sábado, 20 de julho de 2013

20.- A HORA E A VEZ DO ENSINO MÉDIO

ANO
7
Livraria virtual em
WWW.PROFESSORCHASSOT.PRO.BR
EDIÇÃO
2503
Nesta edição sabatina retorno ao destaque que dei aqui na quinta e sexta feira à realização do Seminário Internacional “Concepções e Sentidos da Educação: pensamentos para uma nova prática social cidadã”. Neste evento, foi lançado na noite de ontem o livro Reestruturação do Ensino Médio: pressupostos teóricos e desafios da prática. Também contei que escrevi para o referido livro o prefácio. Deste, nas duas últimas edições trouxe as partes final e inicial. Para hoje e amanhã anuncio a publicação de partes intermediárias.
Antes relatar que os autores do livro e eu autografamos centenas de exemplares em um lindo cerimonial. Foi uma oportunidade de encontrarmos leitores. Agora, os parágrafos que se sucedem à edição de ontem.  
Parece que — de novo — chegou a hora e vez do ensino médio. Lembro que, quando em 1957, terminei o ginásio1 havia que se realizar uma opção definida por uma futura escolha profissional: científico ou clássico. Aquele, para os que depois de três anos desejassem cursar Engenharia e Medicina (e profissões afins) e este, para Direito e profissões correlatas. No primeiro a ênfase era a Matemática e Ciências da Natureza e no segundo, Latim e Literatura. Isso então implicava, quase necessariamente, a deslocar-se para a Capital, pois na maioria das cidades do interior (do Rio Grande do Sul) as alternativas de ensino médio eram duas opções profissionalizantes, marcadas por uma segmentação de gênero: curso normal (magistério) para mulheres e técnico em contabilidade, para homens.
Depois houve a reforma do ensino (referida na nota anterior) gestada e implantada no período da ditadura que concebeu um ‘ensino médio’ para formar mão de obra para um cenário pintado como desenvolvimentista. Conhecemos seu insucesso.
Hoje a oferta de ensino médio não só se faz de maneira muito ampla e sem esta segmentação. Todavia ele ainda é ferreteado por uma marca: ele é abarrotado de conteúdos.
Coincidente no dia que escrevo este prefácio, um dos jornais2 da rede que de comunicação que é hegemônica na região Sul e se arvora com campanhas imbecis a dizer como deve ser a educação3 por estas plagas, traz uma alentadora manchete de capa: “Temos que sair deste currículo enciclopédico”, diz o Ministro de Educação. Há quase um quarto de século já me antecipava ao Ministro.
Na minha tese de doutorado4, parte da qual se fez livro5 mostrei que a maioria dos conteúdos de química que ensinamos antes da universidade não serve para nada. Concordemos que essa é uma dolorosa conclusão para quem consumiu parte de sua vida ensinando esta disciplina.
Neste livro defendo que temos selecionar uns poucos conteúdos e construir com os mesmos saberes. Permito-me exemplificar com algo da área das Ciências da Natureza: podemos organizar uma atividade para um extenso período apenas com discussões acerca da combustão e da fotossíntese.
Passados mais de 20 anos, recebo, ainda nos dias atuais, interrogações sobre a proposta de minimizar os conteúdos para aumentar o conhecimento da realidade ainda parece válida. Minha resposta é um radical sim6. Em mais de uma palestra — destas que se é convidado para falar ao corpo docente de uma escola, no começo de um ano letivo —, recomendo a professoras e professores: “Aventuro-me a sugerir um bom propósito para esse novo ano: ensinar menos!” Claro que os coordenadores pedagógicos das diferentes áreas usualmente me olham com descrédito.
Este ensinar menos deve estar na busca de um equilíbrio, talvez pudéssemos pensar em deixar as informações, para ser passadas pelo Professor Google Sabe-Tudo e para a preciosa Wikipédia. A Escola, com umas poucas informações, trabalharia conhecimentos e saberes. Parece que então teríamos espaço para exercitar a transdisciplinaridade, isto é, transgredir as fronteiras que engessam as disciplinas.
Então, cabe a pergunta — permito-me ilustrar com a área do conhecimento em que me fiz especialista — : por que ensinamos ciência no Ensino Médio? E, muito provavelmente, não se faz isso para que tenhamos homens e mulheres que saibam, com os conhecimentos de ciências que têm, ler melhor o mundo em que vivem. Ainda é preciso ir além: o ensino das ciências precisa ajudar que as transformações que se fazem nesse mundo sejam para que um maior número de pessoas tenham uma vida mais digna. É para isso que se busca hoje fazer uma alfabetização científica. Nossos alunos e alunas, assim, não precisam aprender, por exemplo, o que são isótonos ou a classificação taxionômica de um vegetal ou definições do número um, quase incompreensíveis para os mais expertos algebristas.
Já perguntei, em mais de uma oportunidade, em auditório onde os presentes eram eminentes pesquisadores da área da Química (e faço aqui e agora, para qualquer leitor deste livro) quem já precisou um dia saber o que são isótonos, salvo para responder a alguma pergunta dessas que testam conhecimentos inúteis em vestibular. Não sem certo mal-estar, constatou-se que ninguém jamais precisou saber (e todos sabiam!) o que são isótonos. Mas os alunas e alunos de escolas do ensino fundamental do interior deste Brasil sabem... Esse é um dos muitos exemplos de conhecimentos desnecessários que poderíamos amealhar com facilidade.

[1] Até a reforma do ensino que ocorreu com a Lei 5692/71 que alterou o ensino anterior a Universidade, os atuais nove anos de ensino fundamental, eram divididos em dois ciclos: cinco anos de ensino primário e quatro de ensino ginasial. O acesso ao ginásio se dava através do “exame de admissão” que era realizado independente (que poderia ser em outra escola) da situação de se estar aprovado ou não no 5º ano primário.
[2] Zero Hora, 16JUNHO2013
[3] A referência é a campanha dos ‘Monstrinhos’, lançada em junho de 2013 pela RBS com a proposta de, segundo a empresa, “estimular o debate e dar visibilidade a soluções que elevem a qualidade da Educação Básica no país, em especial no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina”.
[4] Para que(m) é útil o nosso ensino de química? Tese (Doutorado em Educação). Porto Alegre, Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, 1994
[5] Para que(m) é útil o ensino? (1 ed 1995). Canoas: Editora Ulbra, 2004.
[6] Discuto essa proposta mais extensamente em: Dialogo de aprendentes, in MALDANER, Otavio Aloisio (Organizador); SANTOS, Wildson Luiz Pereira dos (Organizador). p. 23-50 Ijuí: Ensino de Química em Foco Editora Unijuí, 2010, 368 p. ISBN 978-85-7429-888-7

2 comentários:

  1. Limerique

    Preciso discordar então o faço
    Não cometamos esse erro crasso
    Se diz Universidade
    Pela multivariedade
    Pois o saber não ocupa espaço.

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  2. Atrevo-me a fazer um comentario neste ambiente certamente frequentado por experts. Analiso a educação pelo resultado. O que temos hoje? Jovens egressos do ensino médico com bastante informação teórica e uma deplorável base de cidadania. Falta-lhes civilidade, respeito as leis de trânsito, conhecimento real dos malefícios do uso de drogas lícitas e ilícitas, nenhum respeito à velhice e principalmente, a meu ver, uma total falta de direcionamento com a vida. Acredito que o ensino deva passar por uma reforma radical minorando a grade nestes conhecimentos inúteis, como bem demonstrou o Mestre, e, acrescentar outros que colaborarão para a formação de seres humanos mais "seres humanos".

    abraços

    Antonio Jorge

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