ANO
10 |
EDIÇÃO
3091
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A revista Carta Capital
publicou em 29SET2015 um artigo que amealhou dezenas de comentários: uns a
favor, outros contra. Reproduzo – e nisso traduzo minha adesão ao texto – Fundamentalismo cristão é um projeto de poder de Carlos
Juliano Barros, jornalista (USP) e mestre em Geografia (USP). Por dever de
ofício, somos obrigados a conhecer, também, nossa história cotidiana. É nesta
dimensão que trago aqui o artigo objeto de polêmicas.
O
Estatuto da Família aprovado [em 24SET2015] por uma comissão especial da Câmara
dos Deputados é o mais recente capítulo de um processo que vem se desenhando a
conta-gotas no Brasil.
Definitivamente,
o avanço do fundamentalismo religioso já não pode mais ser encarado como
folclore ou teoria da conspiração. E não se trata apenas de marcar posição
contra o casamento gay, o direito ao aborto, a regulamentação da prostituição
ou a legalização do uso da maconha. O que está em jogo é um projeto de poder
baseado numa pretensa “moralização” da sociedade brasileira.
Ao
longo das últimas décadas, os fundamentalistas cristãos praticaram uma
musculação discreta, anabolizada pelas isenções de tributos garantidas às
igrejas na Constituição de 1988. Aos poucos, foram capilarizando sua
influência. Os canais abertos de televisão se converteram em plataformas de
propaganda religiosa.
Com
a benção – e o dinheiro – do Ministério da Saúde, o tratamento dos dependentes
de drogas foi delegado a “comunidades terapêuticas” comandadas por igrejas. Nas
penitenciárias de todo o país, os detentos passaram a receber de missionários
cristãos, e não de agentes do Estado, até itens básicos de sobrevivência, como
escova de dente e papel higiênico.
O
fundamentalismo cristão, refletido principalmente nos discursos das igrejas
evangélicas neopentecostais, ganhou corpo arrebanhando fiéis entre os párias da
sociedade brasileira: a camada mais vulnerável da população que o Estado
desprezou e que os movimentos sociais não conseguiram mobilizar. Mas esse
diagnóstico já não dá mais conta de toda a história.
Hoje,
o pastor Silas Malafaia promete pagar os estudos do primeiro membro de sua
igreja – a Vitória em Cristo – que for aprovado em Harvard. Na internet, jovens
de classe média e alta defendem com unhas e cliques os valores da família
tradicional.
Em
outras palavras, o discurso do fundamentalismo cristão não se populariza apenas
entre os pobres e desvalidos. Na verdade, ele cai como uma luva para qualquer
um que se identifique como conservador nesse clima de caça às bruxas que se
instalou sobretudo nas redes sociais.
Faz
pouco tempo que o fundamentalismo cristão entrou de fato no radar da opinião
pública. Isso aconteceu em março de 2013, quando o deputado Pastor Marco
Feliciano, acusado de fazer declarações racistas e homofóbicas, assumiu a
presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.
Os
protestos contra a nomeação de Feliciano acenderam uma fagulha que explodiu nas
manifestações de junho daquele ano - que até agora não terminou. De lá para cá,
a oposição entre ativistas e conservadores só se acirrou. E, desde as eleições
gerais de 2014, os discursos de ódio dão a linha de qualquer debate no país:
vivemos uma espécie de macarthismo tupiniquim digital.
Não
há como negar que uma força política ancorada no fundamentalismo cristão,
hiperconservadora nos costumes e ultraliberal na economia, está se consolidando
no Brasil. A referência vem da direita dos Estados Unidos – de onde os pastores
evangélicos brasileiros copiam quase tudo.
No
Congresso Nacional, eles atuam para sacramentar em forma de lei a ideia de que
uma família só é digna desse nome se for constituída por “papai, mamãe e
filhos”, como define o deputado e pastor Ronaldo Fonseca.
Ou
para impedir que o Plano Nacional de Educação contenha diretrizes claras para
combater preconceito por identidade de gênero. Ou para garantir que o direito
ao aborto não seja estendido. Ou para impedir que profissionais do sexo não
possam ser reconhecidos como trabalhadores. Ou para barrar a regulamentação do
uso da maconha. A lista é grande.
É
esse espírito de época conflituoso que serve de pano de fundo para o
documentário #Eu_JeanWyllys. Ao longo de três anos, a equipe responsável pelo filme
acompanhou os passos do deputado para revelar os bastidores do Congresso
Nacional.
Único
gay assumido no parlamento e defensor de causas que arrepiam os cabelos dos
defensores da família tradicional, Jean Wyllys é o personagem que encarna, por
excelência, os embates de um tempo de posições políticas tão polarizadas. O
documentário é o perfil de um personagem pop e o retrato em cores vibrantes da
sociedade brasileira e da cultura digital contemporâneas. Um mosaico de temas
atualíssimos que alimenta discursos de amor e ódio nas redes sociais
Parece uma reprodução tupiniquim da eterna luta entre o bem e o mal. Curioso é que o mal sempre são os outros, os diferentes...E o mundo digital se transformou num terreno fértil para se disseminar o ódio social como bem diz Frei Betto. Falta aos fundamentalistas pegarem em armas, formalmente, pois...Que estágio evolutivo se encontra o homem???
ResponderExcluirGrande abraço.
Acróstico
ResponderExcluirFazendo-se supremos donos da verdade
Um bando de religiosos neopentecostais
Nutrem ódio às minorias desta sociedade
Dando-lhes escrotos rótulos de anormais.
Assim, em nome duma suposta divindade
Metem o bedelho nos costumes e que tais
Encontram somente virtude na irmandade
Néscia, dura e intolerante com os demais.
Tais fundamentalistas enxergam maldade
Assim como desregramentos conceituais
Ladeando toda essa incauta humanidade
Inclusive os desvios de conduta e sexuais.
Se veem tal como perfeitos ícones de jade
Missionários tão esclarecidos sem os quais
Os homens sucumbiriam a sua bestialidade.
genial e necessário seu texto, mestre. Forte abraço!
ResponderExcluirÉ importante ressaltar que temos radicalismos em ambos os lados. A falta de respeito ao pluralismo o qual nos identifica como seres humanos é geral
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