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terça-feira, 14 de setembro de 2010

14- O tesão dos velhos

Porto Alegre Ano 5 # 1503

Uma terça-feira com seu azul no qual rolam nuvens acinzentadas. Os ventos de finados parecem querer recordar que o inverno está dando adeus.

In memoriam da Professora Flávia Maria Sant’Anna. A abertura desta edição é para homenagear uma de minhas professoras de didática. Ontem ao anoitecer fui à Catedral Metropolitana de Porto Alegre para assistir a missa de sétimo dia da Professora Flávia. Não foi sem emoção que abracei, também em nome da Gelsa, que participava do XI Simpósio Internacional IHU: o (des) governo biopolítico da vida humana, seu filho Rubens e sua nora Vanja. Um e outra, mais recentemente, nos são fraternalmente próximos, pois é no seu Borgheto Sant’Anna, no Vale dos Vinhedos, que temos, de vez em vez, fruído as belezas e as gostosuras da Serra Gaúcha.

Na missa recordei muito as aulas da Professora Flávia. Recordei seus livros. Um deles era o celebrado Microensino e Habilidades Técnicas do Professor, onde conheci o microensino, que a Flávia ensinou pioneiramente. Ela era co-autora também do Planejamento de ensino e avaliação, editado pela Sagra, que por décadas foi muito usado. Lembro também dela como entusiasmada pela taxionomia dos objetivos educacionais de Benjamin Bloom (que ainda evoco: conhecer, compreender, aplicar, analisar, sintetizar e avaliar), do qual ela foi tradutora dos dois volumes editados pela Globo. Foi muito bom ter ido num dia chuviscoso, encontrar-me um pouco com meu passado e reconhecer uma pessoa que foi importante na minha história.

Ainda algo muito relevante de ontem: desde março tenho, em diferentes momentos, dito aqui o quanto as aulas que dou segundas-feiras na UAM - Universidade do Adulto Maior, no Centro Universitário Metodista - IPA são dos momentos mais gratificantes de meu fazer acadêmico. É muito grato lecionar Enfoque Histórico e Sócio Antropológico para mais de meia centena de alunos matriculados e alguns que carinhosamente ‘penetras’ que não tendo conseguido vaga, assistem as aulas.

Ontem, apresentei um texto, do Gilberto Dimenstein que fora publicado na véspera no caderno cotidiano da Folha de S. Paulo. Já o título os fez ‘aceso’: O tesão dos velhos. Transcrevo o artigo, aditando uma ilustração da campanha a que alude Gilberto Dimenstein. Nos diferentes pôsteres da campanha tem a frase "Lembra-se de ter usado isso?" perto de uma foto de alguém posando com uma roupa desse período. Outra frase diz: "Então, lembre-se de usar isso", ao lado da foto de uma camisinha.

É com ânimo de adolescente que o arquiteto Jaime Lerner fala sobre sua experiência de produzir o menor carro do mundo, a ser apresentado nesta semana durante uma feira de design. A ideia é que o microautomóvel não seja vendido a particulares, mas fique em diversos estacionamentos da cidade, para ser alugado por hora, ajudando a aliviar o trânsito. "O carro só tem um problema: eu quase não consigo entrar nele", brinca com seu peso.
Rapidamente muda de assunto: fala das experiências de inovação urbana que o fazem viajar sem parar pelo mundo. Conta que um dos seus projetos, já desenhado, é criar o maior parque linear do mundo, em cima da linha de trem que passa na cidade de São Paulo. "Isso redefiniria o conceito de periferia."
A conversa ruma para questões pessoais e eu lhe pergunto se está namorando. Jaime, viúvo, diz que não vai encontrar ninguém que substitua Fani, sua falecida mulher. Nem se mostra disposto a morar com mais ninguém. Namorar pode ser. "Desde que não me chateie."
Escolhi Jaime, 73 anos, para abrir a coluna de hoje por causa de uma informação divulgada pelo IBGE na semana passada: cresce aceleradamente a faixa etária dos mais velhos. Em apenas um ano, de 2008 a 2009, foram mais 697 mil pessoas -quase a quantidade da redução que houve entre os jovens até os 24 anos de idade.
Estamos vivendo uma redefinição da velhice, uma redefinição acentuada nesta sucessão presidencial.
O Brasil -assim como vários outros países do mundo- está com menos jovens, mas os velhos, de modo geral, estão mais jovens.
Uma prova disso foi uma campanha publicitária lançada na semana passada na Inglaterra depois da descoberta de que as doenças venéreas estão crescendo

especialmente entre os homens com mais de 65 anos de idade. Em sua maioria, eles imaginam que esse tipo de doença é coisa de adolescente e que, portanto, estariam imunes a elas, já que, com mais experiência, saberiam escolher melhor as parceiras.
Por trás disso, segundo os responsáveis pela campanha, estão o aumento da expectativa de vida e o crescimento do número de divórcios, além, é claro, dos novos medicamentos e tratamentos para cuidar da saúde, no geral, e da disfunção erétil, em particular.
Principal personagem desta sucessão presidencial, Lula, 65 anos, é visto muito menos como ex-presidente do que como candidato na próxima eleição, quando já terá quase 70 anos. Ninguém vê problema nisso.
Assim como se especula que, caso saia mesmo derrotado, como reforçou a pesquisa Datafolha divulgada ontem, José Serra talvez dispute a prefeitura paulistana aos 70 anos. Muita gente dentro do PSDB lista uma série de razões para o ex-governador não sair candidato, mas idade não aparece entre elas.
Há um time de brasileiros que vai, aos poucos, redefinindo o que significa ser velho. É gente como Silvio Santos, Hebe Camargo, Jô Soares, Fernando Henrique Cardoso, Boni, Chico Buarque, Caetano, Gil, Niemeyer, Adib Jatene.
De alguma forma, eles se comportam, na sua inventividade, como educadores e ajudam a quebrar o preconceito de que ser velho é apenas esperar a morte.
Uma pesquisa realizada pelo Datafolha sobre a terceira idade mostrou que um terço dos brasileiros com mais 60 anos admite ter depressão. Nesse grupo, o medo da morte é igual ao de ficar doente -isso sinaliza como será complicado preparar os sistemas de saúde para atender a essa clientela.
Psiquiatras alertam sobre o risco de certos preconceitos acabarem atrapalhando o processo de envelhecimento. É que, além dos problemas naturais da idade, é comum a visão que se tem da vida na terceira idade como um momento sem novidades, previsível, monótono, o que, muitas vezes, aumenta a probabilidade de surgirem doenças físicas e psicológicas. Veja quantos acadêmicos, no auge de sua fertilidade mental, se aposentam da universidade.
Isso significa que tesão pela vida se aprende. Ou se desaprende.
Aprende-se, por exemplo, vendo um Jaime Lerner, cercado de universitários, tão satisfeito quanto desajeitado, espremendo-se para entrar no menor carro do mundo.

É fácil inferir o quando minhas alunas e meus alunos terminaram a aula lamentando comigo, como o tempo ‘voou’. Ainda, lamentamos que na próxima segunda-feira, será feriado e não nos encontraremos. Desejo a melhor terça-feira, junto com o convite para nos lermos aqui, amanhã, mais uma vez.

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