quinta-feira, 9 de junho de 2011

09. Por uma Vida Melhor

Ano 5

Porto Alegre

Edição 1771

Com a antecipada indulgência de alguns de meus leitores, está é terceira blogada que vou bater na mesma tecla. Mesmo sabendo que, entre ilustres frequentadores deste blogue, há aqueles que, com sólidos argumentos, manifestaram posições em direção oposta a que tenho destacado, hoje o assunto é uma vez mais o livro: Por uma Vida Melhor.

Também peço a tolerância a mais de uma dezena de leitores diários que acompanham este blogue de geografias, por trazer algo muito nacional. Devo dizer que para mim, enquanto docente de Conhecimento, Linguagem e Ação Comunicativa, disciplina tem a primeira edição no Centro Universitário Metodista do IPA, o assunto passou como cavalo encilhado.

Aos dois textos trazidos aqui [Fischer (25MAI2011) e Bagno (03JUN2011)] e aos dois que trabalhei esta semana em sala de aula [A batalha da língua na guerra das culturas de Maria Alice Setubal e Maurício Ernica e Nota em defesa do livro do MEC para a Educação de Jovens e Adultos, por Vera Masagão Ribeiro da ONG Ação Educativa, responsável pela publicação do livro (estes dois textos posso enviar a interessados que os desejarem)] trago hoje um quinto, que difere dos anteriores: não produzido no ventre da Academia e, menos ainda, por linguistas.

O autor de Última flor do laço é Ricardo Semler, 51 anos, um empresário. Ele foi scholar da Harvard Law School e professor de MBA no MIT, ambos nos Estados Unidos. Escreveu dois livros ("Virando a Própria Mesa" e "Você Está Louco") que venderam juntos 2 milhões de cópias em 34 línguas. Semler mostra, em um texto pícaro que exigir o domínio da língua culta, desenvolvida por, e para, as elites, é fator formador de castas.

Com votos que se divirtam com a picardia fina de Semler, no texto publicado no dia 06JUN2011 na Folha de S. Paulo, que segue, adito meus votos de uma muito frutuosa quinta-feira. Agradeço a companhia em mais este prosear e vivamos a expectativa de um reencontro amanhã aqui.

Última flor do laço Na exposição "6 Bilhões de Outros", no Masp, em São Paulo, há o depoimento de um soldado americano, que passou semanas conversando com dois afegãos, pai e filho -sem idioma comum, mas com alta compreensão mútua.
Na moral -sabe q tem dicionário irado com essas parada aí neles- demorô! "Irado" e "demorô" constam do Caldas Aulete. E tá prvdo q n prcsa de tds as ltrs pa entdr qq frse.

Conclui-se que a questão antropológica de comunicação não está em jogo quando um livro, como o "Por uma Vida Melhor", é assediado pelo patrulhamento multi-ideológico.

Evanildo Bechara, da embolorada ABL, defende, na "Veja", que a norma culta da língua continue cobrando pedágio de acesso ao mundo superior. Sem dúvida, negar o aprendizado da língua culta é inaceitável.

Caberia só discutir o que é suficiente. Convém lembrar que a quantidade de unidades lexicais do português demandaria o aprendizado de 350 delas por dia letivo, por cinco anos – são 350 mil no total!

Por outro lado, exigir o domínio da língua culta, desenvolvida a esse alto nível por, e para, as elites, é fator formador de castas. É assim na Inglaterra, onde o "Queen's English" é ensinado nos internatos, na Alemanha, com seu "Hoch Deutsch" e, naturalmente, na Índia, onde só os brâmanes "falam direito".

É só observar como os médicos se protegem com um linguajar intransponível, os advogados começam frases com "priscas eras" e os engenheiros falam em "senoidal" para descrever um arco. Ninguém penetra nesses clubinhos sem passar na prova de compatibilidade tribal -e tem elitismo sim.

Li o livro aprovado pelo MEC e o achei bom – que exista e seja distribuído. Os alunos contemporâneos têm que discutir como se faz a adaptação de uma linguagem para que seja acessível e democrática, como os EUA fizeram com o inglês, que tem apenas 25 mil palavras cotidianamente usadas, contra 49 mil empregadas na Inglaterra.

