quarta-feira, 17 de novembro de 2010

17. - COP 4

Porto Alegre Ano 5 # 1567

Quarta-feira com um assunto polêmico: proibir o cigarro? Sim! Proibir o plantio do tabaco? Não! Por que?

Até sábado, representantes de 171 países, incluindo o Brasil, reúnem-se em Punta del Este, no Uruguai para aprovar diretrizes para a regulamentação dos produtos do tabaco. A posição do Brasil ambígua.

Trata-se da Conferência das Partes (COP 4) da Convenção – Quadro para o Controle do Tabaco – tratado internacional desenvolvido sob a chancela da OMS (Organização Mundial da Saúde) para reduzir o consumo do cigarro e os danos à saúde de quem continua fumando.

A primeira proibição de cigarro pública conhecida na história parte do Papa Urbano VII (1521-1590) que, em seu curto reinado papal de apenas 13 dias, baniu o ato de fumar em igrejas e ameaçou os fumantes de excomunhão para quem "tomasse tabaco no interior ou no adro de uma igreja, tanto por mastigá-lo, por fumá-lo com cachimbo ou cheirá-lo em pó pelo nariz". O lúcido Urbano VII morreu, segundo alguns, envenenado, embora a causa mais provável seja a malária.

Devo dizer que, já enquanto professor, em uma Universidade Pontifícia, dei aula a alunos que podiam fumar em aula. A proibição papal deve ter sido efêmera como o papado de seu autor.

Instalação de arte anti-fumo é exposta em Punta del Este que sedia congresso sobre controle tabagista. A organização da 4ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro instalou no saguão do Hotel Conrad um painel digital que vem chamando a atenção. Os números luminosos indicam as mortes causadas no mundo devido ao tabagismo desde 1999. Também calcula as mortes que ocorrem nos países durante a realização do evento. “De ti depende la solucion” indica uma frase em espanhol. A estrutura foi denominada de relógio da morte.


Na COP 4 as diretrizes devem recomendar proibição ou restrições ao uso de ingredientes nos cigarros, como açúcares, flavorizantes e umectantes. Assim, o uso de aditivos nos cigarros brasileiros, prática que torna o fumo mais atrativo, pode estar com os dias contados.
Estudos da TobReg (Tobacco Regulation) – grupo da OMS – mostram que esses aditivos aumentam a palatabilidade dos cigarros.

"Documentos internos da indústria do cigarro e estudos científicos da TobReg mostram que alguns aditivos têm a função de aumentar o poder da nicotina de causar dependência", diz Tânia Cavalcante, secretária-executiva da Conicq (Comissão Nacional para a Implementação da Convenção-Quadro), grupo interministerial criado para tratar do tema.

Após conflitos no grupo, a posição do Brasil está definida: o país apoiará a adoção de restrições aos aditivos e deve adotá-las após trâmites da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), segundo a Conicq.

O Brasil será um dos países mais afetados pela medida. A restrição ao uso de aditivos comprometerá o emprego do fumo tipo "burley" nos cigarros – a espécie é utilizada no "american blend", mistura preferida dos brasileiros.

Como o fumo "burley" é curado ao ar livre, perde o açúcar natural durante o processo de secagem. Com isso, o tabaco fica mais amargo e, para torná-lo mais palatável, adiciona-se açúcar.
Cavalcante, que é médica, afirma que, ao serem queimados, os aditivos tornam-se substâncias tóxicas. "A queima do açúcar libera acetaldeído, que aumenta a capacidade da nicotina de causar dependência", diz.

Mas eis o contrapoto das tabaqueiras: Humberto Conti, gerente de ciência e regulamentação da Souza Cruz, afirma que o açúcar natural do tabaco não é diferente do que é acrescentado e, portanto, a adição não aumenta o risco inerente ao cigarro.

"Proibir a adição de açúcar não significa reduzir o nível dessa substância no cigarro", diz. Para ele, com a proibição, a tendência é que a indústria use outros tipos de fumo "mais carregados no açúcar" naturalmente.

