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sábado, 3 de julho de 2010

03.- Do outro lado do destino

Porto Alegre Ano 4 # 1430

E... com o resultado do futebol de ontem, um jornal local tem uma garrafal manchete na capa de hoje: “Pane na África faz o país refletir, de novo, sobre um modelo de seleção, desta vez para uma Copa em casa”. Parece que nada poderia ser mais emblemático – e estúpido –para definir o dia seguinte à eliminação do Brasil. Talvez um dos grandes benefícios desta copa é aprendermos a reolhar a África. Eu a cada dia tenho surpresas e reconstruo minhas leituras. Mas, sobre isso falo adiante. Primeiro algo de outro cenário de ontem.

À tarde, Maristela Padilha, Luciane Wagner, Jerri Luiz Ribeiro e eu fomos a Lajeado para o sepultamento do Atos. Um detalhe lateral: numa viagem de cerca 2 x 2,5 horas a Copa não foi assunto. Lá nos juntamos a outros colegas do Centro Universitário Metodista - IPA – Garin, Timm, Alessandra, Aládia, Vargas – e dezenas de pessoas que se reuniram para uma despedida física do colega que tão prematura e inesperadamente nos deixava. Desse enlutamento guardo a imagem de uma jovem mulher com uma filha de um ano e de um filho de cinco anos vendo o esposo sendo enterrado – aqui no sentido pleno da palavra.

Mesmo que a seleção brasileira, em boa hora esteja deixando a África e volto um pouco mais a ela. Sei que é um equívoco olhar esse continente como um todo. Mas dou-me a algumas simplificações. A África é o terceiro continente mais extenso (atrás da Ásia e das Américas) com cerca de 30 milhões de quilômetros quadrados, cobrindo 20,3 % da área total da terra firme do planeta. É o segundo continente mais populoso da Terra (atrás da Ásia) com cerca de 900 milhões de pessoas, representando cerca de um sétimo da população do mundo, e 53 países independentes – eu recordo quando eram apenas três, em meus estudos de geografia. A Europa com aproximadamente o mesmo número de países tem 2% da superfície da Terra.

A atual divisão política da África somente se configurou nas décadas de 60 e 70. Durante séculos, o continente foi explorado pelas potências europeias - Reino Unido, França, Portugal, Espanha, Bélgica, Itália e Alemanha -, que o dividiram em zonas de influência adequadas aos seus interesses. Ao conseguirem a independência, os países africanos tiveram de se moldar às fronteiras definidas pelos colonizadores. Estas, por um lado, separavam de modo artificial grupos humanos pertencentes às mesmas tribos, falantes dos mesmos dialetos e praticantes dos mesmos costumes e submetia-os, por outro lado, à influência de valores europeus.

E como sábado é dia de dica de leitura, algo mais para uma faceta de caleidoscópico mega-continente. Convido para conhecermos a comovente narrativa em ‘Do outro lado do destino’ é muito mais que a história de coragem, força e determinação de uma mulher afgã que enfrentou o talibã. É um relato de coragem, generosidade, convivência, amizade, resistência, determinação e amor.

SHAKIB, Siba. Do outro lado do destino. A história de coragem, força e determinação de uma mulher afgã que enfrentou o talibã. Rio de Janeiro: Record, 2003. [Romance iraniano, traduzido do alemão Nach Afehanistan kommt Gott nur noch zum Weinen por Kistina Michaelles] ISBN 85-01-06406-8.

Li esse livro já há uns anos. Ele é ressuscitado nesses dias de Copa. Enquanto lia Do outro lado do destino dizia-me - e ratifiquei isso ao final - este é muito provavelmente um dos livros mais impressionantes que já li em todo meu contato com o universo quase mágico do mundo da escrita.

Não é apenas a história de coragem de Shirin-Gol que conhecemos menininha cuidando dos irmãos, vimos deslumbrar-se na aprendizagem das primeiras palavras escritas, aprendidas com os russos, enquanto foram os algozes de sua pátria, acompanhamos tornar-se mulher, conviver com um marido dependente do ópio e demolido fisicamente pela vida, ser violentada em troca de comida, ser estuprada por corruptos, ser mãe de filhos desejados e indesejados, mas muito amados e envelhecer como avó.

Siba Shakib, uma cineasta e escritora iraniana/alemã, criada em Teerã, que estudou em escolas ocidentais, visitou várias vezes o Afeganistão tanto no norte como na região comandada pelos talibãs entrevistou mulheres e nos leva a viver os dramas personificados em Shirin-Gol, quando fazemos o acompanhamento doloroso de magotes humanos que perambulam pelas regiões mais agrestes do Afeganistão, do Paquistão e do Irão fugindo da tirania imposta pelo fundamentalismo e por disputas gananciosas.

A autora, com uma imensa sensibilidade e com uma escrita na qual parece sentirmos a beleza e a harmonia dos arabescos da língua árabe, mostra que em baixo da burca - pano usado em público por algumas mulheres muçulmanas, que envolve o corpo, inclusive a cabeça tendo, na altura dos olhos, dispositivo que permite que a mulher veja sem que seja vista - existe uma mulher que tem um corpo que ama e que odeia.

