domingo, 30 de junho de 2013

30.-GRAFOTERAPIA


ANO
7
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EDIÇÃO
2489

Encerro junho/o primeiro semestre com uma edição extra para presentear a prováveis visitantes dominicais deste blogue. Já escrevi em outros momentos aqui o quanto o escrever para mim é terapêutico. Nesta grafoterapia o escrever sobre si mesmo é significativo (e problemático).
Dentro desta dimensão trago uma entrevista realizada com Ruy Castro por Luiza Piffero que foi publicada no Segundo Caderno de Zero Hora, desta sexta-feira, dia 28JUN13. Vale fruí-la.
O jornalista Ruy Castro contabiliza 65 anos vividos com intensidade: escritor e biógrafo reconhecido, três casamentos, experiências com drogas, internação por alcoolismo, câncer. Esses temas são explorados com humor no livro Morrer de Prazer: Crônicas da Vida por um Fio.
 A obra vem se somar a uma bibliografia que inclui títulos sobre Garrincha, Nelson Rodrigues e a Bossa Nova. Embora Castro abomine autobiografias, encontrou nas crônicas a saída para um livro confessional. O material, 59 textos curtos, foi selecionado a partir de escritos publicados por Castro no jornal Folha de S.Paulo desde 2007. Confira a entrevista concedida por e-mail.
Zero Hora – Tanto na hora de escrever como de selecionar as crônicas que foram para o livro Morrer de Prazer: Crônicas da Vida por um Fio, você tentou manter um distanciamento crítico com relação às suas próprias experiências?
Ruy Castro – Na biografia, o autor não existe. Ele não tem o direito de presumir, deduzir, calcular, adivinhar e muito menos inventar nada sobre a vida do seu personagem – ou tem as informações, ou não pode escrever. A primeira pessoa não existe. Já na crônica de jornal é diferente. O cronista se sente convidado a se sentar na mesa do café da manhã com o leitor e bater um papo com ele. Nesse sentido, pode falar eventualmente de si próprio. Os textos de Morrer de Prazer foram selecionados em função do interesse que podem ter para o leitor, e foram bastante reescritos.
ZH – Você já afirmou que pode ser bastante problemático fazer biografias de pessoas vivas. Como foi a negociação que você precisou travar com você mesmo para decidir o que entrava e o que não entrava no livro?
Castro – (Risos) Boa pergunta. A verdade é que, assim como os biografados vivos não são confiáveis – mentem pra burro e obrigam seus amigos a mentir por ele –, o cronista (ou memorialista) também não é. As autobiografias, então, costumam ser uma antologia de meias-verdades. Mas, como já disse, o cronista não tem a pretensão de estar definindo o mundo, mas apenas batendo um papo com o leitor. Não quer dizer que não esteja tentando dizer a verdade sobre si mesmo. Pelo menos, esse é o meu caso.
ZH – Esse mergulho na sua própria vida funcionou como uma espécie de terapia? Teve alguma epifania?

Castro – Não, quem me desperta epifanias é a própria vida. Escrever é uma reflexão sobre elas. Claro que, nessa reflexão, descubro coisas que não sabia a meu próprio respeito.
ZH – Como foi a experiência de escrever sobre momentos dolorosos como o seu embate com o câncer e o problema com o alcoolismo?
Castro – Não tenho nenhuma vergonha disso e acho que escrever a respeito é apenas minha obrigação. Como todo mundo, eu era profundamente ignorante sobre esses assuntos. Depois que passei por eles, espero ter aprendido bastante – e a forma de retribuir é espalhando esse aprendizado.
ZH – Qual o seu próximo projeto? Já tem um novo biografado em vista?
Castro – Biografado, não. Mas estou preparando para o ano que vem um livro que tem a ver com... biografias.
ZH – Você tem acompanhado a polêmica em torno da Lei das Biografias. Qual a avaliação que você faz dela?
Castro – O projeto de lei que as liberava tinha passado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e só faltava passar pelo Congresso, onde seria aprovado. Mas, aí, um deputado safado devolveu o projeto para o plenário da Câmara, a fim de melá-lo de novo – o que conseguiu. Mas parece que, em breve, teremos boas notícias numa outra frente da luta, que é a que define a obrigação da autorização como inconstitucional.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

27.-DEUS ME VÊ ou melhor SORRIA VOCÊ...


