sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

18.- UM ENCONTRO (QUASE) MÍTICO COM THIAGO DE MELLO


Ano 7***www.professorchassot.pro.br***Edição 2361

Parece que foi Jacques Maritain (*1882 †1973) — filósofo católico autor de mais de sessenta obras e um dos pilares da renovação do pensamento tomista no século 20 —, que me ensinou, quando ele fala de como conheceu sua futura esposa — Raissa Maritain (*1883 †1960) russa e judia de nascimento, escritora, poeta convertida à Igreja Católica —, que ‘Deus rege o mistério dos encontros’.
Já pensei muito nesta frase, desde a madrugada de ontem. Por coerência, a parafraseei, numa leitura politeísta e agnóstica: os anjos que cuidam de nossas agendas, de vez em vez, nos brindam com encontros sumarentos. Nas 3,5 horas de voo Manaus/Guarulhos (ainda, antes da decolagem e depois do desembarque em S. Paulo) frui de uma companhia sumarenta: ‘sou Thiago de Mello’ eu respondo ‘aquele de Os Estatutos do Homem’!
Depois disso conversamos quase a viagem inteira, com algumas cochiladas, parecendo que no estado de vigília a conversa fruía. Lamento que não tenhamos gravado nossos diálogos. Certamente daria um texto muito original.
Amadeu Thiago de Mello (Barreirinha (AM), 30 de março de 1926) é um dos poetas mais influentes e respeitados no paÍs, reconhecido como um ícone da literatura regional. Tem obras traduzidas para mais de trinta idiomas. Preso durante a ditadura (1964-1985), exilou-se no Chile onde fora embaixador, encontrando em Pablo Neruda um amigo e colaborador. Um traduziu a obra do outro e Neruda escreveu ensaios sobre o amigo. Thiago morou em ‘La Chascona [descrevi a casa de Neruda aqui há um ano, quando a visitei] mais de cinco anos e foi ali que escreveu o celebrado ‘Os Estatutos do Homem’ onde o poeta chama a atenção do leitor para os valores simples da natureza humana.
Uma das primeiras afirmações que me fez: A CIÊNCIA DEVE ESTAR A SERVIÇO DA ESPERANÇA e sob esta frase escreveu no meu diário: “Abraça, Attico, tu cientista, esta causa e ajuda na construção de uma sociedade humana solidária. Na alegria de nosso encontro, Thiago de Mello, 16 de janeiro de 2013”
Depois preparou uma linda agenda para ser seu novo diário de bordo e apresenta-me a primeira página, para que eu faço o texto de abertura da mesma. Escrevo uma protofonia celebrando o voo MAO/GRU, que se fez mistério de encontros e, especialissimamente este onde nos encantávamos sabendo dos fazeres um do outro.
Ele falou-me que durante seu exílio, morou na Argentina, Chile, Portugal, França, Alemanha. Com o fim do regime militar, voltou à sua cidade natal, Barreirinha, onde vive até hoje numa ilha amazônica, onde não há automóvel, a 330 km de Manaus, na região de Parintins, só acessada por barco. Fiquei seduzido com o convite de visita-lo lá.
Nossas horas de conversa renderiam aqui muitas curiosidades. Vou trazer, hoje, apenas duas. Este encontro deve fruir outros blogares.
Thiago recebe lá na sua Barreirinha um convite da ONU, para integrar uma Comissão Internacional de Notáveis para pensarem ações em prol da UNICEF. Responde algo como: “Não sabia que eu era notável! Notáveis são as crianças da Amazônia que nascem desnutridas, se criam na miséria, resistem e se tornam gente.”
De outra feita, foi convidado para um milionário lançamento de um empreendimento onde, sem consulta-lo, o edifício chama-se ‘Thiago de Mello’. Ouve uma série de falas laudatórias a qualidade prédio e os profissionais — engenheiros, paisagistas, arquitetos... — que construíram a faustosa obra. Ao final é convidado a falar, disse algo como: “Vocês elogiaram a tantos e esqueceram aqueles que são os mais importantes nesta obra: os operários.” Mais adiante continuou: “Trago uma recomendação. Já que por suas riquezas, provavelmente não saberão disfrutar de uma afável convivência entre vizinhos, pelo menos se cumprimentem nos elevadores!”
Teria muito mais a contar. Prelibar o poeta declamando seus versos foi maravilhoso. Amanhã falo de Os Estatutos do Homem. Não recordo, em minha história de mais de uma centena de voos, que os anjos houvessem me presenteado com uma viagem tão frutífera. 

8 comentários:

  1. Bravo Mestre Chassot,
    fantástica a blogada de hoje.
    Todavia há um detalhe a assinalar neste diálogo (quase) mítico. Ele só pode ocorrer pois foram dois titãs que se encontraram. TM e AC são vinhos de pipas distintas, mas um e outro vinhos da melhor qualidade.
    Se eu, professor universitário, tivesse uma oportunidade ímpar como a sua, certamente emudeceria pela relação díspar.
    Obrigado por a cada dia nos encantar com suas blogadas, que para mim são ‘pão nosso cotidiano’.
    Com admiração, a gratidão de
    L L L

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  2. Ler Chassot é um prazer inenarrável, ler uma conversa de Chassot com Thiago de Mello é utópico. Transcrevo um dos artigos do "Estatuto do Homem" : Artigo 5 - Fica decretado que os homens estão livres do julgo da mentira, nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem armadura de palavras, o homem se sentará a mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa;

    abraços

    Antonio Jorge

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  3. Limerique

    Era o poeta Thiago de Mello
    Famoso, contudo astro singelo
    Pensador absoluto
    Escreveu "Estatutos"
    Dos emergentes ele é flagelo.

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  4. Limerique

    Limericar Thiago é pretensão
    De um poeta sem qualquer noção
    O homem é monumento
    Ícone cem por cento
    A quem se deve apenas submissão.

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  5. Caro amigo prof. Chassot:


    Li bem cedo e me entusiasmei com o seu relato. Foi espetacular, eu diria, viajar ao lado de um "gigante" da Amazônia, como você diz. Só por isso a viagem foi exuberante, não é mesmo? Congratulações e grande abraço.

    José Carneiro

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  6. O poeta e o Cientista...
    de fato ‘Deus rege o mistério dos encontros’.
    Abraços, já cheios de saudades de sua presença em nossas aulas!

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  7. Chassot, meu caro!
    Que grande momento deves ter passado nestre trecho retornando da jornada manauara. Fiquei tal como o Jose Carneiro entusiasmado com este encontro. Parabens pelo relato e por compartilhar conosco tudo isso.
    Abraço JB

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  8. O cientista e o poeta...
    Ambos quedados na magia do momento
    Revelam um poema por seu compartilhamento.
    A blogada do cientista se transforma em poesia:
    Um encontro rega e nutre o viver e a apologia.
    Grande mestre Chassot,
    Agradecida pelos compartilhamentos.
    Grande e carinhoso abraço: Lia, a Ilíria que ainda lê

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