Ano 5 | Porto Alegre | Edição 1784 |
A primeira blogada do inverno 2011 se constrói três evocações de ontem. É uma edição que se tece muito em um blogue ser, também, diário.
Primeiro vale destacar a criticidade coerente de quatro de seis comentaristas que ao aditar comentários no texto de Dráuzio Varella – Jair (Florianópolis), Matilde (Guayaquil), Cris Flor (Juiz de Fora) e Vitor (Xyz) – que de maneira independente (pois por problemas de postagem as duas leitoras me enviaram seus comentários e eu os postei) mesmo aceitando a tese do médico global surpreendem-se com a sua ortodoxia. Matilde, acertadamente questiona: ¿esos pensamientos mágicos que cuestiona el médico autor no son acaso también parte de saberes populares o primevos como usted llama? Já o Jair afirma convicto: existe muito mais coisas sob o sol que a ciência médica pode imaginar. De todas essas medicinas alternativas, já utilizei a acupuntura e deu resultados impressionantes. A Cris Flor contesta dizendo: Há que se pensar alternativas à abordagem cartesiana do corpo humano, não acha? Por fim, a analogia entre o carro e o corpo humano é grosseira e só legitima o pensamento mecanicista desse corpo. [Recomendo a íntegra do comentário da Cris Flor]. O Vitor recorda: Num passado não tão distante não existia farmácias e nem por isso as pessoas morriam por causa de pequenas enfermidades, usavam da medicina alternativa passada por gerações.
Vibrei ao ver o quanto meus leitores foram menos ingênuos que eu. Também por isso é bom ser bloguista.
A segunda referência ao dia de ontem: ocorreu na Morada dos Afagos, pela manhã e em parte da tarde uma frutuosa atividade de clausura do Seminário de História e Filosofia da Ciência. Recebi o Prof. Dr. Norberto da Cunha Garin, que partilhou comigo neste semestre a condução do Seminário e os alunos do Mestrado Profissional de Reabilitação e Inclusão Denise Piltcher e Alexandre Greco. A seleção imagética registra alguns momentos.
No
chimarrear, acompanhamos a viagem de Darwin no Beagle e analisamos a difícil e a ainda inconclusa transição do criacionismo para o evolucionismo. Depois olhamos um pouco a revolução freudiana com as implicações do inconsciente em nossa maneira de estarmos no mundo.
Em momento saboreamos um almoço com pratos da cozinha indiana. Fizemos também uma avaliação de nossas aulas neste semestre, marcadas por sumarentos encontros de discussões.
A terceira evocação é um registro pesaroso: Às 12h de ontem, no Cemitério Comunal Israelita do Caju, na zona norte do Rio de Janeiro, foi sepultado Otto Richard Gottlieb. O professor, químico e pesquisador faleceu na madrugada de 20 de junho, no Rio de Janeiro, aos 90 anos e deixou esposa, três filhos, 11 netos e um bisneto.
Nascido em Brno (atual República Tcheca) em 31 de agosto de 1920, Gottlieb chegou ao Brasil em 1939 e, no ano seguinte, ingressou no Colégio Universitário. Durante esse período, estagiou no Laboratório de Imunologia do Instituto Butantã e foi redator da revista Química, publicada pela Escola Nacional de Química.
Em 1945, o cientista se formou em primeiro lugar no curso de Química Industrial pela Universidade do Brasil, que originou a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde fez doutorado e obteve o título de livre-docente.
Após se formar, Gottlieb trabalhou por dez anos na indústria química do pai, que fabricava óleos essenciais da flora brasileira, utilizados como matéria-prima de perfumaria. Dez anos depois, aos 35, decidiu participar de um dos mais importantes grupos de pesquisa sobre produtos naturais da época, o Instituto Weizmann de Ciências, em Israel, iniciando uma investigação sobre o isolamento de substâncias químicas de plantas e a determinação de sua estrutura.
Em 1961, retornou ao Brasil para assumir o cargo de tecnologista do Instituto de Química Agrícola (IQA), onde foi responsável por importantes descobertas como o pau-rosa. Em 1964, seguiu para a Inglaterra, para lecionar como professor visitante na Universidade de Sheffield, e para os Estados Unidos, para realizar um estágio de um mês na Universidade de Indiana. No mesmo ano, retornou ao Brasil para a chefiar a implantação do Laboratório de Fitoquímica da Universidade de Brasília (UnB).
Em 1967, fundou, com financiamento da FAPESP, o Laboratório de Química de Produtos Naturais no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), onde se aposentou em 1990.
Em seguida, retornou ao Rio de Janeiro para trabalhar como pesquisador na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), onde atuou até sua aposentadoria no antigo Departamento de Fisiologia e Farmacodinâmica.
Com mais de 700 trabalhos e alguns livros publicados, Gottlieb é considerado o pioneiro na introdução do estudo das moléculas que fazem parte do metabolismo das plantas (fitoquímica) no Brasil, concomitantemente com a química orgânica moderna.
Entre as espécies estudadas por Gottlieb estão as lauráceas, a que pertencem o sassafrás e o louro, e as miristicáceas, representada pela noz-moscada. Seus estudos sobre a canela também resultaram em aplicações medicinais, fitoterápicas e culinárias da espécie, além de propriedades aromáticas utilizadas na indústria cosmética. Descobriu ainda substâncias de grande importância para a medicina, como as neolignanas, que têm efeitos comprovados contra a doença de Chagas e propriedades antiinflamatórias.
Integrando a química à biologia, à ecologia e à geografia, Gottlieb desenvolveu uma nova área de estudo no campo da química de produtos naturais: a sistemática bioquímica das plantas, também chamada de quimiossistemática ou taxonomia química, que consiste na identificação de grupos de substâncias químicas presentes nas plantas.
Considerado o maior nome em química de produtos naturais da América Latina, Gottlieb foi indicado em 1999 ao Prêmio Nobel por seus estudos sobre a estrutura química das plantas, que permitem analisar o estado de preservação de vários ecossistemas. A indicação foi feita oficialmente pelo polonês naturalizado norte-americano Roald Hoffmann, que recebeu o Nobel de Química em 1981.
“Ele foi uma pessoa fascinante e está incluído entre os grandes cientistas do Brasil. Saiu divulgando a química de produtos naturais por todo o país em uma época em que, praticamente, se desconhecia técnicas como a ressonância magnética e a espectrometria de massas. Do laboratório dele no Instituto de Química da USP saíram as maiores lideranças que temos hoje no Brasil em química de produtos naturais”, afirmou disse Vanderlan Bolzani, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) que foi sua orientanda de mestrado e doutorado.
A homenagem deste blogue ao professor Otto Richard Gottlieb se faz na trazida de um texto seu:
“Hoje, a questão básica já não é mais se podemos produzir alimentos, fármacos, energia, produtos em quantidade suficiente, mas quais as consequências ambientais disso. Na velocidade vertiginosa da destruição da biosfera, da atmosfera e até da estratosfera, cujas composições químicas afetam os organismos em geral e a humanidade em particular, dentro de algumas dezenas de anos custará uma inconcebível fortuna à pesquisa básica visando a uma extensão do período remanescente do homem no planeta. O drama não consiste tanto na capacidade do homem de alterar o ambiente, mas no desejo de alterá-lo antes de entender com precisão os fatores que governam a estrutura e o funcionamento desse meio. Por isso assistimos hoje à criação de grupos de estudos ecológicos, formados no Brasil principalmente por botânicos e zoólogos preocupados com a observação da interação de organismos em seus ambientes naturais. Tal observação só leva à compreensão do fenômeno se sua causa é baseada em comportamento ou forma. Mas a causa é mais frequentemente baseada em química, e o biólogo que carece de conhecimento nessa área não irá longe em ecologia. Portanto, engrenar biologia e química é uma medida de defesa das gerações futuras.”
Que este 22 de junho seja agradável apara cada uma e cada um na gostosa evocação de tantos eventos juninos e na curtição do feriado que se avizinha. Lemo-nos então.
Caro Chassot,
ResponderExcluirfoi muito prazera essa parceria intelectual no Seminário sobre História e Filosofia da Ciência. Aprendi muito contigo e com os nossos mestrandos, Denise e Alexandre. Nossos encontros sempre foram permeados de compartir vivências e refletir sobre a trajetória da ciência: muito obrigado!
Meu agradecimento também, pela oportunidade de conhecer/estar na Morada dos Afagos: encantadora e repleta de estímulos à reflexão.
Um agrande abraço,
Garin
http://norberto-garin.blogspot.com
Muito estimado colega Garin,
ResponderExcluirobrigado pelas referências a nossa inédita (e original) parceria no Seminário História e Filosofia da Ciência. Foi bom que aprendemos muito enquanto quarteto.
Deixei de registrar e faço aqui: agradecimentos como foste parceiro trazendo equipamento de multimídia para nossa aula aqui na Morada dos Afagos ontem.
Um bom feriado e seguimos nos lendo
attico chassot
Caro Chassot,
ResponderExcluirMais uma vez você nos traz uma blogada múltipla, de modo que vou me ater a apenas um item. Essa homenagem com biografia que você faz a Otto Richard Gottlieb está primorosa. O melhor do trabalho desse grande homem foi casar química com preocupação e preservação ecológicas. Vejo nele um homem a frente do seu tempo e que deveria ter ganho o prêmio Nobel. Abraços fraternos, JAIR.
Meu caro Jair,
ResponderExcluiresta manhã ao ouvir no rádio que hoje é o ‘dia do aeroviário’ e ‘o dia do orquidófilo’ vi que em 22 de junho és bi-homenageado. Certamente deve haver ainda muitas outras datas comemorativos. Talvez, para ti se pudesse enfeixar todas em uma: dia do polímata.
Obrigado por teu comentário e que tenhas alguma catleia em floração para perfumar a data
attico chassot
Sr. Dráuzio foi um tanto inconveniente criticando medicinas alternativas que estão no mundo a tempos remotos, repito remotos!Não podemos esquecer do poder GLOBAL de moldar pensamentos, através de uma ideologia formada à época da ditadura.Infelizmente.
ResponderExcluirMárcio, turma 2011 SQE profª Cris Flor
Estimado Márcio David,
ResponderExcluirde acordo com tua assertiva. Obrigado pela tua colaboração.
A fitoterapia, que parece esquecida por Dráuzio – o médico global – recebe reconhecimento na homenagem prestada hoje ao Prof. Gottlieb.
Na edição de ontem se aditaram mais comentários.
Obrigado por tua estreia aqui.
Ver-nos-emos na terça-feira
attico chassot
CRIS FLÕR escreveu de Juíz de Fora
ResponderExcluirQuerido mestre Chassot
A possibilidade de concordar, discordar e repensar a partir de seus posts no blog é sempre imensa. E é isto que move minhas aulas e também alimenta meu pensar sobre a educação. Não precisamos de verdades absolutas, nenhuma delas, não é mesmo? Seu post ontem no blog abriu uma discussão importante e muito interessante. Veio a coincidir com os trabalhos de pesquisa sobre saberes populares que os estudantes de Saberes Químicos Escolares realizaram e sobre os quais iremos conversar em nosso diálogo de aprendentes na terça feira próxima. Abrir e proporcionar debates é muito interessante, e dar a palavra ao outro é fundamental para pensarmos uma educação científica mais efetiva. Deixo então meu agradecimento, em meu nome e em nome da turma de Saberes..., pelas oportunidades que nos ofereces de participar de discussões importantes e relevantes para a formação de professores de química. Um abraço com carinho: Cris Flôr
Muito querida Cris Flôr,
ResponderExcluirrealmente os blogues são espaços democráticos, nos quais como na sala de aula (diferentemente de uma igreja) as verdades são passageiras, transitórias e falíveis.
Sinto no blogue uma sala de aula. Olha o quanto as discussões na edição de ontem foram férteis e com a presença de distintas geografias e posições.
Parodio (tive que ir ao dicionário, pois pensava que a 1ª pessoa do indicativo do verbo parodiar fosse: parodeio) João Wesley, fundador do metodismo que dizia ‘O mundo é minha paróquia’ para ‘A internet é minha sala de aula’. Olha o que vamos fazer na próxima terça-feira com mais uma edição de “Diálogos de Aprendentes”
Um afago com admiração
attico chassot
ALEXANDRE GRECO escreveu~
ResponderExcluirQuerido e Estimado Professor,
Foi uma aula para entrar para a história,
Conhecimento, experiências pessoais, com um vinho chileno,
e uma maravilhoooooosa comida indiana , só podia
resultar em alegria, felicidade e saudades, obrigado por tudo,
por favor não esqueça do seu trio, lembre-nos do lançamento
do livro e qualquer palestra extra... indiferente de crenças
não posso deixar de lhe falar........................................
Que Deus continue lhe usando dessa forma única e incrível, lhe
multiplique a saúde e proteja seus familiares em nome de Jesus
abraço Greco
DENISE postou no Facebook
ResponderExcluireni Piltcher
Mestre Chassot, tua erudição é contagiante e inspiradora. Espero haver contribuído a altura. A despedida não poderia haver sido melhor: índia e chile, deliciosa mistura. Fora aquele surpreendente cantinho religioso (risos) a Morada do Afagos tem uma energia especial. Aguardo convite do lançamento do teu livro. Abs denise
Muito querido Alexandre,
ResponderExcluireste seminário vai deixar saudade. Liguei-me por demais neste trio. As falas sobre religião me encantam.
Quando preparei o blogue que circulará após a meia noite, pensei muito em ti. Quarto centenária da Bíblia do Rei James. Vais gostar muito.
Tomara que nos encontremos de vez em vez
Um afago carinhoso e obrigado pelas bênçãos
attico chassot
Denise querida,
ResponderExcluirfoi um privilégio corrermos um pouco juntos este semestre, Encanta-me teu pique.
Sonho reencontros com o trio, achassot