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sexta-feira, 4 de novembro de 2016

04.- Acerca de um domingo especial.

ANO
 11
Breve, um novo livro
Das disciplinas à indisciplina
EDIÇÃO
 3222

O último domingo se travestiu de luminosidade para afogar desilusões e afagar alegrias. O domingo, que quase despedia outubro, era dia do segundo turno de eleições municipais. Se alguém que conhecera um domingo eleitoral em Porto Alegre, no entorno à última virada de século, aqui estivesse no dia 30 de outubro de 2016, faria hipótese que os porto-alegrenses não seriam mais os mesmos. A cidade viveu uma modorra eleitoral. Bandeiras, carreatas, amigos indo em bloco às urnas, famílias mostrando às crianças aulas de civismo desapareceram.
Prognósticos sobre vitórias desinteressavam. Os resultados das eleições pareciam não importar. A tese de realização de um segundo turno para eleger alguém com a aprovação de uma maioria, rigorosamente não ocorreu. De cada 10 eleitores menos de 4 votaram no prefeito eleito. Isso se pode ver no gráfico ao lado.
Eu na manhã dominical, de céu muito azul, encantava-me com um jacarandá da Praça da Matriz, que me permitia ver apenas no topo do obelisco central a figura triunfante e dinâmica da República, parte do conjunto estatuário do monumento que venera a memória de Julio de Castilhos, líder do positivismo gaúcho. O mais imponente monumento da cidade tem 22 metros e meio de altura, é uma verdadeira cartilha positivista, concebida e erigida no começo do Século 20.
Mas que fazia eu em uma fila, mirando ora a Catedral Metropolitana, ora o Palácio Piratini ou, em outro momento, ora o Palácio da Justiça, ora o secular Theatro São Pedro? Divagava com o Guy sobre a Feira do Livro e mirava a Gelsa e Liba, a esta seus 95 anos asseguravam lugar privilegiado na fila. Aguardávamos ingressar no Teatro, pois o sol de quase meio dia era inclemente. Desde o sábado nos movimentáramos em busca de senhas para sermos dos privilegiados a ouvir David Grossman em um presente do Fronteiras do Pensamento na celebração dos 10 anos do exitoso projeto.
Grossman, nascido em Jerusalém em 1954 é um dos mais importantes e engajados ficcionistas contemporâneos, abriu sua exposição com um texto O poder da imaginação, marcado por duas dimensões. Por primeiro discorreu acerca do seu ‘fazer-se escritor’ e falou de seu processo criativo; na segunda dimensão fez aflorar a sua marcada militância pacifista, defendendo a existência de um Estado Palestino, convivendo com o Estado de Israel. Não escondeu o quanto isso desagrada ao governo de Israel e por tal não sem razões é tido como um perigoso pacifista.
Na segunda parte da atividade fomos brindados com um debate mediado pela jornalista Adriana Carranca, que escreve sobre conflitos, tolerância religiosa e direitos humanos, autora de Malala, a menina que queria ir para a escola. Esta parte teve ricas alternâncias das duas dimensões antes acenadas.
Aquilo que me pareceu mais significativo — e projetei isso no cenário que vivi, há três anos quando de Jerusalém fui aos territórios palestinos ocupados — foi ouvir David Grossman dizer que em seus mais de sessenta anos de vida nunca vivem um tempo de paz e sim sempre sob o jugo da guerra. Por exemplo, em 2006, o escritor estava envolvido no pedido de cessar-fogo da Guerra do Líbano apenas dois dias antes de seu filho Uri, sargento do exército israelense, falecer em um ataque contra a milícia do Hezbollah. O escritor transformou a experiência do luto em uma de suas mais aclamadas obras, Fora do tempo, publicado em 2011.
Em 2015, foi publicado no Brasil O livro da gramática interior, uma de suas obras mais conhecidas, adaptada para o cinema. Em O inferno dos outros, lançado em 2016 no Brasil. Em http://is.gd/Grossman4 endereçará à página da Companhia das Letras, onde se pode conhecer mais de uma dezena de obras Grossman em português. No mesmo endereço, substituindo o 4 por números de 1 a 12 se encontrará informações preciosas do autor. Grossman é melhor dica de leitura que poderia oferecer à vigília do primeiro fim de semana de novembro.

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