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sábado, 19 de novembro de 2011

19.- A perfeita mulher casada

Ano 6 *** www.professorchassot.pro.br

*** Edição 1934

Já vivo, nesta segunda noite consecutiva a bordo, a gostosa sensação de retorno. Um diário de bordo permite registrar: Missão comprida e cumprida. A partida foi às 23h20m com chegada prevista em Porto Alegre às 6h.

O dia em Frederico Westphalen foi produtivo. Mesmo que já houvesse falado muitas vezes na URI, hoje não era um alienígena que vinha dar uma palestra. Era um da casa com correio eletrônico institucional e carteira de trabalho assinada, que dava suas primeiras aulas. Emocionante isto quando ocorre quando já quase encerro meu 51º ano de magistério.

Os mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Educação são 18. Estes pertencem a um amplo espectro profissional, que vai de um médico a um produtor/vendedor de hortaliças entre os quais há graduados em Filosofia, Pedagogia, Psicologia, História, Matemática, Artes Visuais, Serviço Social. Há professores do ensino fundamental, médio e superior. Pareceu um grupo muito maturo e que aceita as continuadas provocações que propus durante as minhas exposições.

Mas hoje é sábado e quero partilhar com meus leitores a leitura da semana, que está comigo nesta viagem e é mais uma das preciosidades encontradas nos saldos da Feira do Livro encerrada na última terça-feira em Porto Alegre.

Eis a ficha técnica de mais uma dica sabática, ritual que se cumpre há mais de três anos (quase) a cada sábado, aqui por sugestão de Marcus Vinicius Pacheco Bastos, então meu aluno, enquanto acadêmico de História no Centro Universitário Metodista, do IPA. Permito-me chamar atenção de meus leitores que o autor e sua obra são excepcionais. Acredito que trago aqui uma das mais significativas dicas de leitura.

DE LEÓN, Fray Luiz. A perfeita mulher casada [Original espanhol: La perfecta casada] Tradução Liliana Raquel Chwat. Coleção grandes obras do pensamento Universal. V. 19 São Paulo: Escala. 91 p. s/data. ISBN: 85-7556-664-4

Primeiro algo acerca do autor de tão ‘ousada’ obra. “Fray Luis de León (1527-1591), humanista, teólogo, poeta e tradutor espanhol, foi monge da ordem de Santo Agostinho (354-430). Foi insigne professor na Universidade de Salamanca, onde teve problemas com a Inquisição que o levou nos calabouços do Santo Ofício em Valladolid. Durante cinco anos permaneceu preso acusado de preferir o texto hebraico da Bíblia ao latino da Vulgata e por ter traduzido, em 1561, o Cantar de los Cantares em língua vulgar, prática proibida então pelo Concílio de Trento. [...] No processo que sofre pela polêmica tradução, frei Luis de León argumenta sua discrepância com São Jerônimo (ca. 348-420) com muita erudição e observações sobre a tradução de termos polissêmicos e sobre o papel que o tradutor deve assumir quando o texto se afasta de seus valores morais. Frei Luis coloca o respeito escrupuloso pelo texto e o inegável valor da versão hebraica original sobre a de São Jerônimo: de certo modo, dirá que a palavra divina está no original, não na versão do santo que compôs a Vulgata, e, consequentemente, esta deve ser tomada como uma versão do texto, com acertos e imperfeições, todos imputáveis ao tradutor e não ao texto original” [in FURLAN, Mauri. Prólogo a Cantar de los cantares, de Fray Luis de León. In: Clássicos da Teoria da Tradução. Tese de doutorado].

Frei Luís de León um sacerdote que foi insigne professor na Universidade de Salamanca, onde teve problemas com a Inquisição que o levou preso e assim o manteve, durante cinco anos, numa cadeia em Valladolid.

Quando foi libertado regressou à Universidade de Salamanca. O ser regresso causou grande surpresa e também muita curiosidade. Assim, quando compareceu a primeira aula recém retornado do cárcere, a sala encheu-se, havia uma enorme expectativa em saber o que ia dizer sobre os cinco anos de prisão. Quando os alunos fizeram silêncio, Frei Luís tomou a palavra e, para espanto de todos os assistentes, disse: “Vamos continuar a matéria no ponto em que a deixámos na aula de ontem”.

Quis, com isto, colocar uma pedra sobre os anos de prisão, fazendo como se eles nunca tivessem existido.

Sobre a obra eis algo que está na quarta capa: “A perfeita mulher casada é uma belíssima obra que aponta as características da mulher ideal, encarnada nos papéis de mãe e esposa segundo o padrão de julgamento social da Europa Medieval e da Europa à época da Renascença. Apesar desta obra parecer arcaica e superada na atualidade, esta ideia de mulher traz novamente à tona um período de nossa ancestralidade europeia e católica, o que a torna assaz interessante ao compararmos o ideal de mulher de Luís de León e o perfil da mulher contemporânea, a qual se destaca por ser emancipada e independente, pronta a abrir muitos e novos espaços na política, na cultura e na sociedade, além de ter a liberdade de não ter de dar satisfações de seus atos ao homem e nem ao meio social em que se insere. Tais conquistas, inimaginada no período medieval são os pontos chaves que podem ser colocados em contraste ao perfil de mulher presente na obra de Luis de León, datada do século 16.

