ANO
11 |
Breve, um novo livro
Das disciplinas à indisciplina
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EDIÇÃO
3222
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O último domingo se travestiu de luminosidade para afogar desilusões e
afagar alegrias. O domingo, que quase despedia outubro, era dia do segundo turno de eleições municipais.
Se alguém que conhecera um domingo eleitoral em Porto Alegre, no entorno à
última virada de século, aqui estivesse no dia 30 de outubro de 2016, faria
hipótese que os porto-alegrenses não seriam mais os mesmos. A cidade viveu uma
modorra eleitoral. Bandeiras, carreatas, amigos indo em bloco às urnas,
famílias mostrando às crianças aulas de civismo desapareceram.
Prognósticos sobre vitórias desinteressavam. Os resultados das eleições
pareciam não importar. A tese de realização de um segundo turno para eleger
alguém com a aprovação de uma maioria, rigorosamente não ocorreu. De cada 10
eleitores menos de 4 votaram no prefeito eleito. Isso se pode ver no gráfico ao
lado.
Eu na manhã dominical, de céu muito azul, encantava-me com um jacarandá da
Praça da Matriz, que me permitia ver apenas no topo do obelisco central a
figura triunfante e dinâmica da República, parte do conjunto estatuário do
monumento que venera a memória de Julio de Castilhos, líder do positivismo
gaúcho. O mais imponente monumento da cidade tem 22 metros e meio de altura, é
uma verdadeira cartilha positivista, concebida e erigida no começo do Século 20.
Mas que fazia eu em uma fila, mirando ora a Catedral Metropolitana, ora o
Palácio Piratini ou, em outro momento, ora o Palácio da Justiça, ora o secular
Theatro São Pedro? Divagava com o Guy sobre a Feira do Livro e mirava a Gelsa e
Liba, a esta seus 95 anos asseguravam lugar privilegiado na fila. Aguardávamos
ingressar no Teatro, pois o sol de quase meio dia era inclemente. Desde o
sábado nos movimentáramos em busca de senhas para sermos dos privilegiados a
ouvir David Grossman em um presente do Fronteiras do Pensamento na celebração dos 10 anos do exitoso projeto.
Grossman, nascido em Jerusalém em 1954 é um dos mais importantes e engajados
ficcionistas contemporâneos, abriu sua exposição com um texto O poder da imaginação, marcado por duas
dimensões. Por primeiro discorreu acerca do seu ‘fazer-se escritor’ e falou de
seu processo criativo; na segunda dimensão fez aflorar a sua marcada militância
pacifista, defendendo a existência de um Estado Palestino, convivendo com o
Estado de Israel. Não escondeu o quanto isso desagrada ao governo de Israel e
por tal não sem razões é tido como um perigoso
pacifista.
Na segunda parte da atividade fomos brindados com um debate mediado pela
jornalista Adriana Carranca, que escreve sobre conflitos, tolerância religiosa
e direitos humanos, autora de Malala, a
menina que queria ir para a escola. Esta parte teve ricas alternâncias das
duas dimensões antes acenadas.
Aquilo que me pareceu mais significativo — e projetei isso no cenário que
vivi, há três anos quando de Jerusalém fui aos territórios palestinos ocupados —
foi ouvir David Grossman dizer que em seus mais de sessenta anos de vida nunca
vivem um tempo de paz e sim sempre sob o jugo da guerra. Por exemplo, em 2006,
o escritor estava envolvido no pedido de cessar-fogo da Guerra do Líbano apenas
dois dias antes de seu filho Uri, sargento do exército israelense, falecer em
um ataque contra a milícia do Hezbollah. O escritor transformou a experiência
do luto em uma de suas mais aclamadas obras, Fora do tempo, publicado em 2011.
Em 2015, foi publicado no Brasil O
livro da gramática interior, uma de suas obras mais conhecidas, adaptada para
o cinema. Em O inferno dos outros,
lançado em 2016 no Brasil. Em http://is.gd/Grossman4
endereçará à página da Companhia das Letras, onde se pode conhecer mais de uma
dezena de obras Grossman em português. No mesmo endereço, substituindo o 4 por números
de 1 a 12 se encontrará informações preciosas do autor. Grossman é melhor dica
de leitura que poderia oferecer à vigília do primeiro fim de semana de
novembro.
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