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quinta-feira, 24 de junho de 2010

24.- Mudanças nos valores na sociedade: tu como vês?

Porto Alegre Ano 4 # 1421

Este blogue adere à mobilização nacional para que

amanhã, dia 25, o jogo entre Brasil x Portugal seja assistido em outra emissora que não a Globo, em desagravo pelas agressões desta ao técnico Dunga e contra o monopólio da verdade que ela busca deter.

Mais uma vez uma blogada se faz com correspondências de/para meus leitores. Na manhã desta quinta-feira este blogue faz parte de uma atividade de sala de aula da disciplina QUI-344– Instrumentação para o Ensino de Química II, na mineira Universidade Federal de Viçosa, onde já tive o privilégio de falar em mais de uma oportunidade fruindo estar em uma das mais bucólicas universidades.

Eis como se fez a tessitura desta edição.

Recebi continuadas mensagens de um aluno de Licenciatura em Química da UFV. Eis excertos de uma delas:

Olá novamente professor!

Estou precisando de um favor do senhor se for possível.

Estou fazendo uma disciplina com a Professora Cristiane Cunha Flôr da qual você participou recentemente da defesa de tese de doutorado.

Ela passou um "trabalho" no qual deveríamos "entrevistar" pessoas sobre como viam as mudanças nos valores na sociedade.

Acho que o senhor pela experiência e vivência que tem seria a pessoa ideal para responder.
Sei que o senhor é muito ocupado e atarefado, portanto se não for possível não tem o menor problema, mas acho que seria extremamente enriquecedor para a discussão, além de eu estar muito curioso a cerca da sua opinião, Rodrigo Antunes e Castro.

Em mais de uma vez aleguei não ter tempo para responder. As minhas várias viagens juninas foram pretexto. O Rodrigo soube ser pacientemente insistente: É só uma reposta simples sobre como o senhor vê as mudanças nos valores da sociedade.

Escrevi: Meu caro Rodrigo, recebi teu novo pedido. Vou tentar até a noite de quarta-feira te enviar, mesmo que ache muito vago ‘como viam as mudanças nos valores na sociedade’. Tu não queres colocar algumas perguntas facilitadoras?

Professor, eu acredito que a intenção seria mesmo de deixar um pouco vago, para que a discussão tome rumos diferentes por pontos de vista ou situações diferentes. Mas podemos tentar encaminhar um pouco.

Como senhor vê as mudanças nos valores da sociedade com relação a respeito, casamento, liberdade, educação...? E como essa mudança de valores influencia a sociedade?
Estava pensando aqui que talvez fosse interessante se o senhor utilizasse a resposta também em seu blog (o qual eu me tornei um leitor assíduo), como parte de uma postagem ou algo do tipo, mas bem isso é só uma sugestão, pois adoro acompanhá-lo por lá.

Novamente muitíssimo obrigado pela atenção prestada, não tenho nem palavras para agradecê-lo. Um abraço, Rodrigo

Mesmo que discordasse de sua tese de ser ‘uma resposta simples’ como vi que não se tratava de fazer o dever de casa – tão usual entre alguns missivistas – para algum estudante vagal (não na acepção do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa ou do Houaiss: [Anatomia] relativo ao/ou próprio do nervo vago), mas naquela trazida pelo Aulete: Pessoa que não tem ocupação, que leva a vida no ócio; vagabundo, gíria muito usada há um tempo e que não tenho mais ouvido.

Não sabia bem por onde começar.

A promessa ao Rodrigo foi nesta segunda-feira. Este é um dia da semana muito significativo para mim, pois ocorre uma das mais relevantes atividades acadêmicas nesse meu quase meio século de magistério. Tenho aula na UAM - Universidade do Adulto Maior. Leciono ‘Processo histórico e antropológico do envelhecimento’. Esta disciplina busca ‘acompanhar e entender a dimensão do envelhecimento a partir dos eventos históricos e culturais ao longo dos tempos. Principais movimentos sociais artísticos, culturais. Compreensão do processo de envelhecimento como decorrente da interação deste contexto’. Essa ementa faz visível o meu significativo desafio. Nesse meu semestre de estreia na UAM tenho em aula um grupo de cerca de 30 pessoas maravilhosamente envolvidas. Trago o exemplo de uma das mais dispostas: ela tem uma filha de 65 anos que estuda em outra das turmas.

Quando subia o Morro do IPA pensava na aula que teria dentro de mais um pouco e na questão trazida pelo Rodrigo. Logo na chegada já tinha pistas para uma primeira resposta. Uma aluna, antes de iniciar a aula, me segreda: “Professor, meu neto se declarou homossexual, em uma rede de relacionamento”. Dei-lhe num consolo vago: ‘hoje quando conhecemos uma família onde não há nenhum gay, chega causar-nos estranhamentos’. Disse que traria o assunto ao grupo guardando discrição.

Começada a aula, sem fazer qualquer menção ao relato que recebera, conduzo a discussão para uma análise de preconceitos. Evoco, uma discussão trazida em aula anterior: o caso de Alan Mathison Turing (Londres, 23 de junho de 1912 - 7 de junho

de 1954) um matemático britânico, que cedo se interessou pela ciência. A maior parte de seu trabalho foi desenvolvida na área da solução de mensagens criptografadas. Somente em 1975 – mais de 20 depois de sua morte – veio a ser considerado o pai da informática.

