ANO 15 |
Agenda de Lives em página |
EDIÇÃO 3713 |
Parece que o 2021 começou... Já teve
carnaval (mesmo que apenas nominal). Já houve a Páscoa. O plenilúnio (palavra
com sonoridade ímpar que traduz um fenômeno astronômico que não raro no
embriaga no mundo da lua). Na academia começa o 2021/1. E o 2020 agora já
aparenta ser o ano passado labelado com as marcas da vacuidade.
Há não muito, de maneira usual,
dividíamos os humanos em analfabetos e alfabetizados. Estes, enquanto
alfabetizados na língua materna, eram — de maneira usual — qualificados como
capazes de saber interpretar (ou ser capazes de redigir) um bilhete ou ser um
leitor de um livro. Também, aqui se pode falar em múltiplas alfabetizações além
da usual no idioma de berço: alfabetização científica, alfabetização
matemática, alfabetização geográfica, alfabetização musical, alfabetização
astronômica, ou ainda, em idioma(s) estrangeiro(s) etc. Talvez, pudéssemos
afirmar que a Alfabetização Científica
— na acepção de ler o mundo por meio da linguagem que a Ciência o descreve — se
faz numa assemblage de diferentes alfabetizações.
Mais recentemente, depois de
milênios usando múltiplas linguagens escritas, incorporamos às nossas
habilidades a alfabetização digital. Nesta especificidade, de maneira mais
recorrente, caracterizamos três estratos: os
nativos digitais, os imigrantes digitais e os alienígenas digitais.
Hoje, de vez em vez, encontramos
situações nas quais avós se socorrem dos netos em múltiplos fazeres, nos quais
são inábeis, como por exemplo, na operação de smartphones. Há crianças (e
também adolescentes) que jamais escreveram com um lápis ou com uma caneta. Há
os que nunca usaram suporte papel para escrever um bilhete ou uma carta ou mesmo
para a redação de um trabalho escolar.
Há situações nas quais nativos digitais (= nascidos no século 21, parece ser uma
adequada cronologia) se comunicam por escrito prescindindo inclusive da língua
materna. Diálogos — usando apenas emojis* — podem oportunizar uma frutuosa
comunicação entre nativos digitais.
Um grupo, muito mais numeroso que o
anterior, são os imigrantes digitais (= a imensa maioria
dos nascidos no século 20) que em suas vidas foram (por muitos anos)
analfabetos digitais, mas — não raro, com árduo aprendizado — deixaram de ser
alienígenas e ingressaram na tribo dos nativos digitais. Muitos fizeram essa
transição sem sotaques, inclusive, com a trazida de suas habilidades, enquanto
estrangeiros, e aportaram riquezas ao universo digital. Esta migração também
foi/é muito ampla. Há aqueles que são (quase) do paleolítico, pois foram
alfabetizados em uma pedra de ardósia escrevendo nela com uma estilete da mesma
pedra. Há cerca de um quarto de século escrevi um texto** no qual narrei,
então, os meus cinquenta anos de meu escrevinhar, iniciado em uma lousa de
ardósia, emoldurada em madeira, muito semelhantes — no formato físico e em tamanho — ao atuais tabletes.
Há um terceiro grupo: os alienígenas digitais. Este é um grupo muito numeroso e, muitas vezes, invisibilizado. A maior parte daqueles que não ‘usam’ dos recursos do mundo digital, são, cada vez mais marginalizados no hodierno. Por exemplo: são incapazes de usar os mais comuns meios de transportes urbanos. pois não conseguem operar um aplicativo (um dos ícones do mundo digital). Nestes tempos pandêmicos os alienígenas digitais foram/são cada vez mais excluídos também pela inabilidade no ensino remoto. É importante mencionar que no mundo da Educação a exclusão ocorre, de maneira significativa, pela impossibilidade de acesso a hardwares necessários para acessar as ‘benesses’ do mundo digital. Vale registrar dentre os diferentes hardware nenhum é de uso tão exclusivo quanto o smartphone. A propósito: tu já emprestaste o teu para alguém?
Hoje há que lutarmos para ensejar a
migração dos alienígenas digitais para
fazê-los imigrantes digitais. Assim,
como ninguém discorda que se faça campanhas de alfabetização na língua materna
temos que acolher, como uma questão moral, os alienígenas e fazê-los imigrante digitais. Quando alguém imigra
para um pais que tem um Idioma diferente, o que busca aprender por primeiro.
A cada dia chegam centenas de
migrante a nosso convívio que ainda são analfabetos digitais. Há que
alfabetiza-los. Há que faze-los migrantes digitais (como nós, a maioria dos
leitores deste texto). Há que ensejar a muitos as benesses ofertada por esse
(quase mágico e) fantástico mundo digital.
[1]
* Emojis —
originados no Japão — são ideogramas e smileys usados em mensagens eletrônicas
e páginas web, cujo uso está se popularizando para além do país. Eles existem
em diversos gêneros, incluindo: expressões faciais, objetos, lugares, animais e
tipos de clima.
[1]
** CHASSOT, Attico. Sobre o ferramental
Professor Chassot, neste momento pandêmico, de acessos limitados, de distanciamento físico e afastamento das escolas, nada mais pertinente que esta reflexão. Porém atrevo-me a apimentar sua discussão: a pouco conversava com uma amiga sobre a propagação das fakenews e o impacto das estratégias econômicas. Ora, sabemos que Whatsapp e Facebook são redes sociais que não ocupam dados dos planos de internet, sendo esses os meios mais utilizados para a propagação das fakenews. Contudo, os sites de pesquisas, de notícias confiáveis, não oferecem tal acesso. Também sabemos que a Ciência enquanto linguagem, faz de muitos, alienígenas do próprio ambiente e organismo. Sendo assim, percebo a urgência de todos nós, enquanto cientistas, buscarmos a compreensão da linguagem humana. Aquela capaz de comunicar a todos sem excluir e nem provocar mal entendidos. Aquela que esclarece sem provocar constrangimentos, uma linguagem capaz de promover a todos, mantendo e respeitando a identidade de cada um. A cada dia tenho me alienado cada vez mais deste mundo conturbado onde o bem é taxado mal... e o mal ganha mais espaço e alcance. De alguma forma preciso cuidar de minha saúde mental, para enfrentar e combater essa insanidade coletiva que, a cada dia, me parece ser mais perigosa que a própria pandemia da Covid-19.
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