Porto Alegre Ano 4 # 1332 |
Este blogue, como no ano passado adere ao movimento mundial no qual hoje par uma hora das 20h30min às 21h30min – milhões de pessoas desligarão as luzes de suas casas. Os principais monumentos símbolos nacionais terão suas iluminações diminuídas.
Para alguns será na hora da novela, mas será então oportuno aproveitar para conversar com a família, fazer um jantar à luz de velas ou até pra ficar olhando para as estrelas no céu.
O que não dá é para cruzar os braços e achar que o aquecimento global não é problema nosso.
Convide pelo menos um amigo ou vizinho e o engaje nessa ação. É um protesto, um sinal de que precisamos mudar!
Novamente na Morada dos Afagos para a última edição-coruja. Neste sábado a Gelsa faz seu retorno Berlin/Paris/São Paulo/Porto Alegre. Deixa Berlin às 6h (2h BSB) para chegar Porto Alegre quase meia noite.
A cerca da fala que me levou a São Paulo, uma vez mais, vou parecer imodesto: a palestra saiu muito bem. Este março foi de colecionar originalidades em minhas falas. Primeiro foi aquela babélica em Ålborg, depois foram as duas palestras ‘A Ciência é Masculina? É, sim senhora!’ uma no Bar Farofa e outra na Fundação CEEE e depois, nesta terça-feira, a aula-magna ‘abençoada’ pelo pastor.
Pois nesta sexta-feira, outra originalidade: primeiro falei para uma parcela de dirigentes da elite acadêmico-econômica no Brasil (Fundação Getúlio Vargas tem as mensalidades mais caras do Brasil). A outra: minha palestra, em luxuoso hotel, esteve inserida entre um desjejum muito variado e um lauto almoço. Falei para cerca de 40 coordenadores de cursos de Educação Continuada e Especialização em Direito da FGV/Law. Estes assistiram à fala por cerca de 2 horas nas mesas onde aconteceram as duas refeições. Área de Direito da FGV [GVlaw] iniciou em 2001, já tendo formado cerca de 10 mil alunos e atualmente há cerca de uma centena de cursos. Para quem vez ou outra dá aulas para os camaradas do MST, em situação diametralmente oposta, pode-se imaginar quantas emoções dispares afloraram. Uma coordenadora, depois de minha fala, ao ouvir minha referência aos direitos autorais do Alfabetização científica: questões e desafios para a Educação falou: “Foi muito bom ouvir que professores como o senhor envolvem-se com o MST. Só isso me faz rever posições acerca do que é lugar comum na imprensa!” Ainda em Congonhas, em longa espera para que a cerração que fechara o aeroporto se dissipasse , recebi esta mensagem: Caro Professor, antes de tudo parabéns pela brilhante palestra, fascinantemente indisciplinada! Peço o favor de me enviar os slides, Gustavo Amaral. Outro depoimento que me comoveu foi do jovem que assistiu a minha fala na execução de seu trabalho – era o responsável pela sonorização do evento (e também autor das fotos) – : “Sou evangélico, mas eu gostei muito da palestra!” (certamente, marcando posição acerca dos comentários que fiz sobre fundamentalismo e da ateologia). Sou particularmente grato a Monica Pinhanez, Coordenadora Acadêmica da GV Law, pelo convite e pela maneira como atenciosamente foi minha anfitriã atenta, especialmente nas trocas de experiências, ao atenciosamente levar-me ao aeroporto.
Mas sábado é dia de falar em leituras. Os três livros de Kierkegaard – que foi o destaca da última blogada sabatina – que encomendei [Ponto de Vista Explicativo da Minha Obra de Escritor, Diário de um Sedutor, e É Preciso Duvidar de Tudo] só chegaram na terça-feira. Mesmo que tenha levado um deles para viagem, não terminei e é prematuro resenhá-lo. Nesta semana referi a professor Um ponto no holograma - A história de Vidal, meu pai, no qual um dos mais reconhecidos sociólogos pós-moderno faz uma admirável tessitura de mais de quatro séculos da historia de sua família, para nos narrar a densa história de Vidal, seu pai. Ter manuseado esse livro que há um tempo a leitura me encantou, catalisou a blogada de hoje.
