domingo, 30 de novembro de 2014

30.- UMA PAVANA PARA DESPEDIR NOVEMBRO


ANO
 9
LIVRARIA VIRTUAL em www.professorchassot.pro.br
EDIÇÃO
 2973
Vou contradizer-me. Domingo falei que as blogadas domingueiras deveriam ser ligeiras e faceiras. O assunto de hoje tem outra marca. O texto é de Antonio Prata e circulou em diferentes jornais no domingo pretérito. Vale lê-lo e discuti-lo
#precisamosfalarsobreaborto O título desta coluna é um manifesto lançado na semana passada pela revista "TPM" (goo.gl/5bo1x9). Como participo da campanha, acho que o mínimo que posso fazer é falar sobre o assunto.
Das pessoas de quem mais discordo, as com quem mais concordo são as contra a descriminalização do aborto. Afinal, elas são contra o direito de as mulheres interromperem a gravidez pela mesma razão que eu sou a favor: respeito à vida.
Uma vida é algo precioso, raro, sagrado: assino embaixo e reconheço firma em cartório. Justamente por pensar assim, acredito que uma criança só deve vir ao mundo porque seus pais quiseram, não porque tiverammedo de ir pra cadeia. Entre um bebê que cresce sem amor, em casa ou num orfanato, e uma gestação interrompida até o terceiro mês, a segunda opção me parece, de longe, a menos ruim.
Não estou dizendo que uma gravidez indesejada desembocará, necessariamente, numa criança mal-amada. Muitos bebês que surgiram mais por conta do desejo de um adulto por outro do que pelo desejo dos dois de terem um filho acabam se transformando numa grata surpresa. Mas se um casal (ou uma mulher) decide ter esse filho não planejado, ele passa a ser um filho planejado: se não com anos, ao menos com alguns meses de antecedência. Ele é uma escolha, não uma vítima do nosso arcaico Código Penal.
Como já sabia Vinicius de Moraes, criar um filho não é nada fácil ("Mas se não os temos..."). A noite passada acordei às três e às cinco da manhã pra consolar minha filha, que, gripada, chorava no berço. (Dava pra ver nos olhos dela a indignação: "O nariz não tá funcionando! Eu tô tendo que respirar pela boca! É ultrajante! Faça alguma coisa!") É preciso todo o amor do mundo -e uma profissão que não te obrigue a acordar às seis da matina- pra ver graça numa hora dessas.
Fico imaginando a estudante de 15 anos que casou às pressas com o primeiro namorado, um motoboy de 18, largou a escola e foi morar num puxadinho na casa dos sogros, no mesmo quarto que o bebê. Fico imaginando o motoboy ouvindo o choro às quatro, já misturado às buzinas que ouvirá a partir das sete, para ganhar uma merreca que será inteiramente convertida em Hipoglós e fraldas da Mônica. Fico imaginando o futuro dessa criança.
Ser feliz não é nada fácil. O cérebro humano, esse computador genial e incompetente, inventa aviões, concebe romances e pinturas com mais facilidade do que nos faz feliz. Que o digam, ou melhor, não o digam, Santos Dumont, Hemingway e Van Gogh, que jogaram a toalha.
Uma pessoa com todas as condições para a felicidade — comida, um teto, amor, estudo — tem grandes chances de nunca alcançá-la. Imagina só uma criança que ninguém quer, que chega ao mundo com o ônus de ter esculhambado a vida dos pais? Deus do céu: existe coisa mais terrível do que um orfanato? Bebês e crianças sem pai nem mãe, esperando que algum dia alguém os leve consigo?
Um feto de algumas semanas que não vem ao mundo é uma coisa triste, sem dúvida, mas uma criança que cresce sem amor é uma tragédia —comparável a das meninas e mulheres que, dia sim, dia não, morrem tentando abortar ilegalmente por este Brasil afora. Tucanos e petistas, crentes e ateus, sem-teto e playboys: por respeito à vida, precisamos descriminalizar o aborto.


4 comentários:

  1. Penso que já é quase passada a hora de deixarmos a hipocrisia, o moralismo barato e todos os rancores de lado para pensarmos na vida. Criança indesejada tudo bem. No entanto, criança indesejada sem amor já traz a marca da infelicidade. Pimenta nos olhos dos outros é refresco? Urge o debate aberto, consciente e responsável sobre o que mais importa. Temos problemas e pessoas problemáticas em demasia. Coerência com a vida, debate sobre a descriminalização do aborto urgente!!!

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  2. Professor Chassot.
    Desobrigar os pais — especialmente a mãe – de levar a termo uma gestação na qual sabidamente (por meio de modernas tecnologias) se está gerando uma criança que não terá vida plena deve ser um direito indiscutível dos pais. Por primeiro, é uma ação de preservação da saúde mental da mãe e/ou do casal.
    Sim, à descriminalização do aborto no Brasil.

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  3. Soneto-acróstico
    Interrupção

    Pergunta que cabe numa boa relação
    Ou que, retórica, faz pensar somente
    Requer com certeza alguma reflexão
    Que ao menos uma resposta se tente.

    Um casal que não queira um rebento
    Estando lúcido e harmonioso então
    Tem certeza mais que cem por cento
    Evitar por algum tempo a concepção.

    Resta se no percurso houver acidente
    Fazer nessa gravidez uma interrupção
    Indo sem remorso novamente à frente.

    Lógico é que vidas que infelizes são
    Hoje sem motivo para ficar contentes
    Onde há gravidez aborto apraz então.
    ?

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  4. Me perdoe a maioria, mas faço severas críticas a posição defendida no texto. É um argumento muito interessante enquanto não se pensa que o "agraciado" pela prática abortiva poderia ter sido o próprio que agora a defende. Acrescento também que é deveras preconceituosa a justificação de tal prática em alusão ao estado de penúria dos pais, lembra-me muito teorias nazistas, de eugenia, purificação da raça. A vida é um dom maior, e a única justificativa em interrompe-la seria o risco de vida da genitora, fora isso é genocídio puro. É o homem destruindo aquilo que não pode construir. Reflitamos em nossos travesseiros, que direito temos de negar um futuro a alguém? Quem dentre nós pode afirmar com propriedade que esse ou aquele será infeliz. Erradicaremos a vida na África em virtude do estado miserável do seu povo? Acabaremos com nossas favelas? Botemos fogo em todos os paupérrimos? Não, nem sempre um comentário com estilo é provido de racionalidade.
    Como disse, perdoe-me a maioria que aqui se manifesta, mas em respeito a vida voto contra.

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