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sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

08.- Então... formar-se no Ginásio, era uma solene celebração

ANO
 12
LIVRARIA VIRTUAL em
Www.professorchassot.pro.br
EDIÇÃO
3328



A data de hoje merece uma menção especial. Não por ser feriado nacional em alguns países (Nossa Senhora da Conceição - Rainha e padroeira de Portugal e de todos os povos de língua portuguesa), estadual e municipal em centenas de municípios brasileiros. A evocação comemorativa, também não é por já ter sido no Brasil dia santo de guarda.
A data é dedicada ao mais polêmico dos quatro dogmas marianos da igreja católica romana: Imaculada Conceição, proclamado em 1854. Dos quatro: o primeiro é da Antiguidade: Maria ser mãe de um Deus (Concílio de Niceia – 325) e o segundo é medieval: virgindade perpétua (Concílio de Latrão – 649); o quarto — assunção de Maria aos céus com corpo e alma foi proclamado em 1º de novembro de 1950. No terceiro dogma — o mais celebrado e o que tem o destaque comemorativo antes referido, há o pressuposto que os pais de Maria (Joaquim e Ana) a conceberam sem a mácula do pecado original, este que ferreteou a todos em consequência do pecado de Eva. E o credo neste dogma é ratificado, quatro anos depois de sua proclamação na aparição de Maria em Lourdes, perguntada a ela quem era, disse: Sou a Imaculada Conceição. Misterium fidei!
Mas, não vou exercitar aqui, uma vez mais a tese: “Religiosos ou não, vivemos em mundo religioso”. Vou atribuir a evocação a seguir a uma mera coincidência que 08 de dezembro de 1957 tenha sido um domingo e não tenha nada a ver com a festa da Conceição.
Passo à recordação pessoal que catalisou o meu teologar acerca do cotidiano: completo hoje 60 anos de formatura no Ginásio. Para fazer a tessitura memorialística do evento revisito os capítulos iniciais de Memórias de um professor: hologramas desde um trem misto. [Ijuí: Editora Unijui 501p. 2012}
Para evocar esta comemoração jubilar retorno ao ano de 1957, quando ‘me formo’ no Ginásio São João Batista, uma escola marista, em Montenegro. Esta cidade, a 80 km de Porto Alegre, como a maioria das cidades gaúchas só tinha escola pública nos cinco anos curso primária. Os irmãos maristas eram mantenedores de Ginásios em muitas cidades do interior, que eram responsáveis pela educação masculina. A educação feminina, em escolas católicas era feita em redes mantidas por irmãs. As escolas nos cinco anos do curso primário, tanto públicas como privadas, eram mistas. Os colégios luteranos eram mistos. Outras denominações religiosas, além de católicos e luteranos, não tinham presença muito significativa com escolas. Que recorde, não havia, então, Educação Infantil formal. A existência de colégios públicos para formação secundária (quatro do curso ginasial e três do ensino médio) era muito rara nas cidades do interior. No interior as mais usuais possibilidades do ensino médio eram ‘técnico em contabilidade’ e ‘magistério’, nas chamadas Escolas Normais. Esta opção usualmente determinava opções entre homens e mulheres.
Para aqueles que sonhavam ascender à Universidade havia o curso científico (para as áreas das exatas e da saúde) e o curso clássico (para a área das humanas). Estas duas alternativas, então, eram quase exclusivas em Porto Alegre.
Aqui é preciso uma explicação. No começo da segunda metade do século 20, concluir o curso ginasial [neste se ingressava por um exame de admissão, após os cinco anos de curso primário], especialmente no interior, era motivo de solene formatura. Esta se realizava no melhor clube da cidade e na mesa que presidia a solenidade se assentavam além do diretor do Ginásio, do paraninfo e dos professores homenageados, o representante dos pais, o prefeito municipal, o vigário da paróquia, Inspetor Federal de Ensino e comandante do quartel da Brigada Militar.
Na foto, do arquivo pessoal de meu cunhado Otélo Cardoso, que se formou comigo no ginásio, se pode ver, além dos formandos presenças antes referidas.
Formatura no curso ginasial (hoje seria terminar o nono ano do ensino fundamental) merecia até quadro de formatura, que antes de ir para o panteão da escola ficava exposto na vitrine da principal loja da cidade, bem em frente à praça. Não eram poucos os formandos que passavam a ostentar a partir de então anel de grau.
Na minha formatura, além do diploma havia os que ganhavam uma láurea por bom comportamento e em cada uma das matérias [como se chamavam as disciplinas] havia premiação com medalhas acompanhadas de prêmios, geralmente livros doados pelas ‘forças vivas da sociedade’. Sei que recebi três medalhas – fotografias de então mostram que uma menina, talvez de uns seis anos, finamente vestida, trazia as medalhas em uma bandeja, assim como nas Olimpíadas – na memorável noite de 8 de dezembro de 1957. Um das medalhas que recebi foi em canto orfeônico e recordo ainda o comentário do diretor Irmão Luís Benício, de que eu não merecia o prêmio, pois desafinava até o hino nacional; conquistei-a porquê a prova era teórica e eu sabia responder as perguntas do ‘Manual de Canto Orfeônico’ de Luiz do Rego, uma edição FTD. A outra medalha foi de latim. A terceira parece que foi de matemática.
Nunca me esqueço, que uns anos antes de minha formatura, talvez ainda estivesse no primário, quando o meu pai chegou de uma formatura de um filho da D. Adolfina, viúva de um ferroviário colega dele, dizendo que gostaria que um dia um de seus filhos se formasse no ginásio. Todos os sete fizeram isso, quase todos se graduaram na universidade e um deles se fez doutor. Se vivo fosse talvez contasse com orgulho, em 2002, que tinha um filho fazendo pós-doutorado ‘no estrangeiro!’.
Assim, a evocação de sessenta anos de formatura (no ginásio) no dia da Conceição, permitiu uma mirada na Educação de tempos que parecem antanhos até porque a possibilidade de ensino público mudou (e muito, para melhor) mas, neste período corre o risco de um bárbaro retrocesso — o adjetivo foi escolhido judiciosamente — com os ataques que o ensino público superior sofre em consequência de ações praticadas por um governo da República corrupto e ilegítimo.

