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sábado, 31 de janeiro de 2015

31.- DESDE A PRECIOSA CRACÓVIA


ANO
 9
C R A C Ó V I A – Polônia
EDIÇÃO
 3007

Estamos pela primeira vez na encantadora Cracóvia, fundada por volta do ano 700. Esta deve ser a 36ª cidade no exterior onde este blogue é postado. Esta é a 4ª das cinco edições previstas para as férias de 2015.
Chegamos aqui no último domingo, no começo da tarde. Nevava muito. A viagem de trem, com duração de pontualíssimas 2,5 horas merece pelo menos dois comentários: 1) internamente um conforto melhor que na primeira classe de um avião. 2) no exterior, cerca de 320 km de linda paisagem totalmente branca pela neve que caia desenhando um cenário de presépio.
Mesmo com intempéries, era preciso ver logo a parte da cidade tombada pela UNESCO como patrimônio da humanidade. Na tarde de domingo vivi um dos dias com neve dos mais adversos (se comparado com situações de neves mais intensas vividas, por exemplo, em Estocolmo e Aalborg). Mesmo nestas condições já sentimos a pujança de uma cidade com cerca 850 mil habitantes.
Trago, a seguir, breves relatos de alguns destaques nas atividades de dias desta semana, na qual o sol, que Copérnico — um dos filhos mais ilustres desta terra alçou a centro do Universo — foi o grande ausente.
Na segunda-feira, o ponto alto foi a visita ao excelente museu em que foi transformada a Fábrica de Esmaltados 'Emalia', na rua Lipowa, n. 4, de Oskar Schindler#. A proposta museológica é retratar — faz isso com competência — o período 1939—1945, que Cracóvia, sob ocupação nazista, foi capital da Polônia ocupada.
# A Lista de Schindler (Schindler's List) um filme estadunidense de 1993 sobre Oskar Schindler, um empresário alemão que salvou a vida de mais de mil judeus durante o Holocausto ao empregá-los em sua fábrica. O filme foi dirigido por Steven Spielberg. O filme foi um sucesso de bilheteria e recebeu de sete Oscars, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor (Spielberg), como também muitos outros prêmios. É considerado pela crítica especializada como um dos melhores filmes já feitos.
O museu ocupa o prédio da administração e extensa planta fabril, no distrito industrial na rua Lipowa, n. 4, da cidade de Zablocie na margem direita do rio Vístula. Exposições com artefatos de época, fotos e documentos com multimídia e diversos arranjos de impressionante qualidade, são uma tentativa bem sucedida de criar uma experiência de imersão total no clima de dominação e de tortura engendrado pelos nazistas.
A presença nazi na cidade foi tão radical que até o nome foi mudada para Krakao. Como fora trazido uma imensa quantidade de pessoas para a ocupação, as residências da Alemanha de poloneses eram visitadas e seus moradores recebiam ordem de desocupar o prédio, levando apenas os pertences pessoais (moveis deviam ser deixados). O não cumprimento da ordem podia significar pena de morte.
A mostra começa na Cracóvia dos anos 1930, em um ateliê de fotografia. Nas fotos, pode-se observar mulheres chiques passeando pelas ruas e judeus bem-humorados a caminho da sinagoga. A atmosfera era descontraída no pré-guerra.
No dia 6 de setembro de 1939, soldados alemães invadiram Cracóvia, cuja história durante a Segunda Guerra é contada de forma cronológica. Assim o visitante da exposição fica sabendo que 184 professores da universidade Jagiellomiam convocados para aula inaugural, foram presos e deportados pelos nazistas em 6 de novembro de 1939. Depois, o visitante é levado a um bunker, ao gueto dos judeus e à estação central da cidade, de onde a população judaica era deportada.
A exposição, concebida por cenógrafos e diretores de teatro, é composta de enormes painéis de parede em tamanho natural, displays digitais e telas multimídia, que auxiliam o visitante a compreender melhor as atrocidades daquele tempo através de ferramentas visuais e acústicas.
Mesmo tendo ainda visto palácios, sinagogas, catedrais, igrejas, zonas do gueto nada superou o Museu da Fabrica de Oskar Schindler.
Na terça-feira saímos com neve e temperatura de cerca menos 10 graus. Vimos igrejas, galerias e museus no centro histórico. Mas o ponto alto foi ao MOCAK Museum of Contemporary Art in Kraków, inaugurado em maio de 2011, onde vimos exposição de arte contemporânea polonesa que desconhecíamos e nos encantou.