ANO
7
Livraria virtual em
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EDIÇÃO
2488

A edição desta quinta-feira — antecedida de edições extras no domingo e na quarta-feira — se tece com o relato de algo ocorrido no último domingo. Pode parecer trivial. A narrativa seria inimaginável em um passado nada remoto.
Fui até um pequeno supermercado de uma grande rede multinacional. Fiz algumas compras pensando nas necessidades de um almoço. Comprei poucas coisas (claro, que não fugi ao senso comum: nunca compramos apenas o que está na lista que levamos), pois fora a pé e não queria carregar muito peso.
Ao chegar em casa vi que faltavam três itens. Voltei, não pelo valor em si — mesmo que reconheça que o WalMart é muito mais rico que eu — mas porque precisava daquilo que não viera (e eu pagara).
Não tinha a nota de compras. O caixa que me atendera estava em intervalo de almoço. O empacotador reconheceu-me, mas não lembrava se ficara alguma sacola. Tudo parecia conspirar contra mim.
Surgiu uma solução que não sabia existir. “Vamos ver as imagens de sua compra!” disse a gerente.
Minutos depois: “Vimos o senhor apanhando a sacola que trouxe e mais duas sacolas do supermercado. Uma quarta pequena sacola, foi deixada, pois o empacotador a colocara na lateral oposta a suas compras. Ela posteriormente foi apanhada pelo cliente seguinte (conhecido dos funcionários)!” Recebi os três itens.
Por que um fato insólito se faz blogada? Talvez porque não acreditemos no imperativo cada vez mais presente cotidiano: “Sorria, você está sendo filmado!” Está ordem seria mais honesta se transmitisse, numa versão gaudéria, o que ela realmente quer ordenar: “Te cuida, tchê!” ou “Nós estamos te controlando!”
Tenho dito que esta recomendação (“Sorria, você está sendo filmado!”) é uma versão pós-moderna de uma frase encontradiça em todas as dependências da escola marista onde cursei o ginasial: “Deus me vê!” Imaginem esta admoestação presente em todos espaços escolares. Certamente os banheiros eram o lócus de maior eficiência do estratégico aviso. Quantos pecados contra o sexto mandamento não se consumaram por isso.
As ficções de George Orwell em ‘1984’ foram há muito superadas. Não são apenas os brothers confinados nas casas televisivas que são objetos de deleite daqueles ávidos de intimidades. Em mais de um hotel, ao perguntar se poderia deixar o notebook no quarto ao sair, ouvi respostas como ‘Não tem problema, todas as nossas dependências são filmadas!’. Comportemo-nos até em nossas intimidades.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

26.-IMITAÇÃO OU INDIGNAÇÃO

ANO
7
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EDIÇÃO
2487
Por abrigar-me na grafoterapia, nestes dias turbulentos cabe a segunda edição extra nesta semana. Refugio-me neste fantástico binômio: escrita leitura.
Na noite desta segunda-feira recebia uma pessoa muito querida, que desde o sábado anterior estivera no exterior em lides acadêmicas. Disse-lhe — e ela ratificou — que o Brasil que ela reencontrava depois de nove dias não era mais o mesmo. O país que há não pouco era embalado por fátuas marolas agora é agitado por gás lacrimogênio e se faz cruento com balas de borracha.
Não há como fazer profundas análises de “manifestações” havidas nestes últimos dias. Minha tese de que a imitação supera a indignação se robustece.
Permito-me trazer uma evidência empírica. Nesta segunda-feira a BR-116 — nevrálgica ligação para chegar a Porto Alegre — foi fechada por quase 5 horas. A mesma rodovia foi interditada também em São Leopoldo e em Novo Hamburgo. Os manifestantes da pacata Estrela, depois de desfilarem pela cidade, fecharam a BR-386, a rodovia que escoa a produção gaúcha de todo o norte do Estado. Esta ‘originalidade’ repetiu-se em dezenas de outras rodovias.
Mas quero trazer algo mais nesta blogada. Endosso as criticas as bilionárias despesas com a construção das arenas. Agora, todavia, elas são tardias.
Há mais de 1,5 ano — quando para muitos arena ainda era sinônimo de praça de touros —, publicava aqui uma blogada, da qual agora trago excerto. As ilustrações são fragmentos da palestra ‘Para formar jardineiros para cuidar do Planeta’ proferida em diferentes Estados brasileiros.
29.- ¿A Copa é nossa ou da FIFA?
 Ano 6 ***  PORTO ALEGRE 29NOV2011
  *** Edição 1944


