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sexta-feira, 3 de abril de 2015

03.- REFLEXÕES ILUMINADAS POR UM PLENILÚNIO


ANO
 9
EDIÇÃO
 3024

Num imprevisto despertar à madrugada, pareceu-me — em instante súbito — que esquecera a luz acessa. Ledo engano. O quarto se fazia iluminado pelo plenilúnio. Dava-me conta que era quase sexta-feira-santa. Celebração que por ser marcada por calendário lunar — diferente de outras — sempre ocorre em lua cheia.
A data é prenhe de evocações. Algumas logo se fizeram presentes em maiêuticas saudosas que povoaram a busca por mais uma hora de sono que merecia. Não iria colher marcela. Não guardaria jejum. Não faria abstinência de carne. Nem sei se comeria peixe. Lembrei-me de minha mãe que não varreria a casa e de meu pai, que mesmo marceneiro, não usava martelo neste dia. Ele não permitiria nem que assobiássemos. Minha avó não ordenharia as vacas.
Como tudo isso é distante. Como a religiosidade se mitifica. Como mitos se esboroam. Adormeço pensando no que dizer para meus netos acerca da Páscoa.
Hora depois acordo. Alegro-me com um ritual matinal que ainda ocorre: há jornal à porta. Dou-me conta que este requinte cotidiano não deve subsistir por muito tempo. Há pelo menos duas conspirações contra esta mordomia.
A primeira: um tablete ou mesmo um smartphone me oferece não apenas o jornal local (que parece significativo porque me anuncia óbitos e missas de sétimo dia de possíveis conhecidos), mas jornais de todo o mundo. Olho jornais espanhóis e evoco uma semana santa que passei na Andaluzia. Nos jornais franceses sei mais sobre a tragédia aérea nos Alpes. De vez e vez, espio até o L’osservatore Romano. Devo aqui confessar que não poucas vezes ouço a rádio vaticana.
A segunda razão que me seduz ao abandono de assinar jornal em suporte papel é o apelo do meio ambiente. Condoo-me quando vejo o volume de papel que descarto a cada semana, mesmo que este ano já tenha deixado de assinar um jornal. Há um número muito grande de páginas (noticiário de futebol, classificados e publicações legais de empresas) que nem sequer abro. Além de anúncios fúnebres para que assinar jornais em suporte papel?
Tomo o jornal. Enquanto promessa fugaz, deleito-me, ainda, antes do café e da academia com quase uma hora de leitura diária, entremeada com notícias de rádio, onde pontificam os ditos formadores de opinião, que sabem tudo melhor que ninguém. Convenço-me que é saboroso ler jornal em suporte papel. Desentranho por primeiro os encartes que me desinteressam.  Há um, de rede de lojas, que tem na capa uma modelo com um título que me repugna. A vida é um grande desfile. Nego-me a sequer folha-lo. Esta simplificação capitalista para a vida é desoladora. Mas, lamentavelmente vejo que na sociedade atual é verídica. Um dos itens que mais pesa no orçamento de muitas pessoas é o vestuário. E este é para quem? Para desfilar para os outro. Vi ontem num tapume, na av. Goethe: Estar na moda é sentir-se. Não sou adepto do nudismo, por questões estéticas. Se tivéssemos pelos como nossos irmãos macacos, nos sentiríamos mais na moda. Pelados (também no sentido de sem pelos) a maioria de nós não parece muito bonita. Penso que a experiência de usarmos roupas mais iguais, como por exemplo, entre os gregos, na época do nascimento da filosofia ocidental, era mais simpática. Uniformes unissex como na China de Mao, eliminaria muitos estresses antes de da maioria das partidas de casa a cada dia.

Encerro com votos de um bom recesso pascoalino. Aos que creem e aos que não
creem, férteis dias de reflexão. Quando vejo que já passou 6/20 semanas de aulas deste semestre vejo que a recomendação de uma reflexão é salutar. Curtir um plenilúnio também é gostoso. Ainda há oportunidade. “Poetas, seresteiros, namorados, correi… é Lua muito cheia!”