13 comentários:

  1. Então forma-se em datilogafria (1980)... era condição para se conseguir um emprego em escritórios ou bancos. Guarda a foto de minha certificação com beca e tudo.
    Hoje teve procissão no bairro em que moro, desta vez não fomos a caminhada gosto destes momentos. Abraços Mestre (Jorge, Alana, Lorena e Larissa)

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    1. Meu querido quarteto baiano: Larissa, Lorena, Alana e Jorge,
      primeiro obrigado pela presença querida de vocês, de vez em vez. Na metade de novembro tive o privilégio de estar mais uma vez nesta terra gostosa. Fiz uma blogada acerca de minhas emoções.
      Dois pontos relevantes a evocar:
      #1 Lembra como eram os exames no curso da datilografia: o teclado da maquina era coberto tecla por tecla com esparadrapo para se verificar o conhecimento do teclado e não tinha chance de apagar algo errado;
      #2 Lembrei de quanto a festa da conceição trazida a comentários se reveste de forte sincretismo com Iemanjá. Caberia uma muito significativa análise.
      Saudades e uma espraiada admiração,

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    2. Mestre, sem muita cátedra, mas como um Orixá pode ser vários Orixás, N. Sra. da conceiçῶao também pode ser OXUM (no sincretismo)

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  2. Querido tio/Guru Áttico
    Aprendi muito com tua postagem do dia 08. Estavas muito inspirado (não que nos outros dias não estejas). Gostei muito dos detalhes sobre a formatura da época e principalmente do final em que tu se referes ao governo corrupto e ilegítimo. Um grande abraço. Daniel.

    Blog: BLOG DO MESTRE CHASSOT
    Postagem: 08.- Então... formar-se no Ginásio, era uma solene celebração
    Link: http://mestrechassot.blogspot.com/2017/12/08-entao-formar-se-no-ginasio-era-uma.html

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  3. Nascida e batizada (e também confirmada) em igreja evangélica luterana... estudei do pré até o quinto ano em colégio de freiras kkkk pensa como era Chassot, durante a semana eu ia com a turma na capela e no domingo eu ia com minha família na igreja evangélica! Nascemos em um mundo religioso com certeza. Quando vc traz tuas memórias lindas das conquistas nos estudos eu me pego com minhas lembranças... como não pensar no "hoje" vou ver de perto esta pesquisa sobre Teologia do Cotidiano, fiquei instigada! Um abração com muita saudades você é ótimo, todo esforço da sua época em chegar a cursar o ensino superior valeu mesmo! Haja força, haja coragem, haja entusiasmo... é que as políticas não nos bloqueiem...

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    1. Querida Patrícia,
      imagino as dificuldades desta bi-partição de aluna luterana em colégio de freiras católicas e isso quando eras aluna nos anos iniciais do ensino fundamental. Deve ter sido difícil.
      Pelo menos mais difícil que agora fazer uma tese de doutorado que também, exige um envolvimento com a teologia.
      Assunto que foi enriquecido na edição desta semana com mais dois comentários.
      Reconhecendo que estamos num bom caminho, mesmo que complexo

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  4. Distinto amigo Chassot. O primeiro vocábulo foi proposital, para evocar os tempos dantes. Em minha amada Angatuba/SP, quem passasse a frequentar o Ginásio e concluí-lo, subia no "degrau" social de importância. A valorização era certa e a pessoa distinguia-se das demais. Quem não estudava, tinha como sina a roça, o serviço braçal, a lida dura e bruta das madrugadas até o anoitecer. E quando penso na organização da Educação no Brasil, reflito sobre a nomenclatura. É que administradores gostam de mudar vocábulos, simples nomenclatura! A LDB, por exemplo, está recheada desse modismo. Perdoe-me Darcy Ribeiro, mas Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, todos participam da Educação Básica. Não precisava tal alteração, que ainda hoje gera confusão, passados 21 anos. Sem contar os confusos 200 dias letivos não cumpridos, numa desconsideração de nossa cultura em suas tradições, feriados e outros. Eu diria mais: pelo amor de Deus, não me diga que quanto mais tempo se passa na escola, mais se aprende. Responda-me antes, quem o disser: qual escola? Quais conteúdos? Para quê? Para quem? Por quê? Deixando os questionamentos de desabafo, amigo Chassot, fiquei à sua procura na foto. Estás lá? Como é saudável e agradável ter lembranças, memórias e história! Penso nas crianças da "Idade da Tecnologia": quais serão as lembranças, as memórias e a história compartilhadas com o seu futuro? Obrigado, amigo, por compartilhar tua vida! Meu abraço, desta Sorocaba em pleno verão!

