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sexta-feira, 21 de agosto de 2020

21AGOSTO2020 Cruéis tempos levíticos

 


 Mais uma semana nestes tempos de pandemia e de pandemônio que no Brasil se faz tintada de luto. Na semana passada, citei aqui passagens de um dos cinco primeiros livros (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio, que compõem o Pentateuco) da Bíblia hebraica e do Antigo Testamento cristão). A referência fora ao Levítico, o terceiro livro. Estranhava então — talvez,ou melhor, me surpreendia — que normas que se dizem discursos de Deus no monte Sinai a Moisés, que as recebeu com a missão de repeti-las aos israelitas, durante o Êxodo (Êxodo 19:1). A surpresa é que normas macchistas, exaradas há pelo menos 5 milênios ainda vigissem.

Pois esta semana, os censores dos crentes e dos não crentes superaram fatídicos zelos e exigiram que seus legalismos absurdos e desumanos fossem impostos a uma menina de 10 anos vítima de estupro pelo próprio tio no Espírito Santo. Ela teve seu nome divulgado na internet e foi alvo de ataques de hordas cristãs. É dolorosamente perturbador quando o ocorrido se faz revelador de um movimento cada vez mais intenso na base religiosa do bolsonarismo. A Ponto — uma newsletter semanal do Brasil de Fato — de hoje revela que o Brasil registra ao menos seis abortos por dia em meninas de 10 a 14 anos, e uma média anual de 26 mil partos de mães com idades entre 10 a 14 anos. Ainda que não haja uma lei específica sobre o aborto, há um conjunto de normas que respaldam a realização do procedimento em casos de estupro. Portanto, diante da garantia legal e da trágica frequência destes casos no Brasil, é de se perguntar por que este caso em específico gerou tanta repercussão.

E os indícios apontam para um nome: Damares Alves, aquela que quando escolhida para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do atual governo revelou que ‘conheceu’ (no sentido bíblico) Jesus numa goiabeira. A ministra já foi apontada como possível vice de Bolsonaro em 2022.

Damares dialoga com uma imensa base religiosa e conservadora, que não está restrita apenas aos evangélicos: a infâmia na frente de hospital recifense foi comandada por grupos católicos e o presidente da CNBB veio a público para condenar não o estupro, mas o aborto realizado na criança. Há ainda o padre de Carlinda MT que culpabilizou a menina dizendo que ela permitiu porque estava gostando.

E eu, em aula, ontem noite elogiava o Papa Francisco por defender que as vacinas não fossem propriedades de uma nação e também não se destinassem por primeiro aos ricos e sim aos mais vulneráveis. Mesmo situações díspares parece que a CNBB e alguns padres não estão em sintonia com o Papa.

Como celebrar a passagem de uma semana distante fisicamente de quem amamos seria mais fácil se o presidente, ainda nesta quarta-feira, em um Brasil já com mais de 112 mil mortos (dos quais quase 3 mil no RS), não viesse a público dizer que não adianta usar máscara contrariando, com sua insapiência, uma recomendação universal.

Não vou trazer assuntos outros pois a situação não apenas me entristece; ela também me enoja. Talvez na próxima sexta-feira, quando nos encontrarmos de novo, a situação não piore. Até então.

 

6 comentários:

  1. Caro Áttico, boa tarde!
    Tua postagem de hoje mexe com Cristãos, mas a insensibilidade de "cristãos" nos provoca asco. Há quem é capaz de acusar uma indefesa criança, e dessa forma, inocentar um repugnante criminoso por suas indescritíveis atrocidades. Quem se postou ao lado da incriminação da menina, é tão assassino quando o estuprador que mutilou a infância e a alma de uma criança. Um abraço colega.

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  2. Querido mestre,

    belo texto, como sempre.
    Que surpresa ser a instituição que martirizou GB aquela que hoje é a voz da moderação e do humanismo.
    Uma pena que tenha cochilado e deixado grassar o neopentecostalismo alucinado no Brasil, que paridores e párias da coisa imunda.
    Um abraço, ainda esperançoso.

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  3. Quando revisitamos a História humana, é possível perceber que não poucas BARBÁRIES foram executadas em nome de Deus ou pretensamente de alguma religião. A mesma, ao que me parece, não raras vezes ao lado do PODER e da RIQUEZA... Inúmeras vezes a serviço de um MORALISMO BARATO, para não usar outras expressões...Curiosamente a proliferação destas questões e ASNEIRAS em nome de Deus, em extratos sociais com pouca escolarização...
    Quando vemos um MILICIANO, TRAMBIQUEIRO e representante de tudo o que significa ATRASO civilizatório na Presidência sendo "adorado" por ditos "cristãos", então atitudes como a que assistimos é o NORMAL destes....
    Será que estamos, meu caro Mestre/Amigo, no mesmo trem que esta gente??? Até quando??? Que coisa, hein???

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  4. Abraços (acima usei perfil diferente...Sou EU mesmo

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  5. meu coração dói quando penso nessa criança e naqueles que sofrem como ela =/

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  6. Como costumo dizer, do pouco que conheço a vida, encontro muito mais cristandade nos Ateus!
    abraços fraternos!

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