[...]
Lembro, que de vez em vez, já me manifestei aqui acerca da importunidade de o Brasil sediar a Copa do Mundo de 2014. Já antes da escolha do país sede eu torcia pela nossa não escolha. Primeiro algo lateral, que mostra hegemonias: a natural que esteja falando de futebol e de um campeonato masculino.
Há dias, respondendo a um questionário: Em qual cidade do Brasil você gostaria de assistir a Copa em 2014? Nenhuma, de preferência no exterior. Assim estou me habilitando a um escambo de aluguel.
Mas não sou o único no contra fluxo! Neste sábado, no aeroporto de Curitiba, adquiri o número de novembro da edição brasileira do Le monde diplomatique. Fiquei ainda mais surpreso com a já conhecida intromissão da Fifa em nossa soberania.
Primeiro algo da fonte dos que trago a seguir. Publicado desde 1954 na França, Le Monde Diplomatique, tem 71 edições internacionais produzidas em 25 línguas e conta com uma tiragem mensal de 2,4 milhões de exemplares em todo o mundo. No Brasil a última edição é a do Ano 5, número 52.
No número 52 há quatro substanciosos artigos. Que cada um deles poderiam nos convencer que a pergunta: ¿A copa é nossa? Tem como resposta um sonoro NÃO.
#1.- Estamos sofrendo uma manipulação brutal onde Luís Brasilino entrevista Carlos Vainer, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ, denuncia a manipulação do amor dos brasileiros por sua cidade e pelo futebol como forma de conquistar apoio para a realização da Copa do Mundo. Ele alerta: é um grande negócio para as grandes empresas, não vão sobrar migalhas.

#2.-A Lei Geral dos interesses particulares por Leandro Franklin Gorsdorf (da Faculdade de Direito da UFPR) & Thiago A. P. Hoshino (Assessor jurídico da organização Terra de Direito e membro do Comitê Popularda Copa de Curitiba) que mostram como autoridades brasileiras parecem admitir que a recepção de um megaevento autoriza também megaviolações de direitos, megaendividamento público e megairregularidades. É preciso questionar este tipo de relação de vassalagem política que endossa um bloco de negócios privados gerador de considerável ônus público.
#3.- Desrespeito e exploração dos trabalhadores dos jogos por Ramon Szermeta (Coordenador da Campanha Play-Fair Brasil” Para que os trabalhadores saiam ganhando) que apresenta a tese de que é raro encontrar no debate na imprensa tradicional discussões sobre ou com os principais personagens que, ao fim e ao cabo, são os últimos responsáveis pela realização da Copa no Brasil ou em qualquer outra parte do Globo: os trabalhadores das diversas categorias profissionais que se esforçaram, dia após dia, para que tudo realmente aconteça.
#4.- África do Sul 2010: legado no bolso da Fifa e seus parceiros por Alexandre Praça (jornalista) fica evidenciado como os sul-africanos acreditaram nas promessas de mais empregos, turistas e investimentos bilionários que viriam com a Copa. Mas, segundo Eddie Cottle, autor do livro Copa do mundo da África do Sul: um legado para quem?, nada disso se materializou. Estariam os brasileiros caindo na mesma armadilha?
Este blogue, pretende – de vez em vez – trazer esta usurpação cometida pela Fifa em outras edições. Aguardem. 

domingo, 23 de junho de 2013

23.-MANIFESTAÇÕES SEM BANDEIRAS


ANO
7
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EDIÇÃO
2486

Em meio a esta avalanche de manifestações que vivemos no Brasil, cabem reflexões. Por tal esta edição extra. Só ontem (sábado, dia 22JUN) houve no Rio Grande do Sul cerca de três dúzias de manifestações em diferentes cidades. A estas se acrescenta um continuado vandalizar, para usar um verbo que está na moda e na prática.
O que/quem suscita isso? Talvez, nada mais que o espírito de imitação. Ou é realmente o espirito de indignação?
Algo surpreendente é a rejeição à presença de bandeiras partidárias. Pode haver democracia sem partidos políticos? Estas manifestações parecem ser ‘sem bandeiras’ numa leitura metafórica. Quem responde aqui, com cuidadosa reflexão é o filósofo, professor da Universidade Estadual de Maringá Antonio Ozaí da Silva, com texto que está publicado em http://antoniozai.wordpress.com