Aos leitores sagazes e cultos, compete não somente verificar as diferenças entre um e outro padrão comportamental do gênero feminino, mas também reconhecer a vivacidade, simplicidade e beleza desta obra que nos apresenta uma realidade tão diferente no que diz respeito à relação entre os sexos. A Perfeita Mulher Casada é uma obra que serve sobretudo para ilustrar as conquistas que já foram obtidas pelas mulheres, bem como para nos mostrar como podemos, a partir do exemplo insigne dos grandes escritores de outras épocas, virmos a enriquecer nossa mente de boas leituras e saudável erudição. Livro altamente recomendável a todos os que pretendem montar uma biblioteca contendo grandes obras do pensamento humano”.

A Perfeita Mulher Casada, publicado em 1583, em Salamanca, consiste em uma homenagem feita pelo agostiniano objeto de herético pela Inquisição a uma dama da sociedade prestes a receber o sagrado sacramento do matrimônio. Luis de León afirma que mesmo sem conhecimento de causa, aconselhará a dama a se portar, pois as Sagradas Escrituras são suficientes para respaldar seu discurso e seus conselhos.

Ao longo do texto o frei desenvolve a ideia de que o matrimônio é necessário, apesar de não ser o estado ideal como é o dos virgens e castos, pois a humanidade precisava se multiplicar. Entretanto, certos comportamentos eram fundamentais para que homens e mulheres vivessem em total harmonia dentro do casamento. A mulher deveria ser companheira, econômica, honesta, religiosa, sem vaidade, deveria preocupar-se apenas com seu lar e não se interessar por fofocas e pelas coisas da rua, a casa era seu lugar. Deveria confortar o marido e guardar e multiplicar tudo o que ele conseguisse com esforço e trabalho. Ao marido, em contrapartida, caberia o abastecimento da casa e o tratamento dispensado à esposa deveria ser o melhor possível, pois ela era o seu consolo e seu porto seguro (p. 13-14 do livro)

Juliana da Cunha Sampaio, Mestre em História Social da Cultura Regional – UFRPE Anais de II Encontro Internacional de História Colonial, em alentado estudo acerca de A Perfeita Mulher Casada escreveu: “Sempre mencionando passagens da Bíblia, Luis de León traça um perfil de mulher idealizado pela Igreja e pela sociedade barroca-tridentina. Na maior parte do texto alude às obrigações das esposas, abordando esporadicamente o papel do consorte. No entanto, os comportamentos exigidos das mulheres eram sempre em função das tarefas que deveriam ser exercidas pelos homens. O homem ganha, a mulher guarda. O homem trabalha na rua, a mulher em casa. Assim vamos vislumbrando o lugar do gênero na construção das relações sociais e dos papéis sexuais” [Mneme – Revista de Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. ISSN 1518-3394. Disponível em www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais].

5 comentários:

  1. Caro Chassot,
    Certamente não é um livro que eu compraria a partir do título, do autor ou da apreciação da capa. Mas com uma resenha dessas, o livro passa a ser interessante. Abraços sabáticos, JAIR.

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  2. Caro mestre Chassot

    É uma bela obra, ao ler e refletir, voluntaria ou involuntariamente, fazemos comparações com o modo de viver contemporaneo, procuramos paralelos, e em muitos pontos se mantem firmes, porem é no contato e fora das paralelas que encontramos as diferenças no agir cultural daquela época com o agir desta. Tem-se atualmente o resultado de longas lutas, construção das relações sociais que dão conta do potencial presidencial das mulheres contemporaneas.

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  3. Caro Chassot,

    em primeiro lugar quero te cumprimentar pelo ingresso oficial como professor da URI. Isso só demonstra a tua capacidade/vitalidade acadêmica aos 72 anos: parabéns!
    Muito interessante, também, a dica de leitura de hoje. Já havíamos conversado sobre o problema das traduções/edições de livros sagrados: elas sempre pendem para os patrocinadores do poder de plantão. Muito legar a forma como ele reiniciou a aula depois de cinco anos de cativeiro!

    Um forte abraço,

    Garin

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  4. Muito querido Adão,
    evocação continuada da turma fabulosa de Filosofia, obrigado por tua presença aqui.
    Realmente o leitura de Fray Luis hoje é muito significativa para compararmos ‘novos tempos’.
    Obrigado por te fazeres presente aqui,

    attico chassot

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  5. Caro Chassot,
    há cerca de um mês venho acompanhando suas postagens. Tenho a dizer que os temas são interessantes e instigam-me tornar a ler.
    Um abraço da leitora de todos os sábados.
    Emileyne

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