Quando olhamos a burca que ilustra a capa só vamos descobrir a mulher que ela esconde ao longo de mais de 300 páginas de perambular por uma das mais inóspitas regiões da terra, que foi feita ainda mais ofensiva pelas minas que russos, estadunidenses, paquistaneses e outros gananciosos semearam ali. O deserto ora tórrido, ora gelado é o cenário de um livro de dolorosa beleza.

A esta dica de leitura adito votos de um excelente inaugural do segundo semestre.

Aqui ele se faz primaveril. Hoje em termos familiar tenho momento de querido reencontros; é o dia da celebração do 1º aniversário do meu neto Pedro, filho do André e da Tatiana, que no dia 29 – dia de São Pedro – fez um ano. Um convite para nos lermos, aqui, amanhã.

6 comentários:

  1. Querido Chassot,
    Fiquei triste com a derrota do Brasil. Mesmo com tantos torcedores,ainda não foi dessa vez.
    O seu neto Pedro é muito fofinho!!!!!Parabéns para ele e que Deus abençõe ele, o avô "coruja" e os pais: André e Tatiana.
    Hoje descanso do forró que fiz ontem aqui em casa para comemorar minha defesa. O meu São João foi ontem , com direito a bandeirolas, comidas típicas e licor. Lembrei-me de você.
    Comentei com Marcos e com Baraquizio que você não mais abrilhantará o EQBA. Eles ficaram muito tristes também. Todos queriam te reencontar.
    Abraços com saudades.

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  2. Muito querida colega Joélia,
    quando se acompanha mortes como a do Atos parece que perdemos um pouco a crença num Criador que é tão incoerente na seleção daqueles em que chama para si. Por que desprover duas crianças de um pai?
    Realmente o futebol é máquina milionária. Li hoje que ele movimenta algo como 30% do PIB da Austrália.
    Agora, o mais importante deste comentário: parabéns pelo êxito em tua defesa. Vibro. Faço um prognóstico: o doutorado será em Educação.
    Um afago com admiração do
    attico chassot

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  3. Achei ótima a parte do texto que fala sobre a África, o livro também parece lindo, entra para a lista dos que futuramente estarei lendo! Ah, também concordo que o melhor da Copa foi poder olhar para a ancestral África com outros olhos, redescobri-la longe dos estereotipos padrões, minha grande pena é que a imprensa nunca problematiza nada, tudo é mostrado sem nem mesmo ser digerido...

    Chero, parabéns por ser netinho e que venham mais dicas de leitura e derivativos!

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  4. Estimada leitora e preciosa comentadora Pandora,
    obrigado por mais uma visitação na realização desse binômio fecundo escrita<>leitura. Escrever só tem dimensão real se. houver leitura; por isto, os comentários são sempre muito preciosos.
    Obrigado pelos votos pelo Pedro, de cuja festa estou regressando.
    É bom tê-la como parceira nesta descoberta de Áfricas.

    attico chassot

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  5. Mestre Cgassot, a morte do professor Atos realmente é uma lástima, assim como são todas as mortes que consideramos tristes e desnecessárias, senão incoerentes. Fico condoido, acima de tudo, pelas crianças.

    Referente à Copa dp Mundo, é a velha receita romana: Pão e Circo. Talvez agora, com a volta da seleção, os brasileiros voltem a prestar atenção ao que está acontecendo no seu país, coisas como enchentes no nordeste, aumento da violência e, logo mais, um processo eleitoral marcado por promessas, mentiras e, como sempre, o dilema entre esperanças e descrença.

    Referente à dica de leitura, sei que quando o senhor indica romances eles são, de fato, muito bons.

    Agora, um atento de como o tempo passa rapidamente e não percebemos: o Pedro já completou um ano! Lembro-me, no ano passado, quando o senhor postou, em uma blogada de segunda-feira, que o Pedro havia nascido. No decorrer da semana, o senhor nos brindou com fotos tiradas pelo André. Realmente, "tempus fugit". Parabéns ao Pedro por esse primeiro ano.

    Ótimo dia.

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  6. Meu muito querido Marcos Vinicius,
    o Centro Universitário Metodista - IPA teve uma perda muito significativa com a morte de um excelente professor. Escrevi hoje para a Joélia que quando se acompanha mortes como a do Atos parece que perdemos um pouco a crença num Criador que é tão incoerente na seleção daqueles em que chama para si. Por que desprover duas crianças de um pai?
    Quanto ao futebol concordo com o teu “Panis et circensis’. Realmente o futebol é máquina milionária. Li hoje que ele movimenta algo como 30% do PIB da Austrália.
    Pois hoje os dois times pelos quais torcia foram mandados mais cedo para casa – para usar uma linguagem tão a gosto destes prolixos (e usualmente incompetentes) cronistas esportivos –. A Argentina – onde o Maradona é ícone por ter dado a volta por cima e o Paraguai – onde me sinto mais próximo dos hermanos guaranis do que dos aristocratas espanhóis.
    O romance que se fez dica de leitura há de encantar ao historiador perscrutador que sabes ser.
    Obrigado pelos votos ao Pedro. Realmente tens razão : Tempus fugit.
    Orgulho-me de ter como comentarista aqui e tua sugestão de dicas sabatinas tem balizado edições como a de hoje.

    attico chassot

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