Não sou filiado a partido, nem porto bandeiras. Desde que, em 1991, me desfiliei do PT, rompi definitivamente com a política partidária. Não foi uma ruptura fácil, afinal o PT foi uma das minhas universidades de formação política. A experiência militante incorpora subjetividade, vínculos humanos, crença em valores, alegrias e dissabores, realizações e frustrações. Rupturas nos transformam, mas não apagam os registros da memória. Na vida real não temos o neutralizador dos Men in Black. Nem é preciso, pois orgulho-me das minhas raízes e não me arrependo dos anos dedicados à militância petista. A minha geração aprendeu política na igreja (com a Teologia da Libertação), nos sindicatos e movimentos sociais. E tudo isso confluía para o PT!
Saí do PT porque não me reconhecia mais na prática política do partido. Foi, sobretudo, uma ruptura ideológica. Com o tempo, outras experiências e leituras me conduziram na direção oposta à organização partidária, mesmo as de cunho marxista-leninistas, trotskistas e/ou vinculadas à tradição stalinista, maoísta, etc. Mesmo no tempo em que militava no PT não me atraía o tipo de organização vanguardista, o partido de quadros. Não obstante, o discurso anticomunista que grassava na base sindical e popular lulista atiçou a minha curiosidade e, longe de afastar-me desta realidade, aproximei-me a ponto de escrever o História das Tendências no Brasil – o qual expressa uma necessidade militante daquela geração. Também aprendi com eles e, mesmo com as divergências que nos separam, mantive relacionamentos, pautados pelo respeito mútuo, que perduraram.
Sou, portanto, “Sem Partido”. Não me reconheço nos partidos políticos existentes! É uma opção político-ideológica tão legítima quanto a dos que dedicam anos fundamentais das suas vidas aos partidos. Reconheço, porém, a contribuição da militância política partidária. Sou de uma época em que não podiam expressar-se livremente, tinha que viver na clandestinidade. Suas bandeiras não podiam ser desfraldadas, nem mesmo podiam identificar-se por suas indumentárias, etc. Era uma questão de segurança, de sobrevivência, a integridade física e a vida estavam em risco. A ditadura civil-militar perdurava. Quando o PT surgiu, muitos deles aderiram. Com o tempo seriam convidados a sair ou foram sumariamente expulsos. Então, formaram seus próprios partidos. Outros permaneceram sob o biombo do MDB/PMDB. Dentro ou fora do PT, contribuíram para o processo de redemocratização do país.
Hoje, vivemos sob a democracia qualificada por burguesa. Embora críticos da “democracia burguesa”, as forças da esquerda organizadas em partidos também foram os seus construtores e sabem o quanto são importantes os direitos e as liberdades democráticas. Sob esta democracia puderam sair da clandestinidade, assumir ideologias, constituir organizações, disputar eleições e expor publicamente as suas ideias. Enfim, junto aos que lutaram contra a ditadura civil-militar, conquistaram o direito de desfraldar suas bandeiras vermelhas, fazê-las tremular nos ventos que anunciam utopias.
Não é paradoxal que sob a democracia e em nome da democracia sejam impedidos de levantar suas bandeiras? A maioria que se considera antipartidária tem o direito de impor seus sentimentos e valores de rejeição à minoria? É democrático impedir a livre manifestação dos que escolhem outros caminhos? Por outro lado, é preciso levar em conta que o sentimento antipartido é difuso e nem sempre considera as diferenças substanciais entre os diversos partidos, colocando todos sob o mesmo balaio. A ojeriza aos partidos políticos é legítima e salutar, na medida em que questiona a estrutura basilar da democracia representativa. Que os partidos aprendam a lição das ruas!
Os partidos disputam a direção dos movimentos sociais, precisam se fazer presente. Muitas vezes, isto os faz cair na tentação de instrumentalizar as massas, de se arrogarem seus representantes, já que se consideram a vanguarda consciente. Talvez precisem repensar seus métodos. Por outro lado, há também o oportunismo político – como caracterizar, por exemplo, o chamamento dos líderes petistas para que a militância participasse da passeata, após as massas terem colocado em xeque o prefeito da capital paulistana? A rigor, a política petista nos últimos anos também contribuiu para o sentimento antipartido manifestado nas últimas mobilizações populares. Ainda que consideremos oportunismo político é democrático impedi-los de caminhar juntos e desfraldar suas bandeiras e faixas?
A maioria pode ser tirânica, antidemocrática e intolerante; a minoria também. Ideais utópicos antipartidários também podem se revelar extremamente autoritários. Desdenham da democracia em nome do princípio da liberdade. Não veem a incoerência de negá-lo ao outro. Como diria Rosa Luxemburgo, a liberdade é sempre a liberdade de quem pensa diferente. Minorias e/ou maiorias que impeçam a livre manifestação do pensamento divergente contribuem para fortalecer o caldo cultural autoritário – também presente na esquerda marxista. Impedir, em nome da liberdade, é um contrasenso! Justificar com o argumento de que os partidos é que são autoritários, por desejarem desfraldar suas bandeiras perante as massas, é um sofisma! A liberdade de expressão é uma conquista e os militantes tem o direito de portar seus símbolos ideológicos. Talvez a insistência surta mais efeitos negativos do que positivos, mas é uma questão de estratégia política a ser avaliada por eles.
* Fonte da foto : http://noticias.uol.com.br/album/2013/06/20/confira-as-melhores-fotos-dos-protestos-pelo-brasil.htm