O livro "Por uma Vida Melhor" aceita a concordância "errada", mas defende a norma culta e explica que o significado é compreensível mesmo com "equívocos".
Se nóis falemo errado, não é só questão de exigir melhores professores e policiamento intelectual; é também preciso reduzir as regras e as complicações para flexibilizar a língua. Isso permitiria maior acesso às profissões, bem como ascensão social, sem o preconceito do uso da linguagem exata

Em vez de ficar em mãos de eruditos empoeirados, as novas normas linguísticas deveriam ser editadas por comissões paritárias do país.
Nada impede que os interessados continuem levando as preciosidades a patamares olímpicos, como forma de arte ou mesmo por masturbação mental.
O Mussolini era torcedor da Lazio, que é a região da Itália de onde saiu a última flor do latim a que o Bilac se refere, o português.

Como sabemos desde Mussolini e Stálin, sabedoria e norma culta não têm quase nada em comum. Isso seria bem lembrado nos chás das academias de vosmecês.

8 comentários:

  1. Caro Chassot,

    esse é um tema polêmico, de fato. A gente, que teve que passar por todas as provas para receber a aprovação da academia, já se acostumou à "língua culta" tem dúvidas se a literatura escrita numa "língua da cultura" pode auxiliar na comunicação. Confesso que não tenho clareza sobre os resultados e até precisaria do parecer da contemporânea Neurociência.

    A utilização do idioma cultural (do contexto), por um longo tempo, poderia criar uma variação de dialeto? Fui criado num meio rural onde se falava com muitos erros gramaticais. Quando voltava para casa e utilizava esses termos, minha mãe sempre me corrigia. Mesmo assim, cometo erros no uso da língua pátria.

    O que sempre acompanhei é que há um jeito de escrever (formal) e um jeito de falar (informal). Já agora, no cotidiano, utilizamos um número bastante reduzido de termos.

    Manifesto o meu receio, de que a utilização de literatura grafada com muitos erros gramaticais, poderia desenvolver um dialeto, que pelo uso, passaria a ser dicionarizado (ou gramatizado - existe este adjetivo?).

    Faço uma ressalva, reportando-me à minha blogada de hoje, não conheço, em profundidade, essa nova publicação do MEC.

    Para encerra, 1 grd abr p/todos.

    Garin

    http://norberto-garin.blogspot.com

    ResponderExcluir
  2. Meu caríssimo colega Garin,
    teu comentário leva-me a uma constatação: se não escrevêssemos de modo gradativo reduziríamos nosso vocabulário. Eis mais uma vantagem da escrita. Mais vantagem têm ainda quem como nós – escrevemos usando o dicionário.
    Eu também não manuseei o livro que os formadores de opinião (tendenciosa) colocam no índex. Li alguns excertos que me fazem cada vez mais admirar os seus produtores.
    O livro já valeu pela polêmica. Ontem à noite, a Gelsa foi painelista de um megaevento sobre o assunto na Unisinos.
    Estou agradavelmente surpreso com algumas produções de alunas e alunos de Conhecimento, Linguagem e Ação Comunicativa sobre o tema.