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  5. Muito estimado mestre Chassot!
    Excelente o blogue desta semana. Vou comentar apenas a primeira parte, pois a segunda, com os comentários do escritor sorocabano Élcio Mário, está esgotada; realmente ele disse certo: uns para o trabalho pesado, outros para o trabalho intelectual, mesmo que o trabalho intelectual fosse então uma profissão muito em voga guarda-livros.
    Mas vamos deixar isso de lado; queria falar da teologia, ou mais precisamente dessa teologia adjetivada como teologia do cotidiano. Bem postas as análises
    Vou aderir ao senso comum tão bem discutido no primeiro capítulo 'Das disciplinas à indisciplina' pode-se dizer que a maioria das pessoas realmente não tem a mínima ideia do que se celebra na Conceição Imaculada de Maria. Vou falar como gostam de dizer os praticantes do senso comum: 99,98% acreditam na essência deste dogma sem saber nem sequer significado. Isso está colocado como teologia do cotidiano. Parece ser uma adjetivação excelente.
    Preciso ainda ver os textos apresentados do seu embasamento Parabéns professor! valeu o blogar
    Tuluo Marcos

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  6. Atento mestre Chassot!
    Adiro aos comentários do Daniel, especialmente sobre a última frase e do Túlio Marcos acerca do que falou o Élcio; muito de acordo com os dois.
    Quanto a primeira parte concordo no operar o senso comum trazido pelo Túlio Marcos.
    Parece que ao invés de ‘Teologia do cotidiano’ se poderia falar numa ‘Teologia da tradição’ e quem me inspira aqui é Richard Dawkins em sua linda e apreciada carta a sua filha Juliette; (quem não conhece vale a pena procurar: basta buscar carta de Dawkins a sua filha).
    Na verdade é a tradição que sustenta crenças como a do dogma da Conceição (= Concepção); é claro que estou excluindo os debates de teólogos, pois estou pensando naqueles que veneram a concepção sem a mácula do pecado original de Maria sem saber em que estão acreditando baseado numa tradição que lhes foi passada de geração em geração.
    Volto a lembrar a carta de Dawkins.
    uma boa semana a todos e obrigado, mestre, pela blogada
    Anete Silberman Vogel

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    1. Muito queridos Daniel, Élcio, Tulio Marcos e Anete,
      como vocês quatro se referiram grupalmente, aceitem uma resposta conjunta.
      Parece muito oportuno o sublinhar o destacado pelo Daniel. Esta semana foi a prisão sem citação do Reitor da UFMG, que traduziu o viés ditatorial do governo da República. São as artes e a educação os alvos mais apetecíveis aos ditadores.
      A divisão social do trabalho entre letrados e iletrados foi trazida com precisão pelo Élcio ratificada pelo Túlio Marcos e pela Anete,
      Pareceu-me muito palatável a proposta da Anete de uma ‘Teologia da tradição’ pois é esta tradição que marca historicamente a sobrevivência dos deuses criados pelos humanos e o surgimento das religiões para promoverem o culto aos deuses e cabrestearem, muitas vezes, os humanos. Dawkins foi muito feliz na carta à Juliette, mas a presença da ‘tradição’ pode ser muito bem encontrada em David Hume, por exemplo. Mas repito parece-me palatável a discussão.
      Obrigado por qualificarem — e muito — minha blogada.
      PS. Para o Élcio: pareço ser, na ultima fileira o quinto da esquerda para direita. O que mais me encanta nesta foto é a pose e o trajo dos homenageados.

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  7. Belo texto!!!!
    Me fez recordar da minha formatura da 4ª série, em que fui oradora da turma, em 1988!!!
    Excelente o seu texto!!!
    Parabéns pelas medalhas!!!
    Beijo carinhoso e saudoso!!!

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    1. Danila, muito querida!
      é muito significativa evocarmos nossas histórias, entendendo como se deu / se dá e lançando projeções para como se dará nossa formação.
      Certamente a oradora da quarta série de 1988 tem muitas e importantes histórias. O espaço aqui está disponível. Escreve e publica aqui
      Obrigado por Inhumas me dar uma leitora querida,

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  8. Recordar, além de viver intensamento momentos significativos, tem a função de estimular...Como não admirar o dono de uma linda, não menos justa, trajetória de bons frutos. O saber como artefato cultural numa mente brilhante!!!

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