A polêmica envolvendo a proibição de aditivos no cigarro foi tema da campanha presidencial. Apontado como antitabagista, José Serra tentou se aproximar dos fumicultores e, em carta ao setor, lembrou que o governo Lula apoiou a adesão do Brasil à convenção. Mesmo assim, foi derrotado por Dilma Rousseff em grandes municípios produtores de fumo.

O governo brasileiro deve apoiar a redução do consumo de tabaco no país durante a Conferência da Convenção Quadro no Uruguai a COP 4. Mas não do plantio. A razão dessa aparente contradição? Mais de 50 mil famílias de pequenos agricultores vivem do cultivo do fumo na Região Sul. O Ministério do Desenvolvimento Agrário tem estimulado a reconversão de culturas entre os fumicultores, sem muito sucesso. Como convencer quem cultiva de cinco a 20 hectares a abrir mão de uma cultura que pode render, por hectare, até oito vezes mais do que o milho, por exemplo? Até agora não apareceu alternativa mais rentável para o minifúndio. Este foi um dos assuntos, que ainda nesta quarta-feira feira conversava com o senhor Heitor Petry, Vice-Presidente da Associação dos Fumicultores do Brasil, no aeroporto de Porto Alegre: a diversificação de culturas. O lamentável é o quanto a lucratividade do fumo – em sum mais significativa quantidade destinada a exportação – seja tão mais lucrativo que plantar alimentos.

Como não pode colocar todos esses produtores de uma hora para outra na ilegalidade, sem lhes oferecer uma opção econômica viável, o governo adota uma posição ambígua: condena o consumo do tabaco, mas não o plantio. O governo sabe que tratar as vítimas do fumo pelo SUS custa muito caro para o país. Mas também leva em conta a fortuna que arrecada com a tributação de cigarros.

Aos meus votos de uma boa quarta-feira, sou tentado a aditar uma frase bíblica apócrifa: “Usai os excrementos do demônio, para adubar as vinhas do Senhor!”

4 comentários:

  1. Meu caro mestre Chassot! E dizer que já fui adepto deste vicio, e do qual me libertei há mais de 10 anos. É uma tarefa árdua. Mas, confesso que minha qualidade devida se modificou de forma extraordinaria. Tenho a certeza de que a proibiçao em lugares já contribuiu significativamente para salvar muitas vidas. Abraço - JB

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  2. Meu caro Jairo,
    que bom que há 10 anos te viste livre do cigarro.
    Eu afortunadamente – talvez graças ao meu pai para quem cigarro tinha que ver com a proibição de Urbano VII: excomunhão –, lembro que quando trabalhava em bar-armazém, onde vendia cigarros, experimentei uma vez um cigarro marca Presidente, acho da companhia Sinimbu. Não cheguei a consumir nem a quarta parte do mesmo e o joguei fora da janela do meu quarto na Rua Ernesto Fontoura, esquina Eduardo (= Pres. Roosevelt). Isto deve ter sido no verão 57/58.
    A decisão de Punta del Este é difícil para o Brasil, na dimensão agricultura.
    Obrigado por teus sempre desejados comentários

    attico chassot

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  3. E eu te pergunto: Por que vocês que criticam tanto o plantio do tabaco e o consumo do cigarro não criticam a produção e consumo de bebida alcoólica?
    Eu nunca vi fumante matar no trânsito,destruir familias, se degradar pelas sarjetas...por que ninguém é contra? Quanto o SUS gasta nas traumatologias cuidando das vitimas de acidentes? Façam as contas e deixem de tanta hipocrisia! Querem o que?que os fumicultores engrossem as favelas das grandes cidades? Agricultora e Sindicalista.

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  4. Prezada Agricultora e sindicalista,
    primeiro lamento que não tenhas deixado teu endereço para receber este comentário. Acredito que empunhes duas bandeiras distinta: uma indefensável (o consumo do cigarro) outra (plantio de tabaco) discutível. Minha posição quanto a segunda é primeiro de respeito e depois buscando alternativas para fugar da mono cultura e incluir também a produção de alimentos.
    Com respeito e admiração por tua militância.


    attico chassot

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