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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Há novidades que surpreendem… mas não há que ter medo.

 




 ANO 17*** 03/02/2023***EDIÇÃO 2069

Em meio a uma safra de bancas de dissertações e teses estou escrevendo um artigo que é tecido no embalar de minha participação, em novembro de 2022, do 30º SemiEdu/2022 no PPGE/UFMT, organizado em parceria com vários grupos satélites do  PPGE/UFMT. Como preâmbulo narro, uma vez mais, uma historieta que me foi contada, já há algum tempo, pelo Prof. Dr. Nélio Bizzo. Ela já foi assunto de blogares aqui. Hoje, retomo a historinha para repensa-la mais uma vez.



UM MITO ANCESTRAL

Em um barco havia um homem com cercahavia um homem com de 30 anos, acompanhado de seu filho de 5 anos e de seu pai de 80 anos. O barco soçobrava. Só o jovem pai sabe nadar. Ele pode salvar apenas um. Quem ele salva? O menino? O velho?”

Na cultura africana, onde esta historieta tem sua raíz, o natural é que o velho fosse salvo, por um único argumento: ele é o detentor de conhecimentos que são muito preciosos para toda a comunidade.


Há muitos anos narro esta historieta, quando procuro motivar docentes e discentes à busca de saberes populares para deles fazer saberes escolares. Parecia ser natural que ussasse a mesma historieta quando buscava destacar a valorização de saberes, muitas vezes em risco de extinção, detidos pelos mais velhos. Para estudantes que assistiam a minha fala parecia natural que o jovem pai salvasse o menino. Afinal ele, diferente de seu avô, tem toda uma vida pela frente. Todavia, na cultura africana, onde esta historieta tem suas raizes, é natural que o velho fosse salvo, por um único argumento: ele é o detentor de conhecimentos que são muito preciosos para toda a comunidade. De maneira usual o ensinar ocorria, naturalmente os mais velhos ensinando os mais jovens. 

Quando reli o paragrfo anterior deu-me uma tristeza de algo que parece ter perdido: a sala de aula. Nas lives e mesmo nas aulas híbridas não ocorre mais o ‘contato’ com os alunos. Lembro do quanto curtia perambular entre os alunos… isso não se faz mais.

Qual a situação nos tempos atuais: muitos saberes, por exemplo no mundo digital, há netos mais competentes que os avós em certos saberes, como as interações na ditas comunidades virtuais.

Mas agora surge um novo questionamento. Uma interrogação: — assim como a Escola, nestes primeiros anos do Século 21 perdeu ser o lócus do saber e ao invés de se perguntar ao professor se pergunta, cada vez mais ao Google, — na comunidade que nos legou esta historieta, talvez ainda se precise de velhos para serem depositários do saber? Porém lá parece já existir detentores de informações como o professor Google / o médico Google / o pastor Google / o padre Google / a Bispa Google / o arquiteto Google / o veterinário Google /o advogado Google … eles ‘sabem tudo’ e… muito mais.

Talvez pudéssemos pensar em deixar as informações para serem passadas pelo professor Google, o Sabe-tudo; os conhecimentos obtê-lo da preciosa Wikipédia; a escola, com umas poucas informações, trabalharia alguns conhecimentos e com estes poderia construir saberes. Parece que então teríamos espaço para exercitar a transdisciplinaridade, isto é, transgredir as fronteiras que engessam as disciplinas e, talvez, até avançar à indisciplinaridade (= negar a existências das disciplinas; estas invenção da modernidade).

Mas depois de referir a origem e o destino de informações, conhecimentos e saberes surgem novas interrogações: Quando da vivência sofrida e inédita pandemia da Covid 19 parece natural que possamos modificar o final do mito ancestral que está como justificativa de salvar o velho justificada na narrativa preludial. 

Quando nos referimos a algumas ‘novidades’ (pós)pandêmicas (HomeOffice / Coworking / Telemedicina / Home School / Divã onLine e outras) há que lançar redes pois outras descobertas estão velozmente se espraiando. Agora, as notícias radiofônicas estão nos podcasts, ao invés de irmos ao cinema assistirmos séries ou os filmes do Oscar, em casa recorremos ao streaming para ver filmes). Para cada um destes novismo temos narrativas do tipo: professor que é vítima de síndrome de Burnout¹ em Parintins AM narra acerca de suas ansiedades a uma psicanalista que (nunca a viu presencialmente) o ouve em Sorriso MT ou um empresário gaúcho que mora em Pelotas RS, que uma vez por semana aluga uma sala equipada com abastada tecnologia em Porto Alegre RS para “visitar” quatro de suas 36 lojas da rede de PetLojas na região Sul. Que dirão aqueles que têm expertise na tecnologia digital dos dois relatos ou de qualquer outra narrativa dita como novidade? Nenhum dos dois relatos ou qualquer outra situação é dita como novidade pelos que detêm expertise na área: a pandemia não descobriu nada de novo… apenas antecipou usos mais rápidos! 