quinta-feira, 20 de junho de 2013

20.-ISTO (NÃO) ENGORDA LATTES

ANO
7
CAMPO MOURÃO - PR
EDIÇÃO
2485

Abro a edição de hoje referindo que na segunda-feira houve uma edição extra: o hiperneurotismo estadunidense que determina violações à privacidade não de apenas seus cidadãos, mas de qualquer pessoa que use determinados serviços disponíveis na internet.
Fui questionado se na edição de hoje apresentaria uma análise do histórico dia 17 de junho, quando cerca de 250 mil pessoas, em mais de 25 cidades brasileiras, foram as ruas protestar. Por ora abstenho-me disso, pois para mim paira uma grande interrogação: ¿como, sem uma explicita liderança, os manifestantes se organizam e agem de maneira tão orquestrada? Claro — há uma pergunta maior — ¿por quê os protestos? Confesso que estas questões, por ora, intrigam-me muito. Não as soube responder quamdo questionado por meus alunos nesta terça-feira. Quem desejar conhecer mais perguntas pode ler http://internacional.elpais.com/internacional/2013/06/17/actualidad/1371432413_199966.html. El Pais, de Madrid, amealha mais algumas interrogações.
Há todavia, uma convicção: não há como ignorar este movimento
cívico. Há lições que não podem ser ignoradas, como, neste dia 17, a tomada simbólico da tomada simbólica do Congresso Naciobal.
Nesta quinta-feira, dia da edição semanal deste blogue, me encontro em Campo Mourão, no estado do Paraná, entre Cascavel e Maringá. Aqui cheguei, ontem pela manhã, em uma viagem em três etapas: dois voos Porto Alegre / Curitiba / Maringá. Desta cidade viajei por terra (cerca de uma hora) ao meu destino. Uma viagem aparentemente pequena — não deixei a Região Sul, mas saí de casa às 04h30min para chegar ao hotel 5 horas depois.
É minha primeira vez nesta cidade que tem cerca de 90 mil habitantes. O município é predominantemente agrícola, explicou-me o Otavio, da Universidade Técnica Federal do Paraná, que com competência e sabedoria, trouxe-me, sob chuva, desde Maringá. O plantio de soja e milho determina a principal produção, sendo sede da maior cooperativa do Brasil e a terceira maior do mundo — a Coamo e outras empresas de grande porte.
Fiz uma palestra, ontem à noite, num encontro de cerca 150 docentes e discentes do PIBID de Química do Paraná na UTFPR. Não é trivial se trazer propostas indisciplinares, quando o encontro é marcadamente disciplinar.
Duas observações minhas antecederam a palestra que teve muita tietagem com fotos e autógrafos: Uma, apoio explicito a proposta dos estudantes da UTFPR a se unirem às manifestações que ocorrem em todo Brasil; outra, relatei um convite que recebi minutos antes, em lócus sui-generis: lanchava com o prof. Gustavo, antes da palestra em uma padaria quando cerca de 15 estudantes de Licenciatura em Química, da Unioeste de Toledo, PR vieram me convidar para ser o patrono de turma na suas formaturas em dezembro. Comovi-me.
Hoje à tarde falo a professores da Educação Básica. À noite retorno a Porto Alegre.
Estas viajadas dão azo a reflexões. Claro, que me pergunto por que faço essas maratonas, especialmente quando tenho recomendações de reduzir viagens. Não é para ganhar dinheiro! Muitas vezes até perdemos pois, mesmo sem honorários, nem sempre são indenizadas despesas de taxi e outras.
Não é para engordar o Currículo Lattes, pois palestras, mesas redondas e assemelhados não valem nada enquanto indicador de produtividade acadêmica. Mesmo que algumas delas tenham maior impacto que doutas pesquisas na área da educação.
Consumi grande parte de meu último fim de semana em duas atividades: elaborei um prefácio para um livro acerca do ensino médio e redigi uma atualização para uma sexta edição de A Ciência é masculina? É, sim senhora! — uma e outra também são (quase) sem valor para que sejamos considerados produtivos. Pouco valor tem também para minha produção os dois capítulos de livros que publiquei este ano.
O Memórias de um professor: hologramas desde um trem misto, com mais de 500 páginas, meu último livro não faz que eu seja considerado uma pessoa produtiva. A mesma situação é determinada pelo A ciência através dos tempos, há quase 20 anos vem tendo uma edição por ano se constituindo em um dos poucos livros sobre História da Ciência em língua portuguesa.
Se publicar um artigo acerca do ensino de Ciências na Gazeta de Cacimbinhas, que talvez colabore com alunos e professores da região, não vale nada; mas se sobre o mesmo tema publicar em uma revista estrangeira ou mesmo numa nacional de nível A serei, então, um distinguido, mesmo que então, ninguém me leia.
Provavelmente, das quase 2,5 mil postagens desde blogue poderia selecionar uma grosa que se constituem em bons artigos que poderiam catalisar frutuosas discussões em sala de aula. Uma ou 2,5 mil valem nada no Lattes.
Ocorre que minha desejada opção por produzir algo ‘mais chão’ é prejudicial para os programas de pós-graduação nos quais sou pesquisador. Temos que jogar conforme as regras impostas. Ou talvez desencadearmos ações para mudarmos as regras. Eis mais uma das minhas utopias: valorizar os que fazem o que é menos.
Sinceramente, não tem inveja de alguns colegas meus, que cada manhã, abrem seu currículo Lattes e sonoramente murmuram: “¡Lattes, Lattes meu! Diga-me, pode haver alguém melhor do que eu!”

