ANO
9 |
EDIÇÃO
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Já, há mais de três semanas,
sinto-me em dívida com um assunto. Estar o papa Francisco nesses dias na
América do Sul e ouvi-lo manifestar-se sobre nossas responsabilidades globais
em relação à Amazônia, acelera o saldar a obrigação de comentar a segunda encíclica
do primeiro papa latino-americanos. Este título dá-nos certa intimidade, mesmo
não estando entre seus súditos. Sei o quanto esta submissão a muitos conforta.
Por primeiro, devo reconhecer
que fui precipitado em uma primeira avaliação. Há dias escrevia a meu colega
Walter Bazzo, comentando o editorial de julho que escrevera em www.nepet.ufsc.br/. “Li como destacas
com oportunidade a encíclica do papa Francisco. Mesmo oportuníssima, parece-me
que bateu leve demais. Poderia ser mais incisivo. Se lamentamos que
em 11 de Setembro de 2001 tenha havido cerca de três mil mortes inocentes, no
ataque às torres gêmeas do World Trade Center, atualmente, a cada dia, morrem
dez vezes mais pessoas devido à falta de água potável [Ouvi essa afirmação
dolorosa de Ricardo Petrella, economista italiano, professor na Universidade
Católica de Lovaina, Bélgica, que esteve na UNISINOS, participando em setembro
de 2004, do Simpósio Internacional Água:
bem público universal com a palestra “Água: o desafio do bem
comum”. A palestra está publicada no livro NEUTZLING, Inácio, Água: bem Público universal. São
Leopoldo: Editora UNISINOS. 2004, p. 9-31]. É como se a cada dia houvesse a
derrubada de dez WTC.” Meu comentário não cabe. Saboreei extensamente as
quase 200 páginas, do documento publicado em 18 de junho de 2015.
A Laudato
si' em português: Louvado sejas que traz o subtítulo: "Sobre o Cuidado da Casa Comum" é segunda encíclica do Papa Francisco, na qual faz
critica ao consumismo e ao desenvolvimento irresponsável e faz um apelo à
mudança e à unificação global das ações para combater a degradação ambiental e
as alterações climáticas. A encíclica foi publicada oficialmente, mediante
grande interesse das comunidades religiosas, ambientais e científicas
internacionais, dos líderes empresariais e dos meios de comunicação social.
SERVIÇO: Em http://www.ihu.unisinos.br/noticias/543659-laudato-si-um-qguiaq-para-a-leitura-da-enciclica-a-integra-do-texto
pode-se ler a íntegra do texto, em português de Portugal, clique aqui. Em texto oficial do Vaticano. Também pode ser
visto, clicando aqui,
um vídeo, de 6min18s, de primorosa divulgação da encíclica.
Um vídeo, em tom humorístico, um
tanto sem graça, sob o título Papa
Francisco na Encíclica: a batalha heroica contra a mudança climática,
pode ser visto clicando aqui.
O IHU/UNISINOS no mesmo endereço publica um guia de leitura do
texto, divulgado pela Radio
Vaticana
O título da encíclica tem
origem nas primeiras palavras do documento, as quais são uma citação do Cântico
das Criaturas de Francisco de Assis, do século 13. Esta obra é um poema e
oração no qual Deus é louvado pela criação dos diversos animais e aspectos da
Terra. O texto da oração foi escrito no dialeto úmbrico falado por Francisco de
Assis, e não em latim, mantendo a encíclica a língua original.
Ela é um primor por sua concepção
didática. É indisciplinar, pois permeia e é permeada por várias áreas do
conhecimento. Ciência (não sei se alguma disciplina que não tenha sido
referida com adequação), Tecnologia (trazida com detalhes e
com brilhante atualidade) e Religião (a matriz judaico-cristã
aflora de maneira permanente, ignorando o orientalismo) fazem uma tessitura
bastante harmoniosa.
Diria que o texto, que deve ter
tido uma assessoria de uma plêiade de especialistas nas mais diferentes áreas, poderia
ser eixo de um seminário acadêmico muito rico. Não deve existir nenhum polímata
que fosse capaz de produzir um texto tão matizado sumarento em muitas áreas.
A encíclica é explicita no que
quer defender: a Terra e os pobres. Assim afirma: Mas, hoje, não
podemos deixar de reconhecer que uma
verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que
deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como
o clamor dos pobres. LS 49 (Laudato Si’ excerto
trazido do parágrafo 49).
A rejeição a politicas de contracepção está
claramente visível: Não faltam pressões internacionais sobre
os países em vias de desenvolvimento, que condicionam as ajudas económicas a
determinadas políticas de «saúde reprodutiva» LS 50.
Há um reconhecimento de que Ciência e Religião
são óculos diferentes, mas podem dialogar: Todavia a ciência e
a religião, que fornecem diferentes abordagens da realidade, podem entrar num
diálogo intenso e frutuoso para ambas. LS 62.
