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sexta-feira, 27 de novembro de 2015

27— DESEQUILÍBRIOS AMBIENTAIS


ANO
 10
LIVRARIA VIRTUAL em www.professorchassot.pro.br
EDIÇÃO
 3107

Na aula de Ética, Sociedade e Meio Ambiente da última segunda-feira fizemos uma participada discussão do documentário de 2004 (assistido em aula anterior) O Pesadelo de Darwin (Le Cauchemar de Darwinis, título original em francês / Darwin's Nightmare, em inglês) escrito e dirigido por Hubert Sauper e resultante de uma parceria entre a França, Bélgica e Áustria. O filme aborda os efeitos sociais e ambientais no Lago Vitória na Tanzânia provocados pela indústria de pesca. O filme estreou em 2004, no Festival Internacional de Cinema de Veneza e foi nomeado/indicado para o Oscar de melhor documentário em 2006.
Durante os debates, foi muito oportuno a trazida do texto vai ser bom..., mas não foi de Ruben George Oliven, professor titular de Antropologia da UFRGS e membro da Academia Brasileira de Ciência, publicado no excelente caderno dominical Proa da Zero Hora do dia 22. Vale transcrever o texto:
O coelho é um símbolo de fertilidade em várias culturas. Esse mamífero se reproduz muito e rapidamente: uma fêmea em idade fértil pode ter de três a seis ninhadas por ano, em cada ninhada nascem de três a 12 filhotes e a gestação dura em torno de 30 dias. Vinte e quatro horas após o parto, a coelha já se encontra em estado de cio novamente.
A Austrália conhece bem a capacidade reprodutiva dos coelhos. Antiga colônia britânica, para lá eram enviados condenados na Inglaterra. Considerada um fim de mundo, era natural que os colonos admirassem e quisessem emular a metrópole.
Thomas Austin, colono que emigrou para lá, era membro da Victorian Acclimatization Society, que tinha como missão “civilizar a savana australiana”. Entre suas iniciativas, estava a de aprimorar a flora e a fauna locais, consideradas inferiores, introduzindo, por exemplo, peixes europeus como o salmão e a truta. Esse processo foi chamado de “imperialismo ecológico” e teve efeitos nefastos no meio ambiente, por causar desequilíbrio e introduzir espécies estranhas no país.
Austin visitou a Inglaterra e tomou gosto pelas caçadas. Em 1859, ele soltou, nas terras de sua propriedade que ficavam a oeste de Melbourne, 24 coelhos que seu irmão tinha enviado. Os animais se adaptaram com grande facilidade ao novo ambiente. Eles não encontraram predadores naturais, já que no seu afã por eliminar animais, Austin também abatera possíveis predadores, como gaviões, águias e gatos. Em 1868, 8 mil quilômetros quadrados de terra ao redor de sua fazenda tiveram que ser abandonados depois de arrasados pelos coelhos.
Houve uma impressionante procriação dos leporídeos que hoje ocupam mais da metade da superfície da Austrália. Trata-se da mais rápida migração de animais mamíferos no mundo. Em 1940, a população de coelhos australianos era estimada em 800 milhões – e cada um era responsável por causar dano equivalente a um dólar australiano, tendo se tornado uma praga difícil de controlar. Eles são o maior fator de perda de espécies de plantas, ao destruirem árvores e comerem plantas nativas. Ao deixarem, assim, o solo exposto, causam grande erosão. Pequenos animais, como os papagaios, também foram dizimados pelos coelhos.
Desde o século 19, o país tenta conter essa população predadora. As primeiras tentativas de controle envolveram caça, envenenamento e construção de cercas. A mais longa dessas cercas tem o comprimento de 1.150 quilômetros. Na década de 1950, a inoculação do vírus da mixomatose eliminou 95% dos coelhos australianos, mas os 5% restantes desenvolveram imunidade a ele e reiniciaram o crescimento de sua população.
  Foto: John Loo / Wikicommons publicada no Proa digital
A partir da década de 1990, foi introduzido o calicivírus chinês, junto com a pulga de coelho europeu. Isso ajudou a reduzir a população de leporídeos, mas eles continuam sendo uma praga em várias regiões da Austrália.
Durante épocas de crise e de desemprego, o coelho acabou se tornando uma fonte de proteínas. Nesse contexto, caçá-los não era um esporte, mas uma questão de sobrevivência. Nos anos 1930 e durante as grandes guerras, coelhos pegos em armadilhas garantiam comida e renda adicional. Eles também eram utilizados como alimento de animais de criação.
A propósito de sobrevivência, existe um grupo de pressão chamado “Foundation for the Rabbit-Free Australia” (“Fundação para a Austrália Livre de Coelhos”). O ódio é tamanho que se desenvolveu um movimento para expulsar a espécie dos festejos pascais. Em vez do coelho da Páscoa, promove-se o Bilby da Páscoa, um marsupial australiano que tem orelhas parecidas com a dos coelhos e está ameaçado de extinção justamente por causa deles. A introdução de coelhos na Austrália e a consequente devastação que causaram se enquadram no que pode ser chamado de “consequências não intencionais”, isto é, efeitos não previstos e indesejáveis de uma medida. O coelho pode ser um animal fofo e simpático no imaginário das crianças e símbolo de sexualidade para os adultos, mas deixado à solta… não vai ser nada bom, não foi?