segunda-feira, 17 de junho de 2013

17.-TERROR PSICOLÓGICO


ANO
7
WWW.PROFESSORCHASSOT.PRO.BR
com livraria virtual
EDIÇÃO
2484

Quando, em 13 de maio, se anunciou uma nova periodização deste blogue — de diário à semanal —, com edições às quintas-feiras não se excluiu a possibilidade de edições extras. Nesta segunda-feira, mais uma vez, uma extra.
Ontem a Folha de S. Paulo publicou um artigo de Hélio Schwartsman, bacharel em filosofia, que escreve na versão impressa da Página A2 às terças, quartas, sextas, sábados e domingos. Os textos deste prestigiado jornalista em várias oportunidades foram compartilhados neste blogue.
Terror psicológico tem oportunidade quando uma vez mais se vê os excessos estadunidenses, hiper-neuróticos desde o trágico 11SETEMBRO2001. Vale lê-lo:
Terror psicológico: Quão real é a ameaça do terrorismo? A revista britânica "The Economist" e o blogueiro e matemático Nate Silver, guru das previsões eleitorais, sustentam que o temor é exagerado e não justificam as medidas de exceção tomadas pelo governo norte-americano, que incluem a espionagem em massa.
Concordo com eles. O argumento é estatístico. Nas contas de Ronald Bailey, editor da revista "Reason", após o 11 de Setembro, a chance anual de um americano ser morto num atentado terrorista dentro ou fora do país foi de uma em 20 milhões. A título de comparação, o risco de óbito em acidente de trânsito nos EUA é de um para 19 mil; o de afogar-se na banheira, um para 800 mil; e o de ser fritado por um raio, um para 5,5 milhões.
Estima-se que, desde 2001, os EUA tenham gasto US$ 1 trilhão em medidas e programas contra o terrorismo. Se a meta fosse salvar vidas, seria mais racional investir esse dinheiro (ou uma fração dele) em obras de segurança viária ou mesmo cobrindo a América de para-raios.
O problema com as pessoas é que elas não são racionais, especialmente quando se trata de medos. Esse é um mecanismo evolutivo que surgiu bem antes da razão e é muito mais eficaz do que ela. Somos, afinal, todos descendentes de indivíduos que, ao menor sinal de perigo, souberam fugir rapidamente. As mentes mais inquisitivas, que procuravam estimar objetivamente o grau da ameaça, não deixaram progênie.
É claro que as coisas mudaram do Pleistoceno para cá. Hoje, vivemos num ambiente muito mais controlado, no qual faria mais sentido calcular riscos do que reagir destrambelhadamente a perigos raros ou imaginados. Só que nossas mentes foram forjadas para operar na Idade da Pedra, não no mundo da estatística e das tabelas atuariais. O resultado é que estamos praticamente condenados a gastar recursos públicos de forma pouco sábia e a reagir com o fígado quando deveríamos usar a cabeça.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

