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sábado, 11 de julho de 2015

11- ELE EXISTIU E EXISTE, POIS NARRAMOS SUA HISTÓRIA


ANO
 9
EDIÇÃO
 3059

11 de julho sempre foi, na minha infância e adolescência, uma data especial. Era o dia do aniversário do pai. Agora, me dou conta que não dizíamos ‘o meu pai’. Não cabia o possessivo. Era ‘o pai’. Parece que o simples artigo se traduz em super-possessivo. Hoje, o pai faz 109 anos. Sim, ele faz 109 anos. Aqui mais uma vez, uma questão gramatical.
Quando, há nove anos, filhos, netos e bisnetos, comemoramos o centenário de nascimento dele, o evento foi marcado pelo mote: “Naquele tempo existia um homem. Ele existiu e existe, pois narramos sua história.” Assim justifica-se o tempo presente: ele faz 109 anos e não o condicional faria.
Dando crédito que nossos ancestrais deixam de existir somente quando nós os esquecemos, a edição do blogue de hoje é para dizer algo de Affonso Oscar Chassot (1906-1987). A narração quer contar dele para fazê-lo presente. É claro que este narrar não tem a assepsia exigida de um verbete da Wikipédia. É salutar que em muitos de nossos escritos possamos / devamos não nos policiar pela neutralidade.
Eric Hobsbawm, um dos maiores historiadores do século 20, falecido em 2012, escreveu, entre obras, o livro (Pessoas extraordinárias: Resistência, Rebelião e Jazz. São Paulo: Paz e Terra, 1998) acerca de pessoas cujos nomes são conhecidos apenas pelos parentes e pelos vizinhos. Esse texto é para falar de uma pessoa que também é extraordinária.
Ainda evoco uma cena do frio dia 9 de julho de 1987. Era uma quinta-feira, dia normal de trabalho. Havíamos velado meu pai durante toda noite. Na metade da manhã houve uma missa na capela mortuária. Após se formou um cortejo fúnebre da cidade de Montenegro até o cemitério do Faxinal. Num momento, de um dos carros em que estou olho para trás. Vejo dezenas de carros, que se estendiam por pelo menos por alguns quarteirões. Perguntei-me: que fizera esse marceneiro, para que tanta gente deixasse os seus fazeres para vir sepultá-lo num bucólico cemitério, não muito distante da casa onde nascera?
Não é difícil entender as homenagens que muitos homens públicos e também algumas mulheres proeminentes recebem, quando se completam aniversários de efemérides que marcaram suas vidas. Também é fácil compreender porque aquelas pessoas extraordinárias das quais fala Hobsbawm são usualmente esquecidas. Para os ‘padrões de medidas de mérito socialelas não fizeram nada de excepcional.
O que meu pai fez para ser alguém extraordinário? Talvez, um dia ter visto que a pequena propriedade colonial de seu pai no Faxinal não podia ser repartida para dela obter o sustento para novas oito famílias a serem formadas por ele e por seus cinco irmãos e duas irmãs. Faz então uma opção não usual. Abandona a colônia, deixa de ser agricultor e parte para a cidade desconhecida para aprender um ofício em uma fábrica de órgãos em Hamburgo Velho. O colono se fez um hábil marceneiro.
Essa migração do colono para a cidade rompe uma tradição quase centenária. O elo fundador uma família Chassot chega ao Rio Grande do Sul em 10 de novembro de 1855. A família pioneira foi a de Jean Chassot, sua esposa e sete filhos. Eram suíços de fala francesa de Vuisternens-devant-Romont, do cantão de Fribourg, distante 40 km dessa cidade. Aqui se estabelecem como agricultores no vale do Caí. Eis as três gerações que antecedem a meu pai.
1.- Jean Chassot ou João Chassot, 42 anos, chegou com sua mulher Nanette Torche, 32 anos, e seus sete filhos: Francisco (14), Denis (13), Jules ou Júlio (11), Genoveva (9 e meio), Constantino (8), Pedro (6) e Luisa (1 ano e meio). A sucessão de meus antecedentes segue a partir do terceiro filho:
2.- Jules ou Júlio Chassot, com 26 anos casou com Maria Rodrigues da Fonseca. Com esse casamento, que se pode inferir pelo sobrenome da filha do senhor Mathias, o idioma francês falado pelo então menino suíço que chegara ao Brasil 16 anos antes passa a ser minimizado, pois Maria deveria ser de fala portuguesa. Mas a perda do ‘falar francês’ vai se esvair de outra maneira. Deve ser então que os Chassot de fala suíça se germanizaram em contato com os colonos de fala alemã de quem eram lindeiros e que viviam nas margens do Forrromeco, no vale do Caí. A língua de berço de meus avôs maternos (Ledur e Volkweiss) era o alemão. Jules ou Júlio e Maria têm dez filhos. Minha ancestralidade se faz a partir do oitavo deles.
3.- João Guilherme Chassot, que casou em Bom Princípio, em 28.6.1905, com Susanna Werner, filha de Elisabeth e Theodoro Werner. João Guilherme e Susanna tiveram oito filhos, sendo o primogênito Afonso Oscar, meu pai.
O ex-colono era agora um marceneiro de ofício. Ingressa na Viação Férrea, algo distinguido há época. Pode casar. Vai a Santa Terezinha, uma vila perto de Bom Princípio então, município de Montenegro. A escolhida: Marichen [Depois Maria Clara Volkweiss Chassot (1909-2001)]. Casaram em 20 de setembro de 1937 (ele com 31 e ela com 28 anos). Se estabeleceram em Estação Jacuí – um núcleo ferroviário formado por operários de uma oficina de via permanente da VFRGS, onde meu pai era marceneiro. Estação Jacuí, onde eu nasci, era um vilarejo de Cachoeira do Sul, hoje no município de Restinga Seca. A foto, talvez de 1942: Meu pai e minha mãe, com os dois filhos mais velhos Sirne (1940-2001)
Não posso deixar de reconhecer que meu pai foi, na acepção de Hobsbawm, alguém extraordinário. Talvez, por ter sido um ferroviário responsável por dezenas de anos. Ou um esposo e pai dedicado à educação de seus cinco filhos e duas filhas.
Em A ciência através dos tempos fiz um ofertório, que ratifico nesta edição de um celebrado 11 de julho deste blogue:
Para Afonso Oscar Chassot (1906-1987), meu pai, que, mesmo nunca tendo visto seu nome impresso em um livro ou jornal, muito me ensinou: a gostar de ouvir notícias, instrumental importante para conhecer e entender a história, e a vibrar com a profissão, marceneiro hábil que era, trabalhando a madeira com amor. Para ele, este livro e estes versos, adaptados da poeta Hannah Szenes (1921-1944):
 Bendito o fósforo que ardeu e acendeu a fogueira!
Bendita a lavareda que ardeu no âmago do coração!
Bendito o coração que soube parar com honra!

