que a história inteira da humanidade seria uma história de
lutas por vantagens imunológicas. Neste sentido, a vida individualizada (ou
biós, do grego) pode ser caracterizada como uma fase de sucesso de sistemas
imunológicos. Ou seja: seguindo a definição da biologia sistêmica, não pode
existir uma forma de vida que não se preocupe com a conservação de suas
estruturas imunitárias. “Se citarmos a afirmação metabiológica segundo a qual
sistemas imunológicos seriam incorporações de expectativas de lesões ou
expectativas de algum dano, fica claro que as culturas humanas, na medida em
que essas representam a totalidade de procedimentos preventivos — ou, podemos
dizer, as tradições —, são elaboradas com maior sensibilidade contra imunidade
do que as espécies animais e vegetais. E nem todo mundo sabe que o conceito da
imunidade originalmente não foi um conceito biológico, mas sim jurista, que foi
utilizado como metáfora na biologia”, explicou.
[...]
No século XX, emergiu uma nova definição para a condição humana e que partia,
principalmente, do entendimento de que as categorias da evolução não seriam
suficientes para descrever domesticações necessárias. Tanto de animais
domésticos quanto do rei dos animais domésticos, o ser humano. Os indivíduos se
aproveitam de um clima semicultural criado e adaptado. Assim, não sobrevivem os
mais adaptados à natureza externa, mas os que possuem a melhor capacidade de
aprendizado e sociabilidade e as vantagens bioestéticas.
Os
mamíferos que cuidam da prole impõem um alto padrão de segurança e cuidados com
os filhotes. Nestes seres vivos, os filósofos observam um complexo de
características descrito, desde o final do século XIX, como neotenia. Ou seja,
a fixação de propriedades de juventude. “A prematuridade humana é um termo
técnico cunhado por Adolf Portmann, filósofo e biólogo em meados do século XX,
para colocar a neotenia no centro da nova antropologia.” Assim, a fase juvenil
no ciclo de vida humana se prolonga excessivamente e um jovem precisa de 20
anos de educação para poder se integrar na vida social.
Para
Sloterdijk, o ser humano deve ser compreendido como um sujeito cultural desde
as suas etapas elementares. “A cultura como um todo funciona como uma grande
incubadora. O termo em inglês seria incubator. Que se coloca sobre os seus
membros. Nesses termos, todas as culturas são sistemas solidários como
contêineres, e todos os contêineres culturais são comunidades protetoras às
quais atribuímos características de sistemas imunológicos.” E, devido à sua
extrema neotenia, é preciso compensar as perdas que o homo sapiens sofreu. Os
psicólogos modernos já alertam para os perigos do enfraquecimento da figura da
autoridade nas sociedades pós-modernas.
[...]
Sloterdijk finalizou retornando à pergunta: a humanidade sabe se domesticar?
Uma resposta que, para ele, precisa ser dividida em duas partes. “A primeira
seria: se essa autodomesticação deverá ser esperada para o futuro próximo. A
resposta é claramente não. Com muita probabilidade, a primeira metade do século
XXI deve lembrar os excessos do século XX. Estamos hoje numa situação que
lembra o ano de 1914. As perdas de vida podem crescer infinitamente, e os danos
para a cultura serão incalculáveis. Podemos ver as destruições no Oriente
Médio, na Europa. Isso mostra em que direção o desenvolvimento está indo.”
A
segunda parte da resposta se concentra na perspectiva a longo prazo, que,
segundo ele, deve ter uma avaliação positiva. “Se for possível controlar ambos
os explosivos biológicos das culturas humanas, ou seja, os programas de
estresse polemofílicos e os programas de reprodução excessivos nas culturas
individuais a longo prazo, o prognóstico para o processo da autodomesticação
global certamente será positivo. Sob a pressão das coerções da coexistência
global, a solidariedade entre as culturas poderia algum dia equilibrar a
competição acirrada entre elas.”
Apossei-me
na produção desta edição de excertos de um bem elaborado resumo da conferência
produzido por Luciana Thomé que pode ser acessado na integra em www.fronteiras.com/resumos
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