13.- MONSTRINHOS & MONSTRÕES

ANO
7
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EDIÇÃO
2483

Há um mês tomei aqui uma decisão que me envolveu, e também, a alguns leitores mais fiéis. O blogue, em 13 de maio, transmutou-se de diário para hebdomadário. Esta palavra exótica pode ser substituída, no buscar de um texto mais exotérico, por semanário ou semanal.
Esta decisão, envolve, como já contei aqui, crises (nem tão agudas) de abstinências. Todavia, determina também uma situação paradoxal. Parece mais difícil garimpar um tema para uma edição semanal, do que a cada dia ter um assunto diferente. Isto, talvez por exigências do refinar do ofício. Mas, eis-me, ante nova blogada.
Cheguei a pensar em fazer uma crítica à nova campanha de grupo de comunicação hegemônico no Sul onde a Bruxa, a Mula Sem Cabeça, o Bicho-Papão, o Diabo e o Boi da Cara Preta formam um time de personagens que trazem proposta de, segundo a empresa, “estimular o debate e dar visibilidade a soluções que elevem a qualidade da Educação Básica no país, em especial no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina”. 
Salvo que esteja fazendo leitura equivocada e/ou precipitada a RBS julga a catarinenses e gaúchos néscios. 
As peças publicitárias para rádio são imbecis. Aquelas para televisão podem ter beleza plástica que despertem a atenção das crianças, mas duvido que estimulem pais a colaborar para que seus filhos ‘não matem aulas’. Uma peça para jornal se pode ver na foto, publicada ontem, onde há crianças felizes com as camisetas que ganharam.
Não tenho, todavia a bravura de Dom Quixote para assestar minhas lanças contra esse gigante que domina as comunicações nestas paragens. Há outro assunto. Deixo os monstrinhos e falo de monstrões.
Lamentavelmente, nesses dias juninos há algo que estarrece. O Rio Grande do Sul tem sido açodado por trágicos crimes passionais, E, como parece natural, nestas tragédias de alcovas as mulheres são as vítimas em maior número dos casos. Este milenar machismo é algo dolorosamente revoltante.
Se agora — no apregoado culto século 21 — ainda grassa a barbárie, não é difícil imaginar o quanto mulheres já foram vítimas em tempos mais remotos.
Por exemplo, há historiadores que referem o Direito da Primeira Noite (Latim: jus primae noctis): uma alegada instituição que teria vigorado na Idade Média, permitindo ao Senhor Feudal, no âmbito de seus domínios, desvirginar uma noiva na sua noite de núpcias. Mesmo que nenhum documento medievo comprove existência real de tal direito, pode-se admitir tal hipótese.
«O direito do Senhor», por Vasily Polenov. Pintura que mostra um pobre ancião entregando suas jovens filhas ao despótico Senhor feudal. Fonte: Wikipédia.
Na Europa, existiu em certos lugares um direito feudal que obrigava o noivo a pagar algumas moedas ao seu senhor, quando a noiva era oriunda de outro feudo, o que deixou pensar a alguns autores do século 18 e 19 que poderia ter existido algum direito da primeira noite.
No Brasil Colonial, há referências que os ‘coronéis’ avocassem a si estas primícias. Os abusos próprios da escravatura deixam imaginar que semelhante direito poderia ter existido, sendo usado pelos Senhores de Engenho e pelos grandes proprietários de terras, ainda que de uma forma "oficiosa". Aliás, na maioria dos casos, o senhor não esperava pela boda. Tratava-se então de um abuso, não de um direito.
Realmente os machões são mais perigosos que os monstrinhos que ‘devem melhorar a educação sulina’. Se pelo menos ‘paparem’ a formação de monstrões...

