Esta é a última edição junina deste 2023. Encerramos o despedir do primeiro semestre de 2023 ou primeiro dos oito semestres do terceiro mandato do Presidente Lula. Volto a primeira das cinco blogadas juninas. Gostaria despedir junho e iniciar julho estando, uma vez mais, em Parintins AM e reencontrar os bois Garantido e Caprichoso prenhes de míticas narrativas, marcadamente presente nas celebrações deste fim de semana amazônico.
Inaugurei o primeiro blogar junino convidando Jacques Maritain (*1882 †1973) — filósofo católico, autor de mais de sessenta obras e um dos pilares da renovação do pensamento tomista no século 20 —, que me ensinou, quando ele fala de como conheceu sua futura esposa — Raissa Maritain (*1883 †1960) russa e judia de nascimento, escritora, poeta convertida à Igreja Católica Romana —, que ‘Deus rege o mistério dos encontros’.
A celebração de minha (quase) ressureição quando na edição pretérita comemorei um ano do acidente que mudou radicalmente minha vida. Houve uma colega que opinou: Comemoro contigo essa ressurreição. Concordo que a velhice não é lá essas maravilhas, mas entre duas é a melhor opção. Tenho pensado muito na frase de Maritain. Por coerência, a parafraseei, numa leitura politeísta e agnóstica: os anjos que cuidam de nossas agendas, de vez em vez, nos brindam com encontros sumarentos. Nas 3,5 horas de voo Manaus/Guarulhos (ainda, antes da decolagem e depois do desembarque em S. Paulo) frui de uma companhia sumarenta: ‘sou Thiago de Mello’ e eu perguntei ‘és aquele de Os Estatutos do Homem’? Sílvia Chaves, minha colega de partilhar aulas na UFPA em Belém vibrou com meu privilégio. Encontro maravilhoso esse teu com Thiago de Mello. Quisera eu ter presenciado essa congregação de pensamentos luminares. Seu poema mais conhecido é Os Estatutos do Homem, onde o poeta chama a atenção do leitor para os valores simples da natureza humana. A preservação da Amazônia era tema presente em sua obra.
Duas edições juninas (Primeira & Quarta) sã aqui trazidas para a tessitura desta quinta. E esta se faz prelúdio a um ofertório que vem a seguir: Estou oferecendo Os Estatutos do Homem a cada uma e a cada um dos meus leitores: certamente não trago novidades a maioria. Mas também surpresas podem estar esquecidas. Vale reler! Parece que cada artigo está sendo lido a primeira vez. Leia! Releia! Surpreenda-se!
Os Estatutos do Homem
Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade. Agora vale a vida, e de mãos dadas, marcharemos todos pela vida verdadeira.
Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm direito a converter-se em manhãs de domingo.
Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança.
Artigo IV
Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único: O homem, confiará no homem como um menino confia em outro menino.
Artigo V
Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará à mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.
Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.
Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa para sempre desfraldada na alma do povo.
Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor sempre foi e será sempre não poder dar-se amor a quem se ama e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor.
Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.
Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa, qualquer hora da vida, uso do traje branco.
Artigo XI
Fica estabelecida, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.
Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama e que por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã.
Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, tudo será permitido, inclusive brincar com os rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo único: Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.
Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.
Artigo Final
Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.
Thiago de Mello
Santiago do Chile, abril de 1964
Excelente leitura
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