Neste 27 de janeiro, Cracóvia, mais especialmente Oswiecim, esteve movimentada de maneira excepcional com a celebração dos 70 anos de liberação dos campos de concentração de Auschwitz e Birkenau. Isto reuniu aqui, cerca de 300 sobreviventes e entre outros representantes de 44 países. Houve, então, cenas muito emocionantes.
Na quarta-feira estive em Auschwitz e Birkenau. Quase que deveria sustar aqui meu registro. São inenarráveis as emoções. As velas depositadas pelas comemorações dos 70 anos dia anterior, antes referidas, ainda estavam acessas; as flores não haviam murchado.
Vivi por mais por cerca de 1,5 hora em cada dos dois campos de extermínios momentos por demais emocionantes Estar em cenários que de maneira tão densa documentam uma das maiores barbáries, de todos os tempos, cometidas por humanos contra milhões de crianças, mulheres e homens infundiu-me tamanha dor que parece deveria apenas fazer silêncio.
Em Auschwitz, com 28 prédios, por exemplo, contemplar locais dos banhos antes do acesso a câmaras de gás e depois a crematórios. Conhecer o paredão das execuções e as forcas. Impressionar-me com as tentativas (muitas vezes frustradas) de resistências. Ver locais de experimentos promovidos em mulheres e crianças. Percorrer vitrines com toneladas de sapatos (de crianças, de mulheres, de homens) de óculos, de próteses, de louças e esmaltados, de malas endereçadas, de roupas de bebes e crianças fere-nos tão profundamente que parece que vivemos um pesadelo.
Em Birkenau — um dos 45 campos satélites de Auschwitz, que chegou a ter 300 barracões — caminhar sobre a neve e entre árvores desnudas ver numa extensa área de 175 hectares dezenas de chaminés de crematórios é tão incrível que parece estarmos vendo um filme de ficção.
Não tenho condição de narrar mais nada. Se algum leitor quiser saber mais acerca 1,3 milhões de pessoas que morreram ali: a maioria gaseificada e 500.000 de fome e doenças, sendo 90% deles de judeus. Outros deportados e executados ali foram 150 mil poloneses, 23 mil ciganos romenos, 15 mil prisioneiros de guerra soviéticos, cerca de 400 Testemunhas de Jeová e dezenas de milhares de pessoas de diversas nacionalidades, basta colocar em qualquer buscador a palavra que não cessa de martelar em meus ouvidos
: Auschwitz.
Na quinta-feira, depois do pesado dia anterior, fizemos aquela que é tida como a maior atração turística polonesa e sem similar no Planeta: visita à mina de sal de Wieliczka. Ela está localizada a 15 km a sudeste da cidade que pertence à região urbana de Cracóvia. Ela está incluída na lista da Unesco de Patrimônios da Humanidade. A produção industrial de sal estendeu-se do século 13 até anos recentes; na atualidade sua vocação é 100% voltada ao turismo.
A visita inicia-se com a descida de uma escadaria em madeira 54 lances de sete degraus cada (378 degraus). Depois se continua descendo para chegar a profundidade de 135 metros, descendo um total 820 degraus (muitos deles feitos de sal) percorrendo mais de 2,5 quilômetros, em mais de 1 hora. A volta se faz em um elevador que ascende em cerca de 50 segundos. Este último dado é para se avaliar o potencial turístico do investimento.
Em seu interior encontram-se dezenas de esculturas, baixos relevos e até uma igreja completa, que levou 30 anos para ser terminada. Muito dos trabalhos originais foram feitos pelos próprios mineiros, mas recentemente escultores profissionais passaram a produzir obras aqui.
Há destaque para monumentos (todos de sal) de alguns dos visitantes mais ilustres. Assim há uma câmara em que se homenageia um dos seus primeiros visitantes ilustres: Nicolau Copérnico (ao lado). Também há uma imensa escultura em homenagem a Goethe, como um reconhecido cientista. Na capela principal, onde há missas dominicais, com imensas esculturas e lustres todos de sal. Nesta linda capela, a 135 metros de profundidade há uma escultura de São João Paulo II, que visitou a capela várias vezes, antes de ser papa, especialmente enquanto arcebispo de Cracóvia.
Há também junto à capela, salões para diversos eventos como casamentos, formaturas, banquetes. Há clinicas de repouso e até locais para crianças passar uma noite na mina.
