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sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

27JAN2021 *** Alfabetização Científica, pra quê?


 

 ANO 15

Agenda de Lives em página

www.professorchassot.pro.br

EDIÇÃO

3703

Não parece crível. Já é a última edição Janeiro2021. Era para vivermos um ano melhor que o 2020. Parece que o Covid19 não usa o mesmo calendário que os humanos. Meu pai diria: a situação está osca!

Recebi uma pergunta de uma aluna. Dedilhei uma resposta. Das 8 páginas extraio a metade teço a edição de hoje. Eis o excerto que se fez blogar. Não é autoplágio.

Querido professor Chassot,

em primeiro lugar, um abraço saudoso!

A Alfabetização Científica está na centralidade da minha pesquisa de Mestrado e o senhor além de estar referenciado nela em diversos momentos, motivou a escolha do tema. Vou contar-lhe algo: fiz uma revisão de literatura sobre Alfabetização Científica e formação de professores de Química e descobri que o senhor é o autor mais citado, aparecendo quase na totalidade dos artigos!

Quero te fazer uma pergunta e, desde já, peço desculpas se estou sendo ousada ou inconveniente. Ela tem acompanhado minhas reflexões desde o início: Por que os professores de Ciências devem ser alfabetizados cientificamente?

Agradeço se puder responder,

Eude Léia, PPGECM Unifesspa em Marabá.


27/01/2021

Muito querida Eude,

fazes como ofertório um interrogante. Ao preludiares, me encantas com a revelação de minhas referências na literatura. Faço um escambo contigo. faço tessituras para responder o muito relevante questionamento Por que os professores de Ciências devem ser alfabetizados cientificamente?

Por ser um facilitador para responder a tua pergunta convido olharmos o que é Ciência? A Ciência pode ser considerada como uma linguagem / construída pelos homens e pelas mulheres / para explicar o nosso mundo natural. É claro que, responder a uma questão tão complexa em apenas duas linhas pode parecer um reducionismo. Alan F. Chalmer escreveu um livro* de quase 300 páginas respondendo pergunta igual. Eu segmentei minha definição em três partes exigentemente iguais. Mesmo que seja saboroso discutir extensamente cada uma destas três partes (linguagem /construto humano / serventia), para tua interrogação a primeira — uma linguagem — se faz heliocêntrica. A segunda e a terceira parte dariam azo a extensas análise. Talvez acrescentasse lateralmente, com esta definição está explicito que a Ciência não trata do mundo sobrenatural!

Adito ainda que esta não é uma definição para uma Ciência escolar. Já falei em auditórios de pesquisadores alienígenas à área da Educação onde esta mesma definição tem muito bom trânsito.

Agora me restrinjo ao primeiro dos três segmentos: A Ciência pode ser considerada como uma linguagem. Poderia encerrar a resposta a teu questionamento aqui e agora, assim: Se a Ciência é uma linguagem ser alfabetizado cientificamente é entender (= falar, ler e escrever) esta linguagem.

Queria te convidar para vivenciares alguns locais que me esmero em te propor. Neste périplo a cinco locais (poderia te sugerir cinquenta) tu não és expectadora apenas. O convite é que os vivencie mais intensamente possível e os usufruas ao máximo, até porque vais ficar pouco tempo, em cada um de lugares admiráveis.

1.- Uma visitação a estações do metrô de Moscou. Algumas estações do centro da cidade são verdadeiras obras de arte, com esculturas, tetos, pisos luxuosos e lustres maravilhosos, todos da época em que o Comunismo ainda ditava as regras no país. Construído com a ajuda de milhares de trabalhadores e também de voluntários. “Os ricos já tiveram muitos palácios... agora é vez do povo tê-los”.

2.- Fazer uma conexão em voo doméstico em Chiang Mai, uma cidade da Tailândia. O tempo de conexão permite conhecer uma vibrante cidade que tem uma força histórica por ter uma importante situação estratégica na rota da seda, sendo hoje um grande centro de artesanato e ourivesaria.