10 comentários:

  1. Muito querido Mestre,
    Densas reflexões em três tempos.
    PASSADO: o que era há pouco tempo a sexta-feira-santa; PRESENTE: a vida realmente é um desfile; FUTURO: o ocaso dos jornais em suporte papel.
    Um bom recesso de Páscoa e obrigado por esta blogada
    mirian

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  2. Salve, Mestre!
    Uma edição para matar saudades e, duas dimensões. Uma próxima, pois lembro quando a cada dia tínhamos suas reflexões; agora, é bom ter surpresas quando acessamos o seu blog e encontramos novidades. Uma remota, e a suas evocações lembro, quando nesse dia as estações de rádio (era assim que chamávamos as emissoras de rádio) só tocavam música clássica. Agora enquanto escrevo a há uma música barulhenta e avisos que os shoppings estarão abertos normalmente.
    Saudades próximas e remotas,
    LLL

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  3. Carissimo amigo prof. Chassot:
    Acabei de ler sua (sempre) pertinente reflexão sobre a sexta feira santa e sobre o jornal impresso. Assino embaixo, sem mudar sequer uma vírgula.

    Amanheci numa ensolarada sexta feira santa de Belém. Na minha infância o silêncio também se impunha e o que eu mais lamentava era a proibição do futebol.
    Abs
    José Carneiro

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  4. Carissimo,

    aprendi mais um pouco com o teu blog. Plenilúnio...nunca tinha ouvido falar!
    Minha mãe, que guarda muito das tradições deste dia, hoje não varre casa e vai fazer bacalhau! Este ano, com ela, acompanhei muito das cerimonias da quaresma e confesso que gostei.
    Conquistei muita coisa nessa minha vida breve e de tudo a acho a paz e o amor os bens mais necessários.
    Desejo fortemente que essa disposição não me seja extinta com a chegada do coelhinho e seus ovos de pascoa!
    boa pascoa, amigo!

    beijim,

    Rita

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  5. Caro Chassot
    minha mãe nos compungiu a visitar uns amigos, na minha infância, porque inadvertidamente teria dito, a uma despedida : qualquer dia irei comer uma galinha contigo. Depois, refletindo, pensou : vou constrangê-lá a matar uma galinha por minha causa! Então vamos numa sexta-feira santa. Assim ela não poderá matar a galinha e eu vou me livrar dessa pecha.

    Boa Páscoa!

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  6. Caro Chassot
    minha mãe nos compungiu a visitar uns amigos, na minha infância, porque inadvertidamente teria dito, a uma despedida : qualquer dia irei comer uma galinha contigo. Depois, refletindo, pensou : vou constrangê-lá a matar uma galinha por minha causa! Então vamos numa sexta-feira santa. Assim ela não poderá matar a galinha e eu vou me livrar dessa pecha.

    Boa Páscoa!

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  7. Querido Chassot

    Obrigada pelo convite/lembrança, vou curtir a Lua...

    Feliz Páscoa para ti junto aos teus.

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  8. Obrigado pelo convite e a enriquecedora leitura que me proporcionaste. E é claro mais um rito.

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  9. Hoje, ao entardecer aproveitei para sorver a típica bebida dos sulinos com meus queridos jovens(70 e 74 anos) vizinhos e, ao visualizarmos o firmamento, juntos curtimos o plenilúnio anunciado pelo mestre. Aproveitei para comentar da nossa amizade, de tradições religiosas e outras particularidades da vida. E assim se percebe o quanto é bom viver distante dos apelos consumistas e midiáticos. É possível SER sem TER muito, basta SABER o que se QUER. Para mim e os que coabitam meu Lar eis um dos sentidos da Páscoa. A Lua é nossa fiel testemunha...
    Votos de uma frutuosa páscoa. Que sua mente continue fértil como o coelho, repleto de ideias, saberes e sabores!!!
    Abraços,
    Giovana, Lúcia, Luvander e Vanderlei.

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  10. Mestre Chassot, uma pitada de insônia e um show de filosofia, divagações que enriquecem qualquer debate.

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