4 comentários:

  1. Trabalhar com amor, eis um dos maiores legados que podemos deixar. Quanto de amor habita em cada pessoa? Em algumas o suficiente para serem lembradas por bem mais do que um século.
    Parabéns, mestre por deixar-se empregnar do amor paternal.

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  2. Diante de tão belas palavras de carinho fraternal, refleti sobre o sentimento análogo que tenho pelo meu velho pai. Perguntei-me; por que geralmente temos sentimentos semelhantes por nossos antecessores? Senão vejamos, entre a adolescência e a juventude geralmente somos os "donos da verdade". Em tudo temos razão, e nosso opositor predileto são nossos progenitores. Com o passar dos anos, com o fardo de nossos erros, reconhecemos suas sábias palavras . Cá fico eu relembrando nossos papos, com direito ao acompanhamento do som do serrote onde foram me ditas as melhores verdades da vida. Que o meu carpinteiro esteja sempre vivo em minhas lembranças!

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  3. Diria que tal reconhecimento demonstra a manutenção da IDENTIDADE, fundamental para a historicidade do homem como sujeito de sua subjetividade no encontro objetivo, primeiramente com os seus. (créditos a Ernani Fiori e Eric Hobsbawm). Belo exemplo, como geralmente o é...Grande abraço.

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  4. Caro amigo Prof. Chassot,
    Já acabei de ler a postagem sobre o seu pai. Não me emocionei, enterneci-me com o relato, com a precisão genealógica, com a homenagem afetuosa. Vou utilizar o modelo nos 100 anos do meu pai, a comemorar-se em maio de 2018. Espero estar são e salvo até lá para produzir o relato.
    Grande abraço, querido amigo

    José Carneiro

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