7 comentários:

  1. Mais um excelente texto, professor! Aliás, além dos coelhos, há exemplos de desastrosas introduções, tanto de animais quanto de plantas, pelo mundo afora. O pinheiro-americano (Pinus elliotti), o peixe blackbass e o javali aqui no estado, são bons exemplos. Ainda há as tentativas desastrosas de remediar os erros ambientais. Introduzir raposas para caçar os coelhos na Austrália fez com que elas, ao invés de caçar os coelhos, optassem pela fauna local, comprometendo várias espécies.
    Nos Estados Unidos, há dois casos bem complicados, envolvendo a indústria de animais de estimação "exóticos". Muitas pessoas adquiriam pítons do sudeste asiático. O problema é alimentar essas serpentes, que comem presas vivas, como coelhos e frangos. Soltas na natureza, elas criaram um sério problema, em especial na Flórida. Outro problema causado por animais de estimação pouco convencionais é o que observou-se com o peixe Pterois volitans. Do oceano Índico, o peixe não tem predadores em outros locais. Exemplares da espécie foram soltos na costa americana, quer seja por danos causados por algum daqueles furacões que se bateu por lá (arrebentando aquários e arrastando os peixes pro mar), ou de propósito mesmo, para que alguém se livrasse de uma mascote indesejada (além de ter espinhos com glândulas de veneno nas nadadeiras, o peixe só come presas vivas, ou seja, outros peixes de aquário, dispostos para que ele os ataque e devore). O resultado é um verdadeiro massacre que esses peixes promovem à fauna aquática, que começaram a procriar da Flórida até o nosso nordeste, passando por todo o Caribe... Tem um porrilhão de outros casos pra relatar, caberiam várias blogadas. Abração, mestre!!

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  2. Muito atencioso colega Carlos Augusto,
    obrigado pelo upgrade que dás à minha blogada. Realmente tens expertise em desequilibrios ambientais.
    Sempre lembro 'o rei Salomão, predador' que aprendi contigo.
    Aceito ajudas para expandirmos o tema.
    A minha espraiada admiração ao músico-biólogo.

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  3. Acróstico

    Povo de chocolate enche a barriga
    Ávidos, são chocólatras de joelhos
    Sem pejo, o consumismo nem liga
    Convictos, sequer ficam vermelhos
    Ou é somente conjetura que intriga
    Alguém já chocou ovos de coelhos?

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  4. Soneto-acróstico
    Ao Cunicus timido

    Com ornitorrincos me confundem
    Ovos são eles que costumam por
    Então pelo amor de deus, mudem
    Logo esse preconceito, por favor.

    Hoje não posso ouvir: chocolate!
    O meu pêlo todo até se arrepia
    Dói, e uma total tristeza me bate
    Adoeço ao ouvir falar desse dia.

    Páscoa, eu nada tenho com isso
    Ávido chocolateiro me dá trabalho
    Só que não tenho compromisso.

