quinta-feira, 11 de agosto de 2011

11.- Sobre leituras e escritas.

Ano 6

PORTO ALEGRE

Edição 1834

Vez ou outra, recebo pedidos acerca de escrever, redigi algo que poderia trazer um mote: “Escrever é preciso! ... e é gostoso!” Aqui estão algumas linhas nesta direção. É mais uma tentativa de resposta a alguns pedidos. Adito votos de uma quinta-feira a cada uma e cada um de meus leitores e aos escrevinhadores.

É usual dividirmos escritos (e leituras) em ficção e não ficção. Nestas estão os textos acadêmicos, os técnicos, os religiosos, os de auto-ajuda, os registros de trabalhos, os diários e outros mais. Há um ferrete nos mesmos: parecem que devem apresentar ‘verdades’. Na outra divisão – ficção – estão aqueles que têm como marca o significado do rótulo: ato ou efeito de fingir. Assim estes textos – descompromissados de relatar verdades – são construções, voluntárias ou involuntárias, resultados da imaginação; logo criação imaginária ou fantasiosa, até fantástica; quiméricos.

Sei, mas isto não é objeto deste ensaio, que muitos textos de ficção são marcados pela trazida de realidade. Aqui caberia também uma discussão, da qual também me abstenho: o que é realidade. Até porque, quando escrevemos ficção, não raro devemos nos policiar para não traçarmos biografias de personagens conhecidas ou até precaver-nos que não aflore nossa autobiografia. Nesse caso damos asas a nossa imaginação, sendo que muitas vezes o id disputa com o ego a autoria de nossos textos onde nos fazemos, não raro, em super-heróis.

Entre as obras de ficção também cabem os muito apreciados romances históricos, onde viajamos a tempos ou lugares tendo com cicerone a imaginação de um escritor. Este talvez seja meu gênero ficcional preferidos.

Não sei em qual das duas categorias coloco os livros psicografados. Ler obras dessa natureza de personagens históricos é, mesmo para quem não professa o espiritismo, usualmente enriquecedor.

É nesta divisão: ficção e não ficção que aparecem as listas dos mais vendidos, as bibliotecas pessoais e, especialmente, nossas definições de leituras. Estas parecem que estão associadas, respectivamente, a duas palavras: lazer e trabalho. A primeira, parecem ligadas a algo que fizemos quando, prazerosamente, nos permitimos a fugir a nossos deveres. Outra é comandada pelo feitor que nos cobra produção.

Quando insisto com meus orientandos que devem ler ficção, usualmente há surpresas. Ou mais, parece que os incito a uma transgressão. Mesmo como intelectuais que temos compromissos com nossa formação mais ampla, deleitar-nos com romance parece fazer assomar culpas, pois estamos ‘matando o horário que poderíamos estar trabalhando’.

Tento neste texto olhar essa divisão ficção e não ficção em outra dimensão. A escrita / leitura solidária e solitária. É muito usual que um texto acadêmico seja escrito em parceria com outros colegas. Não é raro temos textos com uma litania de participantes, que quase duvidamos de tão ampla coautoria. Já um texto de ficção, usualmente é solitário.

Eu não sou dado ao escrever acadêmico em parceria. Tenho poucos textos em coautoria, estes usualmente com orientandos ou ex-orientandos. São realmente textos a dois. Não considero um texto em coautoria aqueles que são contribuições individuais em capítulos de livro. Minha reduzida experiência como organizador de dois livros me mostrou que mesmo que se insistisse na exigência de um fio condutor nos capítulos de cada um dos autores, usualmente se originam textos muito individuais.

Há que reconhecer que os textos acadêmicos não são de uma maneira geral solitários. Não

é sem razão, que apensamos ao final uma bibliografia e no Alfabetização científica: questões e desafios para a Educação coloquei essa abertura (que retirei de minha tese de doutorado) antes de citar as obras consultadas. Encanta-me o continuado diálogo — às vezes um imperceptível sussurro — que ouço em cada um dos livros que manuseei para fazer este livro. Minha gratidão aos homens e mulheres de quem me apossei das ideias. Realmente, é muito difícil existir um texto acadêmico que não tenha pareceria, mesmo que não consultemos nenhum autor para escrever o texto. Não é sem razão, que o livro antes citado, tem os direitos autorais das cinco edições doados ao Departamento de Educação do MST, pois muitos capítulos são resultados de meu aprendizado na formação de professoras e professores para acampamentos e assentamentos.

Mesmo que ainda volte no encerramento a escrita dita solitária, quero comentar algo da leitura. Parece a esta cabe o mesmo paralelismo que fiz a escrita.

A leitura de não ficção é mais apropriada para uma leitura solidária, enquanto a ficção é mais dada a ser solitária. No primeiro caso estão os seminários acadêmicos onde todos leem – individualmente ou em grupo – um texto e depois se debate as ideias do autor. Há grupos literários que fazem isto com obras de ficção. Mesmo que menos usual, se pode prever que aí as discussões possam não ser tão críticas como, por exemplo, em um texto acadêmico.

Pode haver leituras em parcerias de cada uma das duas categorias que abrem este texto. Ler jornal a dois é muito bom. Não classifiquei os textos jornalísticos, mas eles parecem ser – ou deveriam ser –, de não ficção; até porque alguns jornais alardeiam o compromisso com a verdade.

Numa noite de sábado de inverno ‘ler hoje, jornais de amanhã, com notícias de ontem’ numa lareira com um bom vinho e um parceiro para comentar é algo quase paradisíaco. O mesmo vale para uma manhã de domingo chimarrear com uma pessoa querida num jardim lendo suplementos literários ou revistas semanais de variedades.

A leitura de ficção a dois também pode ser algo gostoso, não para um extenso romance, mas para um pequeno conto. Não sem razão, que na distribuição de livros pela casa, na alcova há geralmente selecionada biblioteca de livros e revistas eróticos. Estes usualmente de ficção. Neste gênero os dito não ficção são imaginado como ficção, pois quase não se crê em tudo que parece fantasiar o autor. Claro que obras da biblioteca da alcova são sempre mais apetecíveis a dois.

Encerro este texto com o que o catalisou. Parece que escrever ficção é um ato muito solitário. Dificilmente o fazemos em parceria. Usualmente não fazemos citações. Os dicionários são bons coadjuvantes.

Neste escrever ocorre algo muito especial. Não escrevemos apenas quando teclamos ou fizemos um apontamento em meio a outros fazeres. Quando nos embrenhamos em um texto ficcional, nossos personagens nos envolvem tanto, que vivemos viajando ao cenário de nossa história. Chegamos ser deselegante com outros, pois não conseguimos deixar de pensar no diálogo seguinte, na nova trama e no futuro desenlace. As horas insones se fazem férteis, mas o diálogo com um parceiro pode ficar sincopado.

Assim, é fácil entender porque, às vezes o outro não esteja a fim de papo. É muito bom viajar na ficção.

10 comentários:

  1. Caro Chassot,
    Como leitor compulsivo e escritor diletante, fiquei duplamente tocado com essa blogada. Leio ficção e não ficção na ordem de 30% para o primeiro gênero e 70% para o segundo, contudo, quando escrevo, minha produção é 90% não ficção, produzo na maior parte ensaios. Quando escrevo quase sempre coloco minhas experiências pessoais de modo que tudo se torna um pouco autobiográfico de maneira involuntária. Estou escrevendo uma novela que está parada por enquanto, acredito que em dez anos eu a termine, não tenho pressa. Abraços fraternos, JAIR.

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  2. Caro mestre e amigo.
    Muito boas as suas considerações sobre os "ferretes" (aqui no Rio chamamos de rótulos) que são colocados nas obras de literatura. Melhor ainda qdo vc diz que incentiva seus alunos a lerem "ficção". É uma saudável "heresia"! Gostei da ideia e agota tb vou incentivar os meus orientandos nesse sentido!
    Abs
    Renato

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  3. Caro Chassot,

    mesmo no apagar da quinta-feira chegou ao blogue. O dia contou com muitos percalços e as lides foram se enrolando umas as outras. Destaco, na postagem de hoje, aquela primeira ilustração, aquela que tem a máquina de escrever: achei expressiva a frase do Neruda - acho que escrever consiste nesses três momentos.

    Um abraço,

    Garin

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  4. Meu caro Jair,
    vibro por teres apreciado a blogada. Quanto em 1999 tive um câncer fiz escritoterapia. Produzi um livro: “Uma rapsódia prostática” por razões muitas restrito a tiragens domésticas. Escrever para ti e para mim faz bem.
    Obrigado por tua apreciação
    attico chassot

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  5. Muito querido Renato,
    vibrei por te tornares um heresiarca também nas indicações de leituras aos orientandos.
    Teus comentários aqui são sempre preciosos,
    Com estima e admiração

    attico chassot

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  6. Meu estimado colega Garin,
    teu extenso silêncio – por me acostumares mal com teus sempre presentes comentários – fez-me interrogante. A quinta-feira foi corrida. À tarde estive em uma reunião no Campus do Vale da UFRGS. Ir e voltar de ônibus me ensejou redescobertas em um caminho que foi de meu cotidianos durante dezenas de anos.
    Realmente Pablo Neruda faz uma boa síntese deste escrever que curtimos.

    attico chassot

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  7. Ave Chassot,

    bela blogada! Sempre edificante e iluminador.

    Grande abraço,
    Guy.

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  8. Meu caro Guy,
    Que bom que apreciaste esta produção sobre leitura e escrita.
    No dia 15, os leitores deste blogue terão uma edição especial: ¿Tu já foste a Mauritius? Certamente só uma pessoa, na centena de leitores deste blogue, que pode dizer:
    Oui, j'ai été dans ce paradis/pays,
    Aguardemos segunda-feira

    attico chassot

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  9. eXCELENTE TEXTO..Estou envolvendo meus alunos(as) no mundo da leitura através de múiscas,teatro e jornais.Uso o livro didático mas enriqueço os assuntos com temas transversais. Depois que passei a revezar minhas aulas entre a sala e a biblioteca já obtivemos avanços relevantes. Parabéns professor pelo seu nobre gesto.

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  10. Muito estimado colega Nazareno,
    tu ao revitalizares o texto 11.- Sobre leituras e escritas de 11AGO2011 validas a minha tese que ‘blogada velha’ diferente de jornal velho (que se diz só serve para enrolar peixe) pode ter uma sobrevida.
    Ante teu comentário, voltei ao texto e vejo quanto ele se adequa a um seminário que estou envolvido no Programa de Pós-Graduação em Educação da URI de Frederico Westphalen que tem como mote “Escrever é preciso e é precioso’. Por esta razão, destino esta resposta a alguns dos mestrandos que partilham comigo a experiência de evolver-nos no gratificante ato da escrita.
    Obrigado pela parceria no fazermos Educação.


    attico chassot

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