O Apóstolo Paulo organizava comunidades da nascente Igreja cristã e depois enviava cartas com ensinamentos da nova doutrina. Paulo pode ser considerado como o ’fundador’ da Educação à distância que muitos avós, irmãos mais velhos, empregadas domésticas… conheceram quando foram feitos tutores com expertise em EaD, no início da pandemia, no primeiro semestre de 2020.

Rendo-me sem pestanejar: que a pandemia não foi tão criativa como se anunciava. As novidades que exemplifiquei são grácis. Há não pouco vi anunciado um automóvel no qual se pode carregar a bateria do telefone celular, sem conexão física ou um automóvel que, durante o seu uso, pode ter sua cor trocada ou andar no trânsito urbano sem motorista. Para mim últimas situações parece uma ficção científica.

Quando anuncio que vivemos num mundo (quase) fantasmagórico há uma recomendação muito importante: não nos deixemos sucumbir pelo medo. Parece -- não raro -- que estamos delirando. Há um minuto cumprimentei meu vizinho no seu carro vermelho. Volto a mira-lo: agora ele está num carro azul. Logo a seguir encontro vizinho do 602 e narro minha dupla observação. Ele que conhece o dono do carro ora vermelho/ora azul, afirma, sem ouvir meu questionamento, que nosso vizinho do 701 tem um carro vermelho. Ainda acrescenta: colorado como é jamais compraria um carro azul. Parece se apiedar de mim: tenho um delírio e/ou sou mentiroso. Não adianta eu afirmar que vi o vizinho do 701 com um carro azul. É provável que já tenha perdido a credibilidade no meu condomínio! A sorte é que não sou candidato a síndico. O morador do 602 não apenas não votaria em mim, mas até desrecomendaria (às escondidas) de não votarem em mim, pois ando maluqueando.

Este é o medo que antes acenava. Não vou falar, aqui e agora, de doenças correlatas ao medo. É algo que não conheço nem o ABC. Conforta-me que mentira e ficção podem, eventualmente, coexistir. Podemos considerar um livro de ficção (= um romance) como um conjunto de mentiras (ou de fantasias do romancista). Não parece uma situação simpática esta consideração, mas pode ser verdadeira. A literatura da área da psicologia tem um termo dicionarizado que passa a ser incluído em minha história depois do carro que muda de cores!: "DELÍRIO é um estado de alteração mental que faz com que um indivíduo apresente uma visão distorcida da realidade, sendo que isso pode ser demonstrado de diferentes formas, por meio de uma confusão mental, de uma redução da consciência e até mesmo de alucinações" (Fonte: Rede D'Or Hospital São Luiz, São Paulo). Então, eu cientificamente Eu delirei! Ou viajei! 

NOTAS

 1 Síndrome de burnout é um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso, definido por Herbert J. Freudenberger como "(…) um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional" (Wikipédia, 2023).


2 A palavra delírio aparece no título de um lívro que foi bestseller na primeira década deste Século 21  [Deus, um delírio (Richard Dawkins, São Paulo: Companhia das Letras, 2007)], o autor, um dos mais respeitados cientistas da atualidade, num texto sagaz e sarcástico, ataca impiedosamente o que considera um dos grandes equívocos da humanidade: a fé em qualquer divindade sobrenatural. Richard Dawkins (nascido em Nairobi, 26 de março de 1941) é conhecido principalmente pela sua visão evolucionista centrada no gene, exposta em seu livro ‘O Gene Egoísta’, publicado em 1976. Desse autor vale referir também O Gene Egoísta, O Relojoeiro Cego e O capelão do diabo. É muito discutida uma carta de Dawkins a sua filha Juliete, quando esta completa 10 anos. que está como apêndice (p. 427-437) do último livro citado: Boas e más razões para acreditar marcadas por Tradição, Autoridade e Revelação. A carta pode ser buscada no Google desmembrada do livro O capelão do diabo.



4 comentários:

  1. Estou a pensar...muitas provocações em suas reflexões professor. Talvez a função do professor no nosso tempo seja provocar delírios...revisitar narrativas populares e problematizar o discurso do novo!!!! Gostei muito do texto!

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    1. Muito querida colega Andreia, realmente novos saberes são exigentes. nos levam a delírios.

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  2. Alice R. Barão 4/02/23
    Caro mestre. Não posso deixar de pensar nas mulheres e homens que teciam manualmente quando surgiu o primeiro tear automático. Jacquard deu um susto e tanto em toda aquela gente.
    Tudo se acomoda, tudo se ajeita. Se o velho não é mais necessário para transmitir a sabedoria, ele ainda é útil como exemplo de vida bem vivida e aproveitada.
    À propósito, se fosse o meu caso, sacrificaria o velho. A criança tem o direito de viver as nossas experiências.

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    1. Minha muito querida colega octogenária Alice .eu concordo contigo: salvaria o menino. Diferentemente de nossa infância, onde os velhos sabiam tudo e eram uteis a comunidade, hoje a gurizada detêm saberes que os maís velhos não têm.

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