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sexta-feira, 25 de junho de 2021

25JUNHO2021***** POR QUE UMA CIÊNCIA INDISCIPLINAR?

 

 ANO 15

Agenda de Lives em página

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EDIÇÃO

1375

 Na busca de um assunto para o último blogar junino, propus-me — mais uma vez —tentar responder uma pergunta recorrente: POR QUE UMA CIÊNCIA INDISCIPLINAR? Ante a extensão do tema, adiro a um modelo muito atual. Vou fracionar a resposta à questão fulcral em episódios. Estes serão trazidos em futuras edição (não necessariamente sequenciais) formando uma série. A seguir o primeiro episódio.

Ouso afirmar que, passado um quarto de Século da publicação dos primeiros livros de educação química no Brasil, somos menos educadores químicos. Somos mais professores de ciências do que professores de química. Fizemos alfabetização científica, formamos mestres e doutores em ensino de ciências. Radicalizo mais: quase perde o sentido falarmos em educação química. Essa afirmação é feita na mirada de pelo menos quatro revoluções científicas (copernicana, lavoisierana, darwiniana e freudiana) que, desde o Século 16 ao Século 20, ordenaram/ ordenam o disciplinamento dos conhecimentos. Parece que há exigências de pensarmos neste Século 21, em uma reversão desses processos, e considerarmos a produção do conhecimento sem as marcas da disciplinarização, gerada no contexto ocidental dominado pelo espectro dos livros sagrados que ainda dogmatizam (e garantem a ortodoxia) às três religiões abraâmicas (judaísmo, cristianismo e islamismo). É nesse cenário, ou melhor, é com esses mentefatos culturais, que ocorreram as revoluções científicas.

Esse contexto tem determinado um dogmatismo disciplinar à chamada ciência moderna que, neste texto, se quer discutir. Um quadro-síntese poderia ser assim desenhado.

Houvesse ainda
 censura às publicações, um censor mais rigoroso não daria um ‘imprimatur est’ a este texto nesta revista*. No entanto, contrariamente ao que possa parecer, não alço aqui a bandeira da iconoclastia, pois mesmo que proponha a indisciplinaridade, aceito a existência de disciplinas. Aqui e agora, reafirmo algo, não sem certo constrangimento, pelas continuadas limitações que as considerações já trazidas em outros textos e, especialmente, em dezenas de palestras que trazem como título: Das disciplinas à Indisciplina. As análises que apresento prosseguem sendo um recorte apenas de leituras do mundo ocidental. Nesse recorte, a partir do dito nascimento da ciência moderna no Século 16, o conhecimento se faz cada vez mais disciplinar. Esse alerta é preciso, pois nós, com nosso autocentramento, continuamos, por diferentes razões, sendo umbigocêntricos, marcados talvez pelo nosso forte DNA grego. É preciso recordar que, para nossos ancestrais helênicos, quem não falasse grego era bárbaro. Mais uma vez, interrogantes aportam fortes: quem é o Oriente? Quem é Ocidente? Parece pouco crível o quanto o Ocidente ainda parece ser sinônimo da cristandade (não na acepção dicionarizada de maneira corrente: conjunto dos cristãos, mas num recorte geográfico, isto é: ocidente é a Europa e as terras por ela colonizadas. Assim, parece ficar estabelecido o ocidente como uma circunscrição definida quanto à territorialidade e, por conseguinte, fica esclarecido qual o entendimento de civilização europeia. É usual, ao nos envolvermos com a história da ciência e de uma maneira mais ampla com a história da construção do conhecimento, centrarmo-nos quase exclusivamente no mundo ocidental e o fazermos sob a ótica eurocêntrica, e esta alimentada por nossos olhares brancos, masculinos, cristãos... Pouco sabemos de como ocorreu a construção do conhecimento em diferentes culturas no oriente. Ainda hoje, por exemplo, filmes ambientados na China ou na Índia, apenas para referir aos dois países orientais mais populosos, trazem-nos surpresas. Mesmo nos dias atuais, conheçamos muito pouco, por exemplo, da educação na China, apenas para referir a um país onde vivem cerca de um quinto dos humanos. Aliás, poderia retratar o ápice de nossa presunção de falar dos outros, citando Edward W. Said (2007)**. O reconhecido pensador palestino mostrava que o oriente, mais que uma concepção geográfica, engloba tudo que não sejam as civilizações europeias. E esse oriente é uma invenção do ocidente. É preciso considerar que esse ocidente, balizado inicialmente sob o poderoso Império Romano que, mesmo quando sai de cena quase esfrangalhado no Século 5º, deixa um legado portentoso que garantiria hegemonia: o latim. Originário da região itálica do Lácio, o latim é uma das marcas mais imponente do ocidente. Como língua oficial do Império Romano, ele é imposto aos colonizados. Talvez, o melhor exemplo disso é o latim substituir o grego quando Roma coloniza a Grécia, dois Séculos antes da Era Cristã, quando os romanos latinizam a filosofia grega e os deuses (Zeus passa ser Júpiter e assim todo o panteão de divindades gregas são convertidas a divindades romanas). Igualmente acontece no norte da África: em Alexandria, a resistência de Hipátia é um exemplo. As nascentes do direito, da filosofia, da ciência, da literatura e, de maneira especial, da religião são em latim. Mesmo com o esfacelamento do latim em mais de uma dezena de línguas românicas (como, por exemplo, o português), este segue como a língua oficial (e o garantidor da catolicidade) da igreja romana até o Concílio Vaticano 2º (1962-1965). Ainda na segunda metade do Século 20, o ensino da filosofia em escolas seminarísticas era feito em latim. Até o Concílio Vaticano, toda liturgia da igreja católica romana, para todos os fiéis, era em latim.

Por ora paramos aqui. Há episódios sumarentos porvir.

*A referência é ao artigo disponível na rede e que serve de fonte a este blogar: CHASSOT, Attico. Do Rigor Cartesiano Disciplinar à Indisciplinaridade Feyerabendiana. Quím. nova esc. São Paulo SP Vol. 38, N° 2, p. 127-132, MAIO 2016.

**SAID, E.W. Orientalismo - o oriente como invenção do ocidente. Trad. Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia de Bolso, 2007.

Aguarde o segundo episódio de POR QUE UMA CIÊNCIA INDISCIPLINAR?

2 comentários:

  1. Bom dia Mestre. Bom domingo e bom São Pedro(este dentro das tradições cristãs católicas). Sempre aprendo muito com o Sr. desde o livro e palestra na (UESC-BA) Alfabetização Científica; senti-me então partícipe da citação menos educador químico e mais alfabetizador científico, no seu escrito inicial do texto postado. Enquanto professor da educação básica (ensino médio), tenho procurado potencializar (dentro de minhas humildes possibilidades) a "indisciplina" quando dou aulas de química. Obrigado pelo presente de sempre. Para não perder o costume, aqui vão os costumeiros abraços virtuais de minha "turma": Alana, Lorena, Larissa e eu.

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  2. Saudações solidárias, amigo Chassot! Apesar de temperatura despencada em Sorocaba, a energia humana, como resistência à imbecilidade, arde! Quando penso na Ciência Indisciplinar, sinto-me alimentado, porque não suportaria conviver com a pesquisa e o pensamento cerceados, presos e oprimidos, sem que pudessem revelar-se e descortinar as verdades observadas, ainda que temporárias, mas que refletem, cada uma, seu tempo próprio, suas interrogações e conflitos, seus contextos e esperanças. É possível avançarmos em meio à ganância por lucro e poder? Sem dúvida, porque assim como as sementes na terra da Terra, também os saberes alcançados não podem ser impedidos de explodirem em descobertas. Ainda que um só traidor tenha mais força que um povo, jamais será esquecido, até que seja derrubado: em menção à belíssima canção "Solo le pido a Dios", de León Gieco, nas belíssimas vozes de Bete Carvalho e Mercedes Sosa. Meu abraço, agora, no inverno!

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