3.- Estar no Muro das Lamentações em Jerusalém, no final de tarde de uma sexta-feira, quando está começando o shabath. O Muro das Lamentações ou Muro Ocidental (Qotel HaMa'aravi הכותל המערבי em hebraico) é o segundo local mais sagrado do judaísmo, atrás somente do Santo dos Santos, no monte do Templo. Trata-se do único vestígio do antigo Templo de Herodes, erguido por Herodes, o Grande no lugar do Templo de Jerusalém inicial.

4.- Chegando de improviso (por perda de conexão, e precisando procurar hotel em Sarajevo (pronunciado em bósnio, croata e sérvio: [sǎrajeʋo]; em alfabeto cirílico: Сарајево). É a capital e a maior cidade da Bósnia e Herzegovina. Sarajevo é considerada uma das cidades mais importantes dos Península Balcânica e tem uma rica história desde que foi fundada em 1461 pelos otomanos.

5.- Para encerrar nosso tour chegamos a uma charmosa cidadezinha no Sul da Holanda, que usualmente é citada nas minhas aulas de História da Ciência, por dois de seus filhos ilustres. Estamos em Delft a 15 minutos em trem de Rotterdam. Um pintor neerlandês muito famoso do século 17, Johannes Vermeer, (já estamos lembrando da Mulher com o brinco de pérola) nasceu e viveu toda a sua vida na cidade de Delf, e era amigo de Antonie van Leeuwenhoek, um dos precursores da observação microscópica no século 17, nasceu e viveu em Delft. Vale aproveitar para ver os antiquários e as porcelanas azuis, tão típicos da Holanda (e originários de Delft!).

Posso fácil imaginar o quanto nosso périplo foi encantador. Poderia ter sido melhor? Sim. Houve uma mesma restrição genérica e quase uma dezena de restrições especificas. Confere?

A restrição genérica (= a linguagem): as repetidas limitações nas possibilidades de comunicações — nas cinco visitações — por fala, entendimentos das chamadas sonoras em aeroportos, ferroviárias. O acesso a revistas, jornais, filmes e informações em museus etc.

As restrições especificas (= as diversas linguagens): se soubéssemos russo em Moscou. Perdemos por não fruir mais em Chiang Mai por não sabermos tailandês. Certamente não sabermos hebraico ou árabe trouxe perdas na nossa estada em Jerusalém. Sarajevo teria muito mais aprendizagens se soubéssemos bósnio, croata ou sérvio. A nossa estada em Delft, se soubéssemos holandês, nos ensejaria conhecer melhor o Século 17 e as artes dos grandes pintores neerlandeses.

Tenho, agora, um convite muito diferente. Falemos numa cozinha. Dias antes de começar esta pandemia, Lilith — uma colega de priscas eras — me enviou um WhatsApp. “Fui presenteada com meia dúzia de garrafas de cervejas artesanais. Sinta-se convidado para vir a minha casa amanhã para uma degustação!” “Convite aceito! Levo uma paleta de ovelha já marinada para assar!” À meia tarde, estava na casa de Lilith, para assar um presente que recebera.

Após festejarmos reencontros perguntei: Preciso saber onde encontro cebolas? Lilith respondeu: “No refrigerador na gaveta abaixo do congelador!” Descasquei e fatiei três cebolas e as coloquei junto com a paleta que já estava no forno. Estava com um bom assunto engatado. Por que choramos ao cortar cebola? Foquei no assunto e questionei, trazendo logo o meu interrogante: por quê tu e eu usamos colocar a cebola no refrigerador para não chorar ao descasca-las e ao fatia-las?

Uma muito boa pergunta é feita para quem, por anos, lecionou bioquímica nos cursos da área da saúde! Mas respondo tua pergunta com uma outra pergunta, à moda jesuítica**[1]: por que nós choramos quando descascamos cebolas, sem colocar as mesmas antes no refrigerador?