quinta-feira, 6 de junho de 2013

06.- UM CÃO EM SALA DE AULA

ANO
7
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EDIÇÃO
2482
Na esteira do Dia Mundial do Meio Ambiente — ontem especialmente recordado — quando os animais (especialmente cães e gatos) recebem tratamentos, muitas vezes não dispensados aos humanos — trago uma situação inaudita a quem já é mais que sexagenário em sala de aula: um cão em sala de aula.
Por ocasião da última páscoa, surpreendi-me com supermercado oferecendo a venda ovos de páscoa para animais. Vejo nas ruas ambulâncias para pets, com clínicas e hospitais oferecendo serviços de ecografia e restauração dentária. Há oferta de carrinhos para ‘passear com seu cão’. Agências funerárias oferecem serviços de cremação ou jazigos em cemitérios para animais de estimação. Vejo ‘campanhas de agasalhos’ para aninais. Será que eles precisam ou a natureza já os dotou de ‘abrigos’?
 Num planeta onde, a cada dia, 30 mil humanos morrem por falta de água, esta zoofilia é, no mínimo, paradoxal.
Uma ilustração: http://impedimento.org/cachorros-invadem-sala-de-aula-na-ufrgs/ Os perros estão em franca ascensão socioeconômica e passando a fazer parte de novos contextos. No endereço acima, um pequeno vídeo com a participação de dois deles em uma aula de Matemática Financeira da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Cachorro não quer mais só jogar bola; também quer ser doutor.
Minha colega e amiga bióloga Conceição Cabral, professora da Universidade Federal do Pará, enviou-me um de suas frutuosas crônicas de sala de aula. Vale fruir o seu relato.
A exemplo do que dizia aos alunos naquela noite, o professor tem que se adaptar às mudanças no ensino e nos espaços de sala de aula.
Na noite de sexta-feira, contei com a presença de dois “sujeitos” estranhos na minha aula, no curso de Pedagogia: um namorado de uma aluna e a cachorrinha de outra. Ao primeiro “tipo”, já estou acostumada: ficam quietos, prestam atenção. E pra não se fazerem tão intrusos, costumam prestar mais atenção que os alunos da turma. Quanto ao outro “sujeito”, o cachorrinho, esse foi a primeira vez que eu tive em minhas aulas, com a desvantagem de que, diferente dos primeiros, não era quieto. O bichinho era um filhote, naquela fase super-brincalhão. Vocês precisavam ver a cena: 20h20min e eu começando a aula; a aluna entrou, manteve a porta aberta e a cachorra passou atrás dela, abanando o rabinho. Eu, achando que o bicho era filho de umas das dezenas de cadelas que moram no campus e que foram recolhidas durante o Fórum Social Mundial (e depois devolvidas). A aluna diz e que não tinha com quem deixar o bichinho: "Ela só vai ficar brincando, profa". Mas ela vai ficar correndo na sala?
Quem me conhece sabe que permito, sem problemas, que alunas-mães levem seus filhos pra sala de aula e até já carreguei e acalantei bebês pra que uma aluna fizesse uma avaliação escrita, mas cachorrinhos!!! Eu mereço, falei baixinho. E gargalhada foi geral. Mas justamente comigo, que acha que todos os animais deveriam ter continuado sua vida silvestre. É claro que eu perdi a linha de raciocínio diante da presença do bicho e não conseguia retomar a aula. Não tirava os olhos do bichinho, correndo no meio da sala, abanando o rabo e mordendo um brinquedo sonoro. Educadamente, perguntei se a aluna não poderia botar a cachorrinha lá pra fora e ela disse que não, que ela ia terminar entrando em outra sala. Risada geral na turma. "Ela já assistiu à aula de Pesquisa Educacional, professora". E mais risos da turma. Eu continuei em silêncio, sem saber o que fazer (pedagógica, ecológica e politicamente correto). No fundo, num desejo rápido e politicamente incorreto, gostaria de dizer que aquele bichinho não podia ficar ali, livre, sem nenhuma disciplina do corpo, mas controlei esse desejo. Até que a aluna pegou o bichinho e disse: “pronto, ela fica no meu colo”. Menos mal, pensei.
E a cachorrinha ficou quietinha no colo, a ouvir que "os propósitos do ensino de ciências sempre foram orientados por interesses diversos, resultado de um processo histórico e socialmente construído, produto de um conjunto de escolhas definidas por grupos sociais em determinados momentos particulares. Um exemplo, no passado, foi o investimento dos EUA no ensino experimental de ciências, após o lançamento do sputinik pelos russos, ou a grande expansão de faculdades de Química, no Brasil, após a segunda grande guerra (uma guerra química). Mas, atualmente, o propósito é outro: altos índices de gravidez na adolescência e da degradação ambiental, por exemplo, demandam que professor de ciências dê orientação sexual, educação ambiental etc. E entre as competências para o trabalho educativo, devemos incluir a capacidade do professor em conviver com processo s constantes de mudanças.
E por aí fomos, até o final da aula, com a aparente concordância do primeiro - o namorado - a tudo que eu dizia e com a quietude do segundo sujeito (o pet), que parecia estar dormindo, felizmente. Ao contar a história para uns amigos, uma professora disse: o professor tem que conviver com todas as mudanças, mesmo.