MORIN, Edgar. Um ponto no holograma - A história de Vidal, meu pai. São Paulo: A Girafa Editora, 2006, 448p. ISBN 85-89876-97-7
Não deve ser muito usual que um muito reconhecido sociólogo, antropólogo, historiador e filósofo se proponha a oferecer um livro acerca de sua família, mais especialmente de seu pai e também muito da sua, que não tem sempre as marcas da ortodoxia. Edgar Morin, nascido em Paris em 1921, é Diretor emérito de pesquisas do Centro Nacional de Pesquisa Científica e fundador do Centro de Estudos Transdisciplinares da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, ambos situados em Paris, onde reside. Sua obra mais conhecida ‘O método’, teve seus seis volumes traduzidos e publicados no Brasil, pela editora Sulina de Porto Alegre. Esta obra tem sido referência para seminários em várias universidades brasileiras.
Talvez pudesse iniciar perguntando aos leitores deste blogue o que conhecem acerca de Salônica ou qual a identidade de salonicense. Se houve evocação às epístolas de Paulo aos tessalonicenses, a ligação está certa. Salônica (ou Tessalônica) hoje é a segunda maior cidade da Grécia; foi importante há pelo menos 20 séculos. Ela é central em A história de Vidal, meu pai a partir do século 15. Em 1492, depois da queda da Granada, o Islã é rechaçado da Europa ocidental e a Espanha, então governada pelos reis católicos, Isabel e Fernando, impõe a judeus e muçulmanos o exílio ou a conversão. As dezenas de milhares de judeus que recusam a conversão ao cristianismo se espalharam pelo mundo. Com a diáspora dos sefarditas os judeus da Espanha espalham-se em pequenas comunidades rumo à Holanda, à Provença, mais amplamente rumo à África do Norte e sobretudo ao Oriente, Império Otomano adentro. Alguns se instalam nas cidades portuárias de Istambul, de Izmir e, principalmente, de Salônica, onde 20 mil deles desembarcam.
Esses judeus formam uma pujante comunidade, que por mais de quatro séculos conserva não apenas a fé judaica, mas a o uso do ladino – língua ibérica semelhante ao castelhano falada por comunidades judaicas originárias da península Ibérica, também chamada de judeu-espanhol ou dijio –. Salônica foi, há um tempo turca, macedônia, italiana, grega e seus habitantes que usava como identidade ‘judeu salonicence’ ou ‘israelita do Levante’, e trocavam de nacionalidade com freqüência.
Em 1894, Vidal Nahoum – um judeu sefardita –, pai de Morin, nasceu em Salônica, e atravessou as guerras balcânicas, a derrocada do Império Otomano, e as duas guerras mundiais. E é a partir de Vidal Nahoum e de Salônica que o historiador traça um panorama dos judeus sefarditas.
Permito-me um parêntesis [Numa simplificação: entre nós (e me refiro ao Rio Grande do Sul) os judeus se dividem em a.- asquenazis – são judeus originados da Europa Central (o chamado judeu-alemão), cuja língua é o iídiche, idioma baseado no alto-alemão do século 14, acrescido de elementos hebraicos e eslavos; e b.- sefarditas ou sefaradins – judeu descendentes dos primeiros israelitas de Portugal e da Espanha, que falam o ladino. No RS, a comunidade asquenazi é mais numerosa que a sefaradim]
Acompanhamos na trajetória do biografado a história da Europa do Século 20, onde as duas guerras, a holocausto dos judeus e as alterações de fronteiras dão o tom a uma narrativa emocionante. Acompanhar o pai em duas guerras e depois o filho como ativista na 2ª Guerra Mundial, quando a família já vive na França é muito envolvente.
O livro é uma primorosa edição de A Girafa Editora. Há pequenas imprecisões do tipo ‘31 de novembro’ que parecem não comprometer o texto. A leitura de A história de Vidal, meu pai é facilitada por árvores genealógicas de duas famílias judias salonicenses: Nahum (ramo paterno de Edgar Morin) e Beressi (materno) e de uma cronologia detalhada de seis séculos (1391-1986). Esses dois anexos são bons facilitadores para balizamentos da narrativa, especialmente quando não se tem a desejada condição de fazê-lo por muitas horas seguidas.
É com entusiasmo que recomendo às minhas leitoras e aos meus leitores essa obra de Edgar Morin. A oportunidade de conhecermos como se deu e como se dá construções de identidades – e as lutas de dos homens e das mulheres para consegui-las, escondê-las, mantê-las – é provavelmente um dos pontos mais significativos desse livro. Também por isso vale lê-lo.
Que o sábado, gostosa parte do fim de semana seja, muito bom.
E lembre-se de esta noite, por uma hora apagar a luz.