Minha resposta não é difícil, mesmo que seja quase incompleta: porque se não protegermos olhos, chega aos mesmos algo que está no estado gasoso e nos irrita. Nota 4, numa escala de 0 a 10, para tua resposta. Para um professor universitário — mesmo que sejas da área soft, divisão que eu sei que tu abominas (e eu também) — é muito pouco! Tu sabes — para facilitar respostas melhores que há outras maneiras — além de colocar a cebola no congelador, para não chorar — nós temos pelo menos três alternativas, que deixo de referir agora — mas todas baseadas em uma mesma explicação.

Voltemos a questão heliocêntrica: por que nós choramos quando descascamos cebola, sem colocar as mesmas antes no refrigerador? Uma provável explicação está no sulfóxido de tiopropanal, um gás de uma chamada função mista, formado no corte de vegetais como a cebola que gera um ácido, em contato com a água dos olhos. Esse composto, inicialmente, não existe na estrutura da cebola, mas a sua formação ocorre quando a descascamos e/ou fatiamos, pois, nesse momento, as células desse vegetal são quebradas e há a liberação de enzimas chamadas alinases e um grupo de compostos chamado de sulfóxidos-S-alquenil cisteína.

Os compostos desse grupo estão separados em diferentes partes da cebola, mas depois de cortá-la, eles entram em contato e interagem por meio de reações complexas que são catalisadas pela enzima alinase. Resumidamente, entre os compostos formados, há os ácidos sulfínicos, que são bem instáveis e logo convertem-se no sulfóxido de tiopropanal, que é o aldeído da lágrima.

Visto que esse gás é volátil, ele entra em contato com a umidade de nossos olhos e transforma-se em uma espécie de ácido bem fraco, que causa o ardor nos olhos. Assim, como um mecanismo de proteção, as terminações nervosas das córneas fazem as glândulas lacrimais produzirem as lágrimas. Contudo, isso só piora a situação, porque há mais água para reagir com o sulfóxido de tiopropanal e formar ainda mais ácido.

Depois desta explicação de um saber primevo, detido, por exemplo, por cozinheiras, encontramos — como (na explicação trazida) para não chorarmos ao descascar cebolas — mediado por saberes acadêmicos explicações para a facilitação para abrir a tampa metálica que fecha um vidro de conservas ou uma explicação à recomendação de minha mãe em minha infância: “Tem que colocar o sal amoníaco em uma vasilha bem fechada, se não ele foge!” Ou ainda porque para apagar uma vela ou avivar ou braseiro, usamos o mesmo procedimento: assoprar.

Depois de fazer evidente como o saber (falar, ler, escrever...) diferentes idiomas pode ser facilitador para (con)vivermos no Planeta Terra e isto tem igual valia no que se refere quanto ao conhecer Ciência. Não preciso ter a expertise em bioquímica como Lilith, mas se entendo como moléculas de uma substância volátil (presente na cebola) se colocadas sob baixa temperatura, cristalizam parece que está respondida a pergunta: Por que os professores de Ciências devem ser alfabetizados cientificamente? 

*****************

* Alan F. Chalmers O que é essa coisa chamada Ciência? ou no original What Is This Thing Called Science? (São Paulo: Brasiliense, 1993).

** É quase senso comum que os jesuítas sempre que perguntados acerca de algo, respondem com outra pergunta. Comprovei isso. Quando lecionava na Unisinos, um dia perguntei ao hoje reitor: Padre Marcelo, é verdade que quando se pergunta algo a jesuíta ele responde com outra pergunta? Silêncio sonoro e obsequioso” Professor Chassot, quem te contou isso?

3 comentários:

  1. Ah!!!!! Quanta saudade... sim!!!!! Tenho as cebolas no refrigerador!!!!!! Fortes e demorados abraços!!!!!!🥰

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  2. Excelente texto professor 👏🏽👏🏽👏🏽

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  3. Uau!!!
    Aquele abraço, querido ALFABETIZADOR CIENTÍFICO!!!

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