terça-feira, 12 de agosto de 2014

12.- NÓS E OS OUTROS (BÁRBAROS.)


ANO
 9
EDIÇÃO
 2863

Na edição da última sexta, observava que a pergunta aonde aprendemos? parece não ser muito recorrente, ao especularmos acerca de como construímos o conhecimento. Dizia, então, a partir de algumas conjecturas, que talvez, tivéssemos uma resposta pronta: a Escola e a Universidade são os dois lócus, mais usuais de aprendizagem.
A resposta, mesmo que pudesse ser considerada correta, não pode ser tão reducionista. Anunciei que há descritores para elaborarmos uma melhor resposta. Acenei, de maneira liminar com dois: espaço e tempo, ou onde e quando; talvez, ainda melhor: a geografia e a época. Hoje circunscrevo o local ou a geografia aonde analiso tenham, Escola e Universidade, executada a aprendizagem referida.
Começo com uma circunscrição. Na busca de resposta para o espaço ou para a geografia onde aprendemos limito-me ao mundo ocidental. Aliás, com rara exceção quase todas nossas elucubrações nestes blogares são acerca do Ocidente. Talvez coubesse uma análise, do porque ainda hoje estamos tão marcados nesta ancestralidade grega, de centrarmo-nos apenas em nós. Para os gregos, quem não falasse grego era bárbaro.
O que entendemos ser o ‘nosso’ Oriente. Philippe Nemo (2005), em O que é o ocidente?, analisa a construção histórica de valores e instituições formadores da civilização ocidental marcada por uma parecença ufanista “pelo Estado de direito, pela democracia, pela liberdade intelectual, pela racionalidade crítica, pela ciência e por uma economia baseada na propriedade privada”. Isto é temos o que há de melhor, ou mais precisamente, somos os melhores: pois, sabemos grego... e os outros não sabem!
A construção do Ocidente a partir de uma morfogênese cultural que teve produções aparentemente magníficas: invenções da cidade grega e a propriedade privada por Roma, a revolução ética e escatológica da Bíblia, a invenção de uma igreja católica (aqui católica na acepção de universal e por tal, naturalmente colonialista) e a promoção da democracia liberal. Nemo mostra o quanto o Ocidente que nos privilegia com o multiculturalismo e a multietnia nos cobra, em troca, reflexões a questões emergentes que vivemos (ou seria sofremos?). Há ônus por sermos ocidentais. Há bônus no Oriente. Aqui não há nada a ver com a galinha do vizinho ser melhor. O acidente de sermos do Ocidente foi/é uma construção nossa. E ela vem fortemente marcada de nos pensarmos ‘raça’ superior.
Mais uma vez, trago a nossa herança grega para traduzir esta superioridade. Querendo medir com exatidão o centro do mundo, Zeus fez com que duas águias fossem soltas de lugares opostos da terra. Quando o voo das duas se cruzou, ali bem embaixo o todo-poderoso determinou ser o local – uma pedra situada nas cercanias do monte Parnaso - do ônfalos, o umbigo do mundo.
Aliás, poderia retratar o ápice de nossa presunção, citando o título (e quase síntese) do livro de Edward W. Said1: “Orientalismo - O Oriente como invenção do Ocidente”2 onde mostra que o Oriente, mais que uma concepção geográfica engloba tudo que não é a civilização europeia e é uma invenção do Ocidente.
Estabelecida a ‘territorialidade’ — leia-se: a civilização europeia — na qual aprendemos, ou melhor, o local onde a Escola e a Universidade ensinaram/ensinam, circunscrevamos o segundo indicador: o tempo. Mas isso será para outra blogada.
NEMO, Philippe. O que é o ocidente. Rio de Janeiro: Martins Fonte. 2005. ISBN 978-85-991-0219-0

[1] Edward W. Said — um dos mais importantes intelectual da atualidade —nasceu na Palestina em 1935 e faleceu em 2003, enquanto docente de humanidades e literatura comparada na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, legando uma grande produção na área de estudos pós-coloniais, entre os quais o livro citado, traduzido em cerca de 36 idiomas.
[1] SAID, Edward W. Orientalismo - O Oriente como invenção do Ocidente. Tradução: Rosaura Eichenberg, São Paulo: Companhia de Bolso, 2007.

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