Há uma defesa
explicita do criacionismo, mas de uma maneira não fundamentalista: Sem repropor aqui toda a teologia da Criação, queremos saber
o que nos dizem as grandes narrações bíblicas sobre a relação do ser humano com
o mundo. Na primeira narração da obra criadora, no livro do Génesis, o plano de
Deus inclui a criação da humanidade LS 65.
A critica que os textos bíblicos são marcados por
uma visão antropocêntrica são rebatidos: A terra existe antes
de nós e foi-nos dada. Isto permite responder a uma acusação lançada contra o
pensamento judaico-cristão: foi dito que a narração do Génesis, que convida a
«dominar» a terra (cf. Gn 1, 28), favoreceria a exploração
selvagem da natureza, apresentando uma imagem do ser humano como dominador e
devastador. Mas esta não é uma interpretação correcta da Bíblia, como a entende
a Igreja LS 67.
Estes meus breves comentários foram
pinçado nos dois primeiros dos seis capítulos. Há muito mais a conhecer.
Francisco cita seus antecessores mais próximos, os papas João Paulo II e Bento
XVI. Também faz referência a Bartolomeu I, patriarca de Constantinopla da
Igreja Ortodoxa e seu aliado e cita Tomás de Aquino, Teilhard de Chardin — seu
colega jesuíta, Romano Guardini e Ali al-Khawas, místico islâmico do século IX.
John Allen Jr, respeitado
especialista em assuntos do Vaticano, afirmou que a encíclica Laudato Si’ representa um ponto de
viragem muito significativo, em que o ambientalismo passa a ocupar um lugar de
destaque na doutrina Social da Igreja a par da dignidade da vida humana e da
justiça econômica. Torna também a Igreja Católica um dos principais porta-vozes
da moralidade no combate ao aquecimento global e às consequências das alterações
climáticas. Hans Joachim Schellnhuber, fundador e membro do Conselho Científico
para as Alterações Climáticas alemão, que aconselhou o Vaticano na redação da
encíclica, afirmou que a encíclica é irrefutável e deu os parabéns ao pontífice
pela encíclica.
Com esta blogada não só escuso-me
de meu julgamento precipitado, mas espero entusiasmar meus leitores a
abeberar-se da LAUDATO SI’: Sobre
o Cuidado da Casa Comum.
Soneto-acróstico
ResponderExcluirAo Chicão
Olha lá esse gaudério argentino
Papa novo da melhor qualidade
Assumiu sem qualquer desatino
Papado grávido de credulidade.
Agora com a encíclica Laudato si
Francisco converte vistoso ponto
Revela-se ligado no mundo aqui
Afirma que não é alienado tonto.
Nenhum papa foi tão contundente
Corajoso, e no planeta antenado
Incontido no defesa de toda gente.
Seja redenção social seu legado
Contra esse capital impenitente
O que vai consagrar seu papado.
Estimado Chassot,
ResponderExcluirEu li a Laudato Si alguns dias atrás. Tinha curiosidade a respeito, e entrei no texto com o espírito parecido ao teu, isto é, cético. O que encontrei foi pensamento ecológico contemporâneo, um significativo resgate da teologia da libertação, alinhavados por certo misticismo franciscano: ou seja, um documento extremamente bem pensado. Posso acreditar em apenas parte daquilo ali, mas reconheço um homem de talento. Um saudoso abraço.
Renato Kinouchi, UFABC.
Vejo positivamente tal documento oficial da igreja católica. Carregado de humanismo e preocupação ética, vertida nas fontes boffeanas de Leonardo Boff. Será certa reparação ao passado? Dada a preciosa sugestão do mestre, vamos à leitura...
ResponderExcluirCaríssimo Mestre Chassot
ResponderExcluirMuito oportuna tua conclamação para nos dar a conhecer a recente Encíclica papal. Nao ha como descolar o apelo de melhorar as condi coes das classes menos favorecidas sem a redução do consumo e da exploração exacerbada dos recursos naturais. Assim como o Vanderlei, teu leitor acima, tambem tive contato com artigo do Leonardo Boff onde o mesmo acaba reiterando as palavras de Francisco I. Um final de semana esplendoroso. JB
Já é chegada a hora de que criemos uma super consciência planetária, sobre o destino comum a que nos levamos. É dada a hora de consumir menos produtos processados, que demandam energias diversas e muito plástico. Tudo aqui na terra faz parte da natureza. Todas as células de animais, plantas e materiais "inanimados". É preciso usar consciência (com ciência) tudo que nos é compartilhado por todos os seres que aqui formam esse Ecossistema Terra. E isso só se consegue com uma cultura focada na não-violência e na paz.
ResponderExcluirUm grande Abraço ao caríssimo Maestro Chassot.