Há uma lenda que explica a origem da mina: Santa Cunegunda#, filha de um rei húngaro, foi prometida ao rei da Polônia. Ao receber do pai, como dote, muito ouro e pedras preciosas, recusou-as, dizendo que tinham origem nas lágrimas e no sangue do povo. Em vez de riquezas, pediu sal, um bem essencial. Seu pai ofereceu-lhe então uma mina de sal na Transilvânia. Em homenagem ao presente, Cunegunda atirou o seu anel para dentro da mina. Mais tarde, 
já na Polônia, realizou uma viagem por Cracóvia, chegando à zona de Wieliczka, pediu aos seus súbditos que cavassem um buraco profundo. Para espanto de todos, o buraco continha sal em abundância. E continha também o anel que Cunegunda deixara na Transilvânia. A partir dessa altura, as minas passaram a ser exploradas e tornaram-se da maior importância na Europa. Esta lenda está representada numa das galerias da mina, através de esculturas realizadas pelo mineiro Mieczyslaw Kluzek.
#Santa Cunegunda (1224-1292). Rainha da Polônia Virgem e religiosa. Canonizada por João Paulo II em 1999, sendo declarada padroeira dos mineiros. Casou-se com Boleslau V, o Casto, príncipe de Cracóvia, em 1239, vivendo com ele durante 40 anos em virgindade: durante a vida do casal, o casamento nunca foi consumado por decisão do casal, para servir melhor a Jesus Cristo.
Na sexta-feira, visitamos o Museu Judaico da Galícia quando aprendemos muito sobre 800 anos de presença judia na Cracóvia.
O acervo do Museu se destaca por um acervo de fotos reveladoras da cultura judaica, dos locais do Holocausto e das modernas interpretações do que significa ser judeu na Cracóvia.
Este museu moderno foi inaugurado em 2004. Ele se localiza em uma antiga fábrica judaica e foi criado pelo fotojornalista Chris Schwarz, que desejava comemorar a vida judaica na cidade da Cracóvia. Em vez de expor fotos e relíquias antigas, a exposição principal do museu contém seleções de mais de 1.000 fotos tiradas durante 12 anos, desde o início da década de 1990. O enfoque são as perspectivas modernas de eventos históricos e a cultura judaica da cidade. Após a visita fizemos um passeio por outros locais judeus da Cracóvia.
Na noite de ontem fizemos uma saída especial para quase dar um adeus a esta linda cidade que nos acolhe desde domingo. Os encantamos com estes dias e cabia uma despedida especial.
Na manhã deste sábado, nossa programação prevê a visitação de museus do Collegium Maius (Grande Escola), na parte antiga de Cracóvia. É o prédio mais antigo da Universidade Jaguelônica (polonês: Uniwersytet Jagielloński) que está classificada dentre as universidades de elite da Europa. Foi fundada em 1364 por Casimiro III, o Grande como Akademia Krakowska e desde então está entre as mais antigas universidades da Europa e do mundo, a segunda mais antiga da Europa Central (depois da Universidade de Praga).
Casimiro III percebeu que a nação precisava de uma classe de pessoas instruídas, especialmente advogados, que podiam codificar as leis e administrar os tribunais e cargos de governo no Estado unificado. Ele também observou que o número de paróquias estava aumentando e suas 3 000 escolas estavam com falta de professores. Seus intensos esforços em fundar uma instituição de ensino superior na Polônia foram recompensados em 1364, quando o Papa Urbano V lhe deu a permissão para criar a Academia Cracóvia. Seu desenvolvimento foi protelado pela morte do rei e mais tarde a universidade foi reinstalada (1400) pelo Rei Wladislaus Jagiełło e sua esposa Jadwiga. A rainha doou todas as suas joias pessoais para a universidade, possibilitando com isso a matrícula de 203 estudantes. No fim do século, cerca de 18 000 estudantes, muitos deles estrangeiros, 50% de origem burguesa, tinham passado por seus portões. As faculdades de astronomia, direito e teologia atraíram eminentes estudiosos. Destaco dois alunos importantes, entre muitos listados. Nicolau Copérnico (1473-1543) e Karol Wojtyła, depois, João Paulo II (1920-2005).
Depois de termos alterado a parte final de nossa programação (a França só será ponto de trânsito), retornarmos às 14h de trem para Varsóvia, de onde na terça-feira iniciamos o retorno Varsóvia / Paris / Guarulhos / Porto Alegre, onde sonhamos chegar na manhã de quarta.

11 comentários:

  1. Caro Chassot

    Uma linda e emocionante viagem. Lembrei da presença de Viktor Frankl e suas significativas observações sobre a influência da espiritualidade sobre a capacidade de resiliência dos prisioneiros.

    Bom final de viagem e ótimo retorno.

    Um abraço.

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  2. Muito estimado colega Garin,
    obrigado pelos votos e pela parceria nesta viagem.
    Victor Frankl é particularmente referido no Museu de Auschwitz.
    Com estima

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  3. Pai

    Muito lindo tudo !

    Saudades e um ótimo retorno

    Bernardo

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  4. Ei, Chassot:

    Pelo visto você está em mais uma de suas atraentes viagens.Desas que dão água na boca e nos olhos. Em uma cidade que atrai por seu passado, inclusive o tenebroso. O horror do holocausto, que ao fim da guerra parecia ser página virada da história, nunca deixou de nos assolar. Agora, 70 anos depois, a civilização ocidental e cristã volta a flertar com o ódio étnico, invertendo a mão da barbárie. Que a a gente sensata supere as vozes intolerância e combata o terrorismo, sem abir mão dos preceitos de humanidade e sem apelar para ódio.
    Um grande beijo, para você e Gelsa.

    Mauro

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  5. Querido Chassot,

    Obrigada por compartilhar tanto conhecimento, que aula maravilhosa a céu aberto!!!
    Compartilho da tua dor, o nazismo não pode ser esquecido, pois nos confronta com a capacidade de psicopatologizar coletivamente. Homem lobo do homem.....
    Obrigada.
    Forte abraço, desfruta da viagem e da Vida.
    Denise Quaresma

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  6. Mestre,

    Que lugares fascinantes o senhor está visitando! Alguns lindos, alguns horríveis (mas que precisam ser lembrados)... que coisa encantadora essa mina de sal de Wieliczka, da qual eu nunca tinha ouvido falar. Mais um lugar no mundo que preciso conhecer :-) Aproveite bastante a viagem, o senhor merece muito!

    Grande abraço!

    Juliano

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  7. Mestre Chassot.
    Espetacular deve ser estar contemplando todo este cenário prenhe de história. Certamente não há como se emocionar ao observar os locais onde se deram estas execuções. Quero ouvir histórias no teu retorno. Abraço a voce e à Gelsa.
    JB

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  8. Oi Chassot,

    li com emoção e deleite teu relato. Comentei com minha mãe: Chassot foi visitar os campos de concentração. Respondeu-me: "Que coragem!". Concordei. É preciso ter coragem sim, para ver os indícios do que há de pior no ser humano. Espero um dia conseguir, pois é uma experiência que ao mesmo tempo que choca, revolta e repugna também nos inspira a não esmorecermos na luta por uma educação que ensine o quão banal é o mal. Qualquer verme sente ódio com facilidade, não é preciso cavar para encontrar sentimentos deste matiz. Por isso acredito numa educação que faça do aprendente um "escafandrista de si mesmo". Somente nas profundezas encontraremos o amor. Também gostei da rainha Cunegonda. A operetta "Candide" de Leonard Bernstein tem como heroína a Cunegonde, uma aristocrata, inspirada na rainha. Reitero que foi um prazer ler a narrativa. Sempre deixa uma sede… Acho que deverias escrever o livro "Passaporte de um professor trotamundo". Teria um leitor garantido.
    Abraço carinhoso dos EUA

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  9. Mi querido amigo!
    Qué viaje fascinante están haciendo!
    Por mi parte, comparto tu estremecimiento al estar en Auschwitz. Acabo de regresar de Asunción del Paraguay, donde estuve en el Museo de las Memorias y en los Archivos del Terror, entrevistando víctimas del terrorismo de estado, en particular del tenebroso "Plan Condor", que vinculaba los servicios de inteligencia y represión de tu país, el mío, Bolivia, Chile, Uruguay y Paraguay. Fue una experiencia tremenda. Ya te contaré con detalle.

    Te mando un abrazo enorme y otro para Gelsea,

    Enrique

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  10. Querido professor, verei com prazer. Estive rodando o sertão de Alagoas, conhecendo hidroelétricas (eqto existem) e a historia do cangaço. Verei esta sua nova edicao.
    Eu coleciono sal.
    Feliz tudo em 2015.
    Abraco e saúde,
    Adla

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