    Comendo ovos como um atalho
    O chocolate é produto de feitiço
    Ao que gosta, gosta prá caralho.

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  5. Chassot,
    Tenho a vã pretensão de ser meio "australiano", meu filho mais novo é cidadão australiano e minha mulher e eu já fomos quatro vezes para lá. E mais, dia 01/12/15 nasce nosso primeiro neto lá. Um "aussie" autêntico. Bem essas, amenidades foram só o introito, para dizer é o seguinte: A Austrália é, possivelmente, o país que mais sofreu invasão involuntária (nem tanto involuntária algumas vezes) de fauna estranha. Para esclarecer é necessário que se diga: TODOS os mamíferos nativos australianos são MARSUPIAIS, não existem mamíferos placentários originais daquele país. Então desde o DINGO (oriundo da Polinésia), aquele simpático cão amarelado predador que vive no deserto (Out Back) central até o mais recentes como PORCOS e VEADOS selvagens foram introduzidos, às vezes por ingenuidade como o foi o caso dos GATOS DOMÉSTICOS, outras vezes por malícia e dolo, como é o caso dos COELHOS e RAPOSAS, que foram introduzidos pela elite inglesa que queria animais “caçáveis” para seu nobre lazer. O SAPO BOI mexicano, aqui no Patropi também chamado SAPO CURURU, foi introduzido para combater as pragas que prejudicam as plantações de cana-de-açúcar em Queensland. Não deu certo, hoje os sapos são uma praga que está dizimando a fauna miúda como: outros sapos, aves que nidificam no solo, pequenos ofídios, lagartos, lagartixas (gecos) e insetos úteis para polinização. Uma PRAGA na mais pura acepção do termo.
    Ainda, RATOS que vieram a bordo de navios, DROMEDÁRIOS levados para servirem de transporte no deserto e que hoje são selvagens, e GATOS, cuja finalidade era combater os ratos, mas que se tornaram o que eles chamam de GATOS DOMÉSTICOS SELVAGENS, já que os felinos fugiram das cidades e hoje representam uma terrível ameaça à fauna nativa. Consta que levaram à extinção dezenas de espécies como aves, pequenos cangurus e outros marsupiais de pequeno porte, cobras, lagartos e até peixes. Tive oportunidade de ver em um museu de história natural um GATO desses de 16 quilos. Eles se tornaram imensos pela falta de predadores e abundância de comida.
    Por último, existe um marsupial parecido com uma capivara, muito simpático, que é lento e vive em tocas que ele mesmo cava, o WOMBAT. Pois, o COELHO é rápido, famélico e se alimenta das plantas que o WOMBAT normalmente come. Assim, nas regiões infestadas por COELHOS, os WOMBAT estão morrendo fome. Este comentário é só para complementar o excelente texto do Ruben George Oliven.
    Abraços, JAIR

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  6. Meu caro Jairo, o polímata,
    depois de teu poetar bonito, em dois comentários acerca dos "lindos" coelhinhos australianos, trazes um comentário em prosa brilhante. Primeiro teces uma protofonia, que além de justificar tua australianidade, anuncias que nesta terça-feira ascenderás aos dulçores do avonado. Parabéns a ti ao teu clã; isso é maravilhoso.
    O texto que dizes complementar o professor Oliven é fantasticamente instigante. Eu desconhecia a extensão dessa invasão à biodiversidade australiana. Tu e o Carlos Augusto (um biólogo que se faz músico; acho que o contrário pois, mesmo que só recentemente tenha ingressado no curso de música, parece que já os primeiros vagidos de Guto foram musicais) trouxeram um upgrade ao blogue. Agradeço e vou trazer os comentários para as aulas de Ética, Sociedade e Meio Ambiente na próxima terça feira, dia da sagração te teu avonar.
    Muito obrigado
    attico chassot

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  7. Deus ou deuses podem, ao menos no imaginário religioso, perdoar e perdoam SEMPRE.
    O homem perdoa, POR VEZES, quando convém.
    No entanto, a natureza JAMAIS perdoa.
    E se deixássemos que a natureza seguisse seu curso natural? Há tempo?

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