Como homossexual declarado, no início dos anos 50 foi humilhado em público, impedido de acompanhar estudos sobre computadores, julgado por "vícios impróprios" e condenado a terapias que, de fato, equivalia à castração química e que teve o humilhante efeito secundário de lhe fazer crescer seios. Deprimido, em 7 de junho de 1954, em sua residência, com apenas 41 anos, faleceu após ter comido uma maçã envenenada com cianeto de potássio. A sua morte foi oficialmente considerada como suicídio. Memorial a Alan Turing., onde ele aparece com uma maçã na mão;

Somente em 11 de setembro de 2009, governo britânico pediu desculpas pelo tratamento "chocante" ao qual o matemático Alan Turing, um dos cientistas mais reverenciados do país, foi submetido para coibir sua homossexualidade, e que o levou ao suicídio.

"Turing foi um matemático brilhante, famoso por decifrar os códigos da [máquina de criptografia] alemã Enigma. Não é exagero dizer que, sem sua notável contribuição, a história da Segunda Guerra poderia muito bem ter sido outra", diz o então premiê Gordon Brown em comunicado no site do governo. Placa em memória a Alan Turing.

Busquei uma tentativa de explicação sociohistórica para ainda continuarmos preconceituosos, mostrando como não é no espaço de duas ou três gerações que se superam preconceitos milenares. Talvez estejam ainda distantes os tempos em que, por exemplo, a homofobia não se faça presente nas piadinhas correntes e a orientação sexual de uma pessoa – qualquer que for – seja aceita da mesma maneira que hoje não questionamos acerca das preferências alimentares de uma pessoa. Disse que eu gosto de aipim, mas não gosto de chuchu e ninguém dos presentes me considerou um diferente por isso, achando isso extremamente natural. Lembrei o caso do ministro homossexual da Igreja Anglicana que não pode assumir como bispo ou a situação idêntica do estadunidense em outra denominação religiosa.

Disse que, mesmo que eu seja um professor considerado pelo grupo, talvez, se eu me dissesse ateu ou homossexual, seria considerado um diferente. Contei que é preciso também ser audacioso para enfrentar – melhor, aceitar – as opiniões alheias. Quando no meu perfil, em uma comunidade de relacionamentos, coloquei ‘agnóstico’, um jovem que me conhecia apenas por comentários internéticos, escreveu de sua decepção, pois julgava que eu parecia uma pessoa tão boa; prometeu, não sem dó, rezar por mim.

A resposta se estende. Faço corte. Com os votos de uma boa quinta-feira, o convite para continuarmos a leitura deste texto amanhã.

6 comentários:

  1. Desde o ano passado um dos prazeres que tenho quando chego das minhas incursões pelos campos do RS é deleitar-me com a leitura deste precioso blog. Considero a maneira clara, interessante e incisiva de registrar na rede as idéias sobre assuntos relevantes. Talvez apresentados por outra pessoa, não se tornassem tão 'elucidativos' e nem prendessem minha atenção.
    Certamente estou na condição de admiradora e seguidora sem restrições. Abraços Professor.

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  2. Nossa, professor, esta punição "castração química" até então ignorada por mim, foi mal recebida pelos meus valores socialmente costituídos... Fico pensando, com muito receio, em como serão as penas adotadas futuramente.

    E que este Um dia sem Globo se amplie

    abraçoss

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  3. Muito querida Juscelita,
    que significativo isso que escreves acerca de meu blogue. Compensa o esforço de a cada dia postar algo pensando em fazer alfabetização científica, numa leitura muito ampla. A edição de hoje [que tem tua colaboração anti-Globo, que já distribui a outros bloguistas] talvez seja um bom exemplo. Além de enviar tua mensagem a outros, esta manhã na Academia fiz uma campanha tête-{a-tête.
    Obrigado também por isso,

    attico chassot

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  4. Muito querida Marília,
    tu que esta interconectada a uma rede de pessoas podes ajudar a fazer que amanha a Globo fale num quase vácuo. Vou mandar-te uma mensagem sobre o assunto.
    Quanto às discriminações, afortunadamente podemos nos alegrar que vivemos uma situação bem diferente daquela sofrida por Alan Turing, mas a luta continua. Amanhã prossigo em algumas análises, focando o direito das mulheres a não concepção;
    Lemo-nos mais, então,
    Um afago do
    attico chassot

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  5. Professor, venho aqui deixar as minhas impressões sobre o texto e aula.
    Em principio o texto ficou excepcional!
    Achei diversos pontos ressaltados pelo senhor de extrema importância, pois continham situações sobre as quais eu ainda não tinha pensado, e talvez por consequência ainda não tinhas valores definidos... Alem de ter me identificado muito com o trecho referente a religiosidade e liberdade religiosa.
    O texto se encaixou como uma luva na aula. Pôde ser utilizado na discussão de diversas formas e nos fez pensar muito...
    Amanha, com o resto do texto, termino meu comentário para não estragar a surpresa!
    Grande abraço!
    Rodrigo

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  6. Meu caro Rodrigo,
    dou-me por satisfeito pelos resultados do texto que tu catalisaste. Valeu a tua continuada insistência e perspicácia como conduziste o diálogo. Foi bom que o texto foi instigante.
    Vejamos a continuação na postagem de amanhã.
    Uma agradecimento por tudo.
    attico chassot

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