sexta-feira, 3 de junho de 2011

03. Uma vez mais: o livro que ensina escrever errado

Ano 5

Porto Alegre

Edição 1765

ATENÇÃO: A postagem de comentários ficou simplificada. Agora eles independem de aprovação do editor. Este se reserva o direito de posteriormente eliminar aqueles ofensivos o que incitem discriminação. Pede-se comentários assinados e se possível com endereço para resposta.

Hoje, pela manhã, com meu colega Norberto Garin temos mais uma sessão do seminário História e Filosofia da Ciência. A Denise e o Alexandre vão viajar conosco ao século 18, para conhecer um pouco da Enciclopédia Francesa (levo um volume fac-similar), a Revolução Francesa e, é claro a Revolução Lavoiserana. Para sair um pouco da França também mostro (fac-símile, é claro) um exemplar do ‘Exame de Artilheiro’ de 1744, tido como primeiro livro tido como primeiro livro escrito no Brasil e impresso em Portugal.

Atividade da noite de ontem na Universidade Federal de

Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), onde estive pela primeira vez desde que se tornou Universidade em 2008, mas que lá estivera muitas vezes, ainda quando era a Faculdade Católica de Medicina de Porto Alegre (ou Faculdade da Santa Casa), depois federalizada no ano de 1980, como Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre.

Um público muito atento de mais 300 participantes (havia 335 inscritos) formado por uma imensa maioria de jovens universitários. A note foi dividida em três momentos: no primeiro, três falas de 30 minutos, seguita de uma café e depois cerca de uma hora de perguntas.

Primeiro falou Ygor Ferrão, com doutorado em Psiquiatria pela Universidade de São

Paulo (2004), é Professor Adjunto de Psiquiatria da UCCSPA e Médico Psiquiatra Preceptor no Hospital Materno Infantil Presidente Vargas. No segmento neuroanatomia e gênero Ygor de uma muito significativa aula, trazendo detalhes genotípicos e fenotípicos e apresentou pesquisa de ponta na especialidade como o ‘neurônio espelho’ eu determina por exemplo que quando o professor coça-se ou olha o relógio muitos alunos fazem o mesmo.

A segunda fala foi a minha. Iniciei prestando uma homenagem aos mártires do para que recebeu aplausos do auditório. Mostrei o quanto a Ciência é masculina. Calculei mal o tempo e tive que correr e suprimir partes de minha fala.

A última fala foi de Elizabeth Zambrano, Doutora em Antropologia Social pela UFRGS. médica especialista em formação psicanalítica, no mestrado sua dissertação foi Trocando os documentos: um estudo antropológico sobre a cirurgia de troca de sexo. Na sua fala ‘Cultura, Sociedade e Gênero’ quando ilustrou com riqueza de ilustrações a heteronormatividade nas definições culturais de sexo e gênero.

Foi uma noite muito rica comandada por duas sentenças que ilustravam dos dois diferentes cartazes nas cores azul e rosa que publiquei aqui durante os dias anteriores: “Os homens fazem sexo, as mulheres fazem sexo...também” / “As mulheres fazem sexo...também”,

Volto uma vez mais a um assunto polêmico: o livro que ensina escrever errado. Preliminarmente uma advertência. Não estou fazendo militância em busca de conversos. Respeito e admiro meus leitores que têm opinião diferente daquela que defendo e defendo. Esta semana o Ministro da Educação defendeu a publicação no Senado.

Mas não bastassem os comentários infelizes de jornalistas – aqueles que se autoproclamam, com pertinência: formadores de opinião –, a procuradora da República, Janice Ascari, do Ministério Público Federal, criticou o livro e prometeu sanção a ele. Nesta segunda e terça-feira, na disciplina Conhecimento, Linguagem e Ação Comunicativa, vamos trabalhar dois textos. Hoje, junto com meus votos de uma muito boa sexta-feira, brindo meus leitores com outro: POLÊMICA OU IGNORÂNCIA? Seu autor é Prof. Dr. Marcos Bagno, da Universidade de Brasília.

Para surpresa de ninguém, a coisa se repetiu. A grande imprensa brasileira mais uma vez exibiu sua ampla e larga ignorância a respeito do que se faz hoje no mundo acadêmico e no universo da educação no campo do ensino de língua.

Jornalistas desinformados abrem um livro didático, leem metade de meia página e saem falando coisas que depõem sempre muito mais contra eles mesmos do que eles mesmos pensam (se é que pensam nisso, prepotentemente convencidos que são, quase todos, de que detêm o absoluto poder da informação).

Polêmica? Por que polêmica, meus senhores e minhas senhoras? Já faz mais de quinze anos que os livros didáticos de língua portuguesa disponíveis no mercado e avaliados e aprovados pelo Ministério da Educação abordam o tema da variação linguística e do seu tratamento em sala de aula.

Não é coisa de petista, fiquem tranquilas senhoras comentaristas políticas da televisão brasileira e seus colegas explanadores do óbvio. Já no governo FHC, sob a gestão do ministro Paulo Renato, os livros didáticos de português avaliados pelo MEC começavam a abordar os fenômenos da variação linguística, o caráter inevitavelmente heterogêneo de qualquer língua viva falada no mundo, a mudança irreprimível que transformou, tem transformado, transforma e transformará qualquer idioma usado por uma comunidade humana. Somente com uma abordagem assim as alunas e os alunos provenientes das chamadas “classes populares” poderão se reconhecer no material didático e não se sentir alvo de zombaria e preconceito. E, é claro, com a chegada ao magistério de docentes provenientes cada vez mais dessas mesmas “classes populares”, esses mesmos profissionais entenderão que seu modo de falar, e o de seus aprendizes, não é feio, nem errado, nem tosco, é apenas uma língua diferente daquela — devidamente fossilizada e conservada em formol — que a tradição normativa tenta preservar a ferro e fogo, principalmente nos últimos tempos, com a chegada aos novos meios de comunicação de pseudo especialistas que, amparados em tecnologias inovadoras, tentam vender um peixe gramatiqueiro para lá de podre. Enquanto não se reconhecer a especificidade do português brasileiro dentro do conjunto de línguas derivadas do português quinhentista transplantados para as colônias, enquanto não se reconhecer que o português brasileiro é uma língua em si, com gramática própria, diferente da do português europeu, teremos de conviver com essas situações no mínimo patéticas. A principal característica dos discursos marcadamente ideologizados (sejam eles da direita ou da esquerda) é a impossibilidade de ver as coisas em perspectiva contínua, em redes complexas de elementos que se cruzam e entrecruzam, em ciclos constantes. Nesses discursos só existe o preto e o branco, o masculino e o feminino, o mocinho e o bandido, o certo e o errado e por aí vai. Darwin nunca disse em nenhum lugar de seus escritos que “o homem vem do macaco”. Ele disse, sim, que humanos e demais primatas deviam ter se originado de um ancestral comum. Mas essa visão mais sofisticada não interessava ao fundamentalismo religioso que precisava de um lema distorcido como “o homem vem do macaco” para empreender sua campanha obscurantista, que permanece em voga até hoje (inclusive no discurso da candidata azul disfarçada de verde à presidência da República no ano passado). Da mesma forma, nenhum linguista sério, brasileiro ou estrangeiro, jamais disse ou escreveu que os estudantes usuários de variedades linguísticas mais distantes das normas urbanas de prestígio deveriam permanecer ali, fechados em sua comunidade, em sua cultura e em sua língua. O que esses profissionais vêm tentando fazer as pessoas entenderem é que defender uma coisa não significa automaticamente combater a outra.

Defender o respeito à variedade linguística dos estudantes não significa que não cabe à escola introduzi-los ao mundo da cultura letrada e aos discursos que ela aciona. Cabe à escola ensinar aos alunos o que eles não sabem! Parece óbvio, mas é preciso repetir isso a todo momento. Não é preciso ensinar nenhum brasileiro a dizer “isso é para mim tomar?”, porque essa regra gramatical (sim, caros leigos, é uma regra gramatical) já faz parte da língua materna de 99% dos nossos compatriotas. O que é preciso ensinar é a forma “isso é para eu tomar?”, porque ela não faz parte da gramática da maioria dos falantes de português brasileiro, mas por ainda servir de arame farpado entre os que falam “certo” e os que falam “errado”, é dever da escola apresentar essa outra regra aos alunos, de modo que eles — se julgarem pertinente, adequado e necessário — possam vir a usá-la TAMBÉM. O problema da ideologia purista é esse também. Seus defensores não conseguem admitir que tanto faz dizer “assisti o filme” quanto “assisti ao filme”, que a palavra óculos pode ser usada tanto no singular (o óculos, como dizem 101% dos brasileiros) quanto no plural (os óculos, como dizem dois ou três gatos pingados).

O mais divertido (para mim, pelo menos, talvez por um pouco de masoquismo) é ver os mesmos defensores da suposta “língua certa”, no exato momento em que a defendem, empregar regras linguísticas que a tradição normativa, que eles acham que defendem, rejeitaria imediatamente. Pois ontem, vendo o Jornal das Dez, da GloboNews, ouvi da boca do Sr. Carlos Monforte essa deliciosa pergunta: “Como é que fica então as concordâncias?”. Ora, sr. Monforte, eu lhe devolvo a pergunta: “E as concordâncias, como é que ficam então?

Por fim, votos de uma muito boa sexta-feira, com muito provável frio, por estas bandas. Ainda um convite: leiamo-nos amanhã, falando de um livro.

8 comentários:

  1. Caro Chassot,

    estou publicando o meu comentário como anônimo porque questões técnicas.

    No Seminário de hoje, se houver algum espaço, estou preparado para um pequeno passeio pelo século 19, que envolva um barco e uma longa viagem de quatro anos e nove meses e que inclui o Brasil: fácil não é.
    Meus cumprimentos pela atividade de ontem à noite: pelo jeito foi um acontecimento memorável.

    Boa sexta-feira - até breve!

    Garin

    http://norberto-garin.blogspot.com

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  2. Meu caro Garin,
    perfeita sugestão: faremos o passeio a bordo do Beagle.
    Obrigado pelas referencias à noite de ontem, onde o Centro Universitário Metodista do IPA foi presença.
    Com expectativa e até breve,
    attico chassot

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  3. ADELAR escreveu de PORTO ALEGRE

    Saudações!

    Meu nome é Adelar, sou médico residente em Psiquiatria da UFCSPA. Quero cumprimentá-lo pela excelente palestra realizada ontem. Textos instigantes e belas imagens! Pena que o tempo era curto! Gostaria de ver com o Senhor a possibilidade de ter acesso à apresentação, inclusive aos slides que não puderam ser apresentados.

    Desde já grato!

    Adelar Pedro Franz

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  4. Professor Attico muito bom o texto que selecionaste do professor Dr. marcos Bagno, nossa mídia conservadora e sempre disposta a questionar qualquer ideario que vá contra a sua ética e estetica dominante, opina quase sempre sem saber e busca fazer polêmica o tempo todo.

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  5. Professor!
    Queria tanto ter assistido às palestras de ontem... imagino a riqueza de todas as falas! É tão importante se abordar essas questões. Espero que tenha, em algum dia, um repeteco!
    Um beijo com saudades
    Thaíssa

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  6. Meu caro Henrique,
    vibro com teu comentário. Na noite de terça-feira esses será o assunto.
    Um bom domingo

    attico chassot

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  7. Thaissa querida,
    já conversamos, ante o sucesso, acerca de uma nova edição.
    Tu iria fruir muito, pois estão presente assuntos que estão no teu consultório.
    Obrigado pela visita ao blogue,
    Um afago com saudade
    attico chassot

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  8. Agora sim, muito interessante o Blog assim como suas as suas obras.

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