    Obrigado pelo comentarista que te fazes aqui
    attico chassot

    ResponderExcluir
  3. Caro Mestre! Creio que o esforço em elaborar tal livro já valeu pela discussão que levantou. Para mim, esse é sempre o ponto: todo texto se apresenta à leitura, e querer limitar as leituras e restringir os sentidos é uma ação de censura, que impede a autonomia dos sujeitos. Não podemos nem devemos ter medo de livros, sejam eles quais forem. Afinal, se nos tornamos leitores, é pela pluralidade do material dado à leitura. Lembro-me de certa feita, já em meus estudos de doutorado, na qual um professor se referia a Bruno Latour como "aquele de quem nem o nome deve-se pronunciar" e que desaconselhava veementemente a leitura de seus livros, pois corria-se o "perigo" de se "virar" relativista e pós moderno. Será que estamos formando leitores tão medíocres que o próprio contato com a obra torna-se um perigo? Será possível que a obra "devore"o leitor? Tememos o que pode acontecer com a língua diante dos últimos fatos. Mas a verdade é que já está acontecendo, pois a língua que falamos e escrevemos está viva.Ainda bem! Basta lembrar que o pronome de tratamento VOCÊ tem uma etimologia longa, e deriva do pronome de tratamento VOSSA MERCÊ, que modificou sucessivamente para VOSSEMECÊ, VOSMECÊ, VANCÊ e finalmente para VOCÊ. Imagine a agonia dos nobres portugueses se vislumbrassem tal derivação? Acaso não pensariam que era o fim da língua portuguesa? Bem, o tema é polêmico, para a nossa sorte, pois vem sacudir a facilidade com a qual aceitamos a elitização!!! Com desejo de um ótimo dia! Cris Flôr

    ResponderExcluir
  4. Cris Flor querida,
    nisto de formação de leitores tens expertise. Lembro muito da parte empírica de tua tese de doutorado.
    A que mundos imaginários levaste alunas e alunos de Química!
    É incrível que já no 3º milênio haja aqueles que querem restaurar o Index Librorum prohibitórum.
    Linda a trazida que fazes da etimologia do você.
    Oxalá (= queira Alá) essa discussão seja anúncio de novos tempos.
    Como disse, para mim enquanto professor de Conhecimento, Linguagem e Ação Comunicativa ela passou como um cavalo encilhado.
    Afagos agradecido pelas parcerias
    attico chassot

    ResponderExcluir
  5. Caro Chassot,
    Defendo o ensino da norma culta como aprendi e continuo aprendendo. Sei que há enorme polêmica entre os que pensam como eu, e outros que acham que "vale tudo". Não vou entrar nessa briga, apenas lembro que TODOS que (todos compreende você e o articulista do texto acima) defendem a flexibilização do ensino do idioma pátrio, escrevem na NORMA CULTA. Então, pergunto: Não há aí uma contradição?

    ResponderExcluir
  6. Meu caro Jair,
    BANDEIRA BRANCA,
    não vamos polemizar. As teses do livro são discutíveis. Eu como tu, ensino e uso a norma culta e também em nosso cotidiano nos aceitamos quando dizemos ‘¿tu já voltou a Floripa?’ e um responde: ‘Tô, contente de tá de volta!’.
    Abraços fraternos e com admiração

    attico chassot

    ResponderExcluir
  7. Oi Chassot.

    Lembro-me que postei um comentário no blogue do Augusto Nunes (um maluco que escreve para a Veja). Nessa ocasião, ele estava acabando com a Dilma e com o Lula, exatamente por não utilizarem "corretamente" o nosso idioma pátrio. Postei argumentando que o que se passava naquele momento no blogue era tão somente preconceito linguístico. A elite teima em querer elitizar a língua, para se manter como elite. Rapaz...fui achincalhado pelo blogueiro, chamado de ignorante e que não era bem vindo no blogue. Não só ele, outros comentaristas também. Mas não o fizeram educadamente, como fez o Jair, logo acima. Fizeram como cães loucos.
    Tá legal. Eu como goiano que sou, tô inu ali, tomá um suco, cumê uma empada, juntá os amigo pra nóis festá a noite inteira!!!
    ABraço
    Márlon

    ResponderExcluir
  8. Muito estimado Marlon,
    esse Augusto Nunes foi editor de Zero Hora. Conheço sua presunção. É lamentável que tantos jornalista (auto proclamados formadores de opinião: e são mesmo) sejam tão donos da verdade.
    Sabes que independente do valor do livro, essa discussão polarizou de tal maneira, que os pernósticos viram que vão acabar falando sozinho.
    Fico muito orgulhoso de te ter como leitor deste blogue.
    Há goianos que de vez em vez se manifestam.
    Vai abraço meio enfumaçado com cinzas vulcânicas.
    A amizade e a admiração do